Observatório da Maioria

Montenegro vs Pedro Nuno: um guia para ler o debate (e dar as suas próprias notas)

Ao fim de 28 duelos televisivos, chegamos ao decisivo: durante cerca de uma hora e 15 minutos, em simultâneo para três canais abertos, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos debatem para cerca de três milhões de cidadãos – mais do dobro do frente a frente mais visto até ao momento (que opôs Pedro Nuno a André Ventura). Há quem – como Luís Marques Mendes – diga que não é o momento decisivo, mas a proximidade entre os dois nas sondagens mostra que um erro pode tornar-se irreparável. O que vale a pena, em qualquer caso, é não seguir à risca os comentários e as notas que se seguem ao debate: é claro que as notas dos comentadores são importantes (a reflexão e opinião livre são elementos centrais da democracia), mas as notas não pretendem ser ciência feita, nem nos dizem com ciência quem ganhou, são apenas um mote para nos ajudar a pensar sobre o que ouvimos. Lembre-se do que aconteceu há dois anos: António Costa e Rui Rio debateram, a maioria dos comentadores atribuiu vitória ao candidato do PSD, mas Costa acabou por ganhar a maioria absoluta no dia das eleições.

Vale a pena, assim, balizar a discussão entre Montenegro e Pedro Nuno. Para melhor perceber alguns ditos e fixar critérios para a sua própria avaliação – leia este texto antes ou depois do debate se ter realizado.

Nos debates, Montenegro (um pouco) melhor do que Pedro Nuno

Começo pelos debates que vimos até agora. Tomando como apoio as notas de Montenegro e Pedro Nuno nos seis debates que ambos realizaram antes do duelo desta segunda-feira à noite, o líder da AD segue ligeiramente à frente: leva uma média de 6,6 valores (na escala até 10), face a 6,3 do líder socialista.

Curiosamente, os comentadores deram a ambos o mesmo número de vitórias: quatro cada um. Mas Montenegro vencendo contra os do seu próprio campo político e tendo uma derrota contra Mariana Mortágua e um empate com Rui Tavares; ao passo que Pedro Nuno tem o pior registo com o liberal Rui Rocha e contra Rui Tavares (que assim se tornou no ‘tomba-gigantes’ dos debates televisivos.

Em qualquer caso, os dois candidatos principais foram em crescendo nos debates, seguindo para o duelo mais importante em melhor momento para tentarem convencer os indecisos.

A atenção dos indecisos (e segurar os decididos)

Temos falado muito sobre indecisos e são eles quem faz deste debate um momento realmente decisivo para os candidatos da AD e do PS: de acordo com a última sondagem do Expresso e SIC, há cerca de um mês eram ainda 16% os eleitores sem sentido de voto definido, a Católica aponta um pouco para cima e Intercampus aponta mesmo para 30%. Em qualquer caso, os indecisos estão acima do número (já muito elevado) que se verificava nas últimas legislativas. E dizem-se mais próximos dos dois partidos do centro do que de qualquer outro. A oportunidade deste debate é, assim, evidente.

Mas Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos não se podem limitar a pensar nos indecisos. O ponto de partida é um empate técnico: na maioria das últimas sondagens, como a do Expresso, a da Católica e a da Intercampus, a AD está agora ligeiramente à frente; na Aximage é o PS com ligeira dianteira. Mas entre os decididos é Montenegro quem tem terreno mais frágil: como mostrava o estudo do ICS e ISCTE para Expresso e SIC, os que dizem votar na AD têm uma intenção de voto menos firme do que os que assumem um voto no PS ou até no Chega. E Montenegro é avaliado de forma menos entusiástica pelos eleitores à direita do que Pedro Nuno pelos da esquerda.

É bom lembrar isto, portanto: quando um eleitor diz numa sondagem que vai votar num partido, ele tem ainda muitos dias para mudar de opinião. É também isso que se joga neste debate – e no que juntará todos os candidatos na RTP, marcado para a próxima sexta-feira.

A imagem (frágil) dos dois

Para uns (indecisos) e para os outros (aparentemente decididos), a imagem dos dois candidatos será um fator crucial de avaliação do debate. E, olhando para os últimos estudos sobre a imagem dos candidatos, é Pedro Nuno quem parte em desvantagem. A sondagem da Católica, publicada há duas semanas, dizia-nos que Montenegro era avaliado mais positivamente na competência, honestidade, capacidade de defender o Estado, de melhorar a saúde e educação, de desenvolver uma melhor economia e de criar um melhor governo. Só havia empate na pergunta sobre qual seria melhor primeiro-ministro. A sondagem da Intercampus mostrava uma tendência semelhante: Montenegro mais sério, mais responsável, mais estudioso (por pouco) e à frente nas perguntas sobre confiança (a quem compraria um carro em segunda mão? A quem entregaria dinheiro para gerir?). Nesta última, é um facto, Pedro Nuno era apontado como líder “mais forte”, o que é pouco.

