Observatório da Maioria

Conseguirá o PSD travar o Chega? Ou será este o fim da 'cerca sanitária'?

O gráfico que lhe vou mostrar foi publicado esta segunda-feira à noite pelo Pedro Magalhães, coordenador do centro de sondagens do ICS-ISCTE, e tem base precisamente nos quatro estudos de opinião que foram publicados no Expresso em 2023. Adaptando o que ele escreveu aqui, a imagem que se segue parte de um exercício teórico, mas com enorme validade para o momento que vivemos. Eis, assim, o pressuposto:

Independentemente do género dos inquiridos, do nível de instrução, do seu conforto com o rendimento, de serem ou não sindicalizados, da frequência com que participam em serviços religiosos ou de a sondagem ter sido realizada em março, maio, setembro ou novembro, qual a probabilidade de um cidadão de determinada idade indicar uma intenção de voto em cada partido? É a isso que o gráfico abaixo tenta responder:

Se olhar atentamente, perceberá que um jovem dos 18 aos 25 anos terá mais forte probabilidade de apoiar o Chega do que qualquer outro partido. Se olhar ainda com mais atenção verá que um português até aos 32 anos terá mais probabilidade de votar Chega do que no PS. É verdade que dos 25 aos 32 terá mais inclinação para o PSD, mas também é certo que dos 33 em frente são os socialistas de dominam.

Os dados trabalhados pelo Pedro Magalhães dão-nos mais pistas sobre quem o Chega está a atrair: mais homens do que mulheres, mais quem tem o ensino secundário do que quem tem pelo menos licenciatura, mais quem ‘pouco ou nada’ vai à Igreja do que quem a frequenta regularmente. E que ganhar menos dinheiro ao fim do mês não é critério que influencie alguém a votar, ou não, em André Ventura.

Deixo para outros textos, que estamos a preparar, a análise mais cuidada sobre as razões deste crescimento do Chega. Hoje, o que me traz até si é este alerta: não é impossível que vejamos o Chega a ultrapassar o PSD nas intenções de voto. Nada nas sondagens ainda nos indica que isso possa acontecer já. Mas o aparente adormecimento do PSD faz que não o possamos excluir.

Exagero? Entrego-lhe mais alguns dados. Aqui há uns meses, aqui no Observatório da Maioria, fiz referência a uma sondagem da Universidade Católica que mostrava uma alta taxa de reprovação dos eleitores do PSD acerca de uma coligação com o Chega. Eram 72%, um valor muito alto, que me ficou na cabeça. Agora, decidi voltar a esse estudo de maio passado. E tentei olhar para os dados mais finos. O que se segue são hipóteses, de maio passado:

  • Ainda com 6% das intenções de voto, o Chega tinha já mais 9% dos eleitores a dizer ser “provável” poder votar no partido em legislativas;
  • 21% dos eleitores admitiam ser “positivo” (17%) ou muito positivo (4%) se o PSD se coligasse com o Chega;
  • Mesmo entre os que votaram PSD em 2022, 26% aceitavam este cenário – sendo que 30% destes não consideravam o Chega um partido “extremista” e 59% não o apontavam como “perigo para a democracia”.


É um facto que a taxa de reprovação do Chega era, neste estudo, altíssima. Mas não é menos verdade que os dados acima indicados mostravam, já, que o partido de André Ventura tinha – dentro destes limites – uma possibilidade real de crescimento. Hoje, olhando para as sondagens, isso tornou-se um facto: o Chega já não está nos 6% de intenção de voto, mas perto dos 15%.

Marques Mendes, o comentador da SIC e ex-líder do PSD, fez um exercício curioso, juntando as amostras das sondagens publicadas em dezembro, concluindo que o Chega poderá atingir os 37 deputados, pouco menos de metade da AD e PS, mas conseguindo eleger mais do que a AD em Setúbal e Beja, empatando em Évora, crescendo muito em Lisboa também. Marques Mendes acrescentou isto: o Chega conquistará votos ao PSD, sobretudo, mas também ao PS. Não me surpreende: o estudo da UCP mostrava que o Chega pescava 9% dos que votaram no PSD e no PS nas legislativas de 2022, só abaixo dos 18% que se tinham abstido. O que nos leva à conclusão do atual Conselheiro de Estado: “A AD tem motivos de preocupação” e só tem até à Convenção do próximo fim de semana para mudar de estratégia.

