Confesso que não compreendo as várias vidas de certas polémicas. Muito menos quando vêm de partidos ditos democráticos. Quero acreditar que é uma questão de tempo, de reflexão, e de conhecimento para que muitos preconceitos, dúvidas e ideias enganosas que criam alarde - e que excluem e amesquinham pessoas - caiam por terra, porque não são sérias, nem científicas, ou respeitadoras dos direitos humanos.
A origem da confusão
Na origem da confusão que persiste na cabeça de algumas pessoas, recordo que a 9 de Julho, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) lançou um questionário online sobre a menstruação, intitulado "Vamos falar de menstruação?", com o objetivo de “realizar um diagnóstico de situação sobre saúde menstrual em Portugal”, e para o qual a DGS “convida à participação de todas as pessoas que menstruam”.
E perante o rigor desta pergunta inclusiva da DGS, houve um grupo de vozes indignadas com a escolha do termo, alegando que “apenas as mulheres menstruam”.
O termo inclusivo da DGS
A questão chegou a semana passada à assembleia, quando o deputado do PSD, Bruno Vitorino, quis que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, esclarecesse se autorizou a dita campanha da DGS sobre a menstruação que utiliza a expressão “pessoas que menstruam”, em vez de usar o termo “mulheres”.
Na sua intervenção o deputado acusou a DGS de usar linguagem que “deriva da ideologia defendida por alguns e não da ciência”. A piscar os olhos à lenga lenga falsa da extrema direita sobre o que chamam enganosamente de “ideologia de género”.
Ora isto é pura mentira e desinformação. E não, não é ideologia de género. Há muito que a ciência e a lei reconhecem as identidades trans, logo é facto que existem homens trans e pessoas intersexo e não binárias que têm útero e menstruam, mas que não se identificam como mulheres, nem é esse o género que consta atualmente no cartão de identificação de muitas dessas pessoas.
Para que ninguém com útero, e que tenha menstruação, fique de fora destes inquéritos, ou rastreios de saúde que protegem e salvam vidas. Até porque este é o termo usado atualmente na documentação internacional da Comunidade Europeia sobre estas matérias.
E, sobre isto, trago para aqui o olhar da médica obstetra e ginecologista Lisa Vicente, que entrevistei recentemente no meu podcast.
O que diz a comunidade científica
Lisa afirma também que o termo que apoquentou um certo deputado do PSD é há muito usado pela comunidade científica internacional. E que afirmações como a dele revelam confusão.
“A expressão ‘pessoas que menstruam’ é utilizada há já vários anos em documentos e orientações internacionais e nacionais. São disto exemplo a UNICEF, a United Nations Population Fund (UNPFA), entre muitas outras que abordam a saúde menstrual. Não é por isso novidade para quem estuda este tema, mas esta pode ser uma boa altura para transmitir boa informação para todas as pessoas.”
Lisa atende há muito no seu consultório mulheres cis [mulheres que se identificam com o género que lhes foi atribuído à nascença] e homens trans. A médica defende o termo inclusivo adotado pela DGS, para que abranja todas as pessoas que menstruam.
Para arrumar a conversa, a médica deixa claro que de facto, nem todas as mulheres menstruam, e nem toda a gente que menstrua é mulher.
“Há mulheres cis que menstruam, ciclicamente. Há outras que não menstruam, por doença, terapêuticas, pelo método contracetivo que utilizam, porque estão grávidas ou a amamentar, porque