Mas, na verdade, nem estes dados podem deixar Montenegro descansado: é que, na Intercampus (sondagem que é publicada pelo Jornal de Negócios e Correio da Manhã), a resposta que mais sobressai em quase todas as perguntas é o “nenhum” – sobretudo nas que se referem à confiança nos candidatos. O facto de ambos os candidatos serem relativamente novos nos cargos (mais Pedro Nuno do que Montenegro) não serão indiferentes a esta desconfiança. Acresce que um e outro terão poucas oportunidades depois deste debate para conquistarem estes eleitores.

Os eleitores que procuram

Chegados aqui, façamos um primeiro balanço: os dois principais partidos estão com cerca de 60% das intenções de voto (10 pontos abaixo das legislativas de 2022); os eleitores mostram-se céticos face a estes novos líderes – e alguns terão o seu voto menos decidido que se intui em algumas sondagens.

Se olharmos para o perfil sócio-demográfico dos eleitores da AD e do PD, confirmamos facilmente uma relativa fragilidade dos seus eleitorados outrora fiéis e interclassistas. Começando pelo PS: sendo de longe o partido com maior percentagem de eleitores acima de 65 anos, tem agora maior dificuldade em entrar nos eleitores em plena idade laboral – e é um dos partidos (a par do PCP) com mais dificuldade em chegar aos que tem curso superior.

Quanto a Montenegro, terá preocupação quase inversa: a AD que lidera convence menos pensionistas do que o PS e os que têm menores qualificações, acabando por atrair mais os que dizem viver com algum conforto do que os que dizem viver com dificuldades.

Já agora, vale a pena anotar que, em comum, PS e AD revelam idêntica incapacidade de convencer os eleitores mais jovens (até aos 35 anos) – mais próximos da IL, Chega e Bloco. Se quiser perceber as diferenças destes eleitorados, encontra os gráficos animados aqui.

E os discursos da AD e PS, estarão afinados?

O politólogo João Cancela foi olhar para os dados mais recentes do Eurobarómetro, procurando conhecer as preocupações centrais dos portugueses – divididos por idade e escolaridade. As conclusões a que chegou resumem-se assim:

  • “As pessoas com 55 e mais anos revelaram maior propensão a considerar a saúde e as pensões como problemas prementes. Já a habitação era uma preocupação mais saliente entre os mais jovens (sub-35)”;
  • “No que toca ao nível de instrução, as pessoas com educação superior foram menos propensas a referir a saúde e o desemprego, dando mais ênfase aos impostos e à dívida pública, mas também à habitação e à educação”;

Cruzando os quadros (que merecem um olhar), percebe-se que o incumbente (neste caso, o PS) tem mais razões para se preocupar: é que a “Saúde” e o “Custo de Vida” aparecem destacados como os temas mais difíceis desta campanha.

Percebe-se, assim, que Luís Montenegro coloque o seu “programa de emergência para o SNS” como proposta central: os pensionistas e os menos qualificados (que por agora apoiam mais o PS) olham para este como o tema mais difícil do país. Quanto ao PS, terá dificuldades em chegar aos mais jovens e mais qualificados, que apontam sobretudo para temas como habitação e impostos – no primeiro caso, um tema difícil para Pedro Nuno, no segundo um tema assumido pelo centro-direita e não pelos socialistas.

Assim sendo, para quem é este debate mais decisivo?

Os dois correm riscos, embora no imediato Pedro Nuno precise mais de um bom momento do que Montenegro: se é certo que a AD tem uma base eleitoral menos sólida, o PS segue abaixo nas tendências de voto, compara pior nas perguntas qualitativas e carrega uma mochila pesada de oito anos de governo.

O facto é que, para 10 de Março, ambos precisam vitória sobre o outro: com a maioria de esquerda mais longe, o PS só terá hipótese de governar (mesmo que de forma instável) vencendo a eleição; e Montenegro, rejeitando qualquer relação com o Chega, terá problema idêntico – só ganhando com alguma distância terá força suficiente para forçar um governo que não caia no momento seguinte.

Mas, atenção, se no imediato é o socialista quem arrisca mais, no médio prazo o risco está todo do lado de Luís Montenegro. É que Pedro Nuno acaba de ser eleito líder do PS e nada indica que possa cair se perder as legislativas. Mas Montenegro terá bem mais dificuldade em manter-se à frente do seu PSD se não ganhar agora: o partido entrará numa dura discussão sobre governar ou não com o Chega e o risco de o líder cair é, também, muito maior.

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