Sendo, assim, evidente o crescimento do Chega, a dúvida que nos sobra é esta: o Chega atingiu o limite de crescimento? Até onde pode crescer o Chega?

Olhando para as sondagens, torna-se evidente que quanto maior for o vazio à direita, mais André Ventura poderá colar-se à AD nas legislativas. Acreditando na sondagem de maio, o potencial de crescimento iria até aos 21% (os que não se chocavam com a ideia do Chega num Governo de direita). E o alvo poderiam bem ser os 26% de votantes do PSD em 2022 que viam positivamente uma coligação com Ventura.

Porém, recorde-se, aquela sondagem era uma fotografia do eleitorado em maio. De maio para cá, percebemos que o Chega deixou de ser um partido predominantemente de eleitores acima dos 35 anos para ser predominante nos sub-25. De maio para cá, uma investigação judicial deitou abaixo a maioria absoluta PS. E dessa crise para cá Ventura manteve o foco nas mensagens populistas e radicais, seguindo estritamente as táticas dos seus congéneres lá de fora, prometendo muito sem olhar a contas e ultrapassando a verdade sempre que interessar.

No Chega, há duas ideias-chave claras: a pertença (pátria, fecho aos imigrantes, família tradicional, aumento do Estado Social); e a ordem (combate à corrupção, combate ao crime, apoio aos polícias, etc). Se me perguntarem, a esta data, quais são as mensagens essenciais do PSD, só me ocorre redução dos impostos e a utilização do setor privado na Saúde e Educação, as que Montenegro repetiu esta terça-feira. É muito pouco – e o Chega defende o mesmo.

Não serei injusto: o PSD está menos dividido, tem um líder moderado, construiu uma coligação, chegou a apresentar há uns meses algumas ideias sobre saúde, habitação, apoios sociais, educação. Mas o PSD parece envelhecido, tarda em convencer os eleitores mais velhos e menos qualificados (como se pode ver aqui) e deixou passar estes dois meses sem afirmar uma ideia de país.

E sim: apesar de tudo isto, Luís Montenegro pode ser a última hipótese do PSD manter o Chega longe do poder. Garante que não fará qualquer acordo com Ventura, em qualquer circunstância. E aposta em fazer ao Chega o que Cavaco fez ao PRD em 1985: deixá-los deitar abaixo o seu Governo, ir a novas eleições e tentar, aí, recuperar eleitorado que votou em Ventura (invocando a sua irresponsabilidade).

Não sei se isso resultará. Mas sei que é preciso mais do que ser moderado e racional para conseguir um bom resultado. E, sejamos claros, se Montenegro perder para o PS em março, essa estratégia cai por terra. Passos Coelho estará pronto a regressar, defendendo a inclusão do Chega em eleições seguintes. E mesmo que tenha adversário interno, abrir-se-à uma divisão no PSD como há décadas não vimos. Em qualquer caso, a dita ‘cerca sanitária’ ficará à beira do fim. E o novo populismo radical de direita ficará mais normalizada e mais perto do poder.

O que aqui descrevo não é novo, nem imprevisível: em Espanha não aconteceu por pouco (e o Vox já está em centenas de governos locais); a AfD já é segunda na Alemanha; em França Le Pen lidera as sondagens para as europeias e as Presidenciais; na Suécia, Dinamarca e Itália não só esta nova direita superou os grandes partidos de centro-direita, como já venceu eleições. Há apenas cinco anos, perguntávamos por que razão seria Portugal uma exceção, sem o populismo representado no Parlamento – mas ela estava a caminho. Hoje, perguntamos se o Chega poderá vir a substituir o PSD como maior partido da direita. Se o PSD não souber responder à altura, corre o risco de que a resposta venha a ser idêntica.

O Observatório da Maioria desta semana acaba aqui. Se tiver dúvidas, comentários ou mesmo críticas, envie-me um email para ddinis@expresso.impresa.pt