Parece que na direção do PSD se diz que Luís Montenegro está “a fazer a gestão possível” do caso da Madeira, usando as palavras que foram ditas ao Vítor Matos para o texto que publicou no site do Expresso esta terça-feira. E parece que a explicação para o silêncio do líder do PSD passa não só pela "autonomia do partido nas regiões autónomas, mas também com o facto de estarmos perante ‘um cenário que pode mudar em cada momento’”. Atrevo-me a dizer que esse tem sido o principal problema de Montenegro: o medo das circunstâncias que mudam e a incapacidade de as determinar.
Neste Observatório da Maioria, explico brevemente por que falhou Montenegro neste momento decisivo. Mas venho sobretudo sublinhar que Luís Montenegro tem ainda uma oportunidade para o fazer. Será, pelos dados que temos, a última. Mas pode ser decisiva não só para ele próprio, como para a sobrevivência do PSD como grande partido de centro-direita em Portugal, cada vez mais ameaçada pelo Chega, como expliquei neste texto que escrevi há uns dias.
O caso perdido da Madeira
O que se passou na Madeira foi evidente para todos, creio que até para uma parte dos dirigentes e militantes do PSD (se tiver acompanhado tudo, passe este parágrafo à frente): houve buscas na Madeira, vários detidos, Miguel Albuquerque constituído arguido, forçado a demitir-se pelo PAN. Depois, Marcelo sinalizou eleições antecipadas, Albuquerque disponibilizou-se para ficar mais um tempo, aprovando um orçamento. Mas o CDS disse que não e o próprio PSD/Madeira deu sinais de preferir avançar já para a substituição, tentando condicionar a convocação de eleições antecipadas.
Este é o estado da arte: a Madeira vai, afinal, ter já um novo Governo, validado com o PAN e CDS, com um novo líder regional que (ao que diz a nossa correspondente no Funchal) pretende ir a votos depois de aprovado o orçamento regional, tentando legitimar-se no poder.
Tudo parece encaminhar-se para um final de bom-senso, mas durante todo este longo processo de seis dias, Miguel Albuquerque fez tudo mal, Marcelo hesitou sem necessidade, o PAN teve um momento de glória, o PS lutou por uma oportunidade e até o CDS se safou. Durante todo este longo processo de seis dias, Montenegro calou-se - recusando até em responder nesta terça-feira aos jornalistas sobre o assunto, numa imagem triste transmitida pelas televisões.
Vamos, então, rematar este ponto: quando Miguel Albuquerque foi constituído arguido, resistindo a demitir-se, o líder do PSD tinha o dever ético de dizer-lhe que não contasse com o seu apoio político. E teve a oportunidade de dizer o mesmo a todos os portugueses a quem está a pedir o voto nas legislativas. Mas não é só isso: quando se instalou a dúvida sobre se deveriam ser convocadas eleições antecipadas ou se devia ser nomeado um novo governo sem elas, o líder do PSD devia-nos a coerência de, tal como fez depois da demissão de António Costa, abrir caminho à realização de novas eleições, como aconteceu de resto no país.
Sem estabelecer o padrão ético claro que sempre faltou a António Costa, sem provar aos eleitores que é capaz de manter os princípios, ainda que arriscando o poder onde o tem, Montenegro falhou no teste: não foi forte, como se pede aos líderes.
Na Madeira, já acabou. Mas agora vêm os Açores.
E nos Açores? (Lembram-se do que disse no Funchal?)
No próximo domingo os açorianos elegem o seu novo Governo, depois de a ‘geringonça’ de direita ter caído de podre: primeiro caiu o apoio do Chega ao Governo do PSD, depois o apoio do PAN e IL.
Como os Açores estão um passo à frente da discussão nacional (Ventura conseguiu quebrar lá o primeiro cordão sanitário), era previsível que a campanha se tornasse esquizofrénica. Confirmou-se: a última sondagem deu só três pontos de vantagem à AD sobre o PS, mostrando que o Chega poderá voltar a ser decisivo para a maioria de direita; o PSD de lá não exclui voltar a fazer acordo com o Chega (e a IL também não, um problema para Rui Rocha); e André Ventura, que foi o único à direita a ir fazer campanha para lá, ironiza com Montenegro: “Bolieiro já percebeu, é aparentemente um pouco mais inteligente, que as sondagens são o que são. E, portanto, inteligentemente já está a dizer que o povo é soberano, que é o mesmo que dizer: se o povo der essa força ao Chega, não sou eu que a vou retirar.”
Como é evidente, a campanha dos Açores coloca em xeque o presidente do PSD, a seis semanas das legislativas. E o que diz agora Luís Montenegro sobre isto? Nada. Mas não pode continuar em silêncio.
O líder do PSD nacional pode refugiar-se na célebre “autonomia” do partido nos Açores, para justificar a sua não interferência. Pode, mas não deve. E é bom recordar-lhe, a este passo, que ele próprio foi ao Funchal no dia 24 de setembro, naquela noite eleitoral em que o PSD/Madeira perdeu a maioria absoluta, para dizer isto a Miguel Albuquerque – e o explicar devidamente aos portugueses:
“Não haverá nenhuma solução governativa na Madeira que tenha a contribuição do Chega. E eu quero dizer-vos que aquilo que vai ou pode acontecer na Madeira é aquilo que vai ou pode acontecer no país. O mesmo é dizer que nós não vamos governar nem a Madeira, nem o país, com o apoio do Chega, porque não precisamos.”
Isso mesmo: na noite eleitoral, depois de se reunir com a direção do PSD/Madeira, depois de sublinhar que não se iria “imiscuir diretamente nas decisões que cabem ao PSD/Madeira e ao seu líder”, Montenegro quis vincar uma exceção: não haveria acordos com o Chega, de nenhum tipo. Naqueles dias, lembro-me que se discutiu o que queria dizer Montenegro com aquele “porque não precisamos”. Mas o líder do PSD respondeu sempre a isso de forma determinada: "Sei que se faz uma grande teorização acerca da fórmula que escolhi para exprimir a minha posição — foi sempre a mesma, por ventura de maneiras diferentes. Chegou uma altura em que não vale a pena alimentarmos mais esse assunto”.
É por isto que, vá ou não a Ponta Delgada no próximo domingo para acompanhar a noite eleitoral, Luís Montenegro tem uma última hipótese de se afirmar como líder. Se quer mesmo tentar evitar que o Chega suba mais degraus nas sondagens ou nas legislativas, de nada serve roubar o discurso a Ventura, como começa a fazer agora. É preciso, sim, dizer já a José Manuel Bolieiro o que disse naquele 24 de setembro no Funchal – e que repetiu na sede nacional do PSD três dias depois:
“É muito simples: não é não”
Ou não é?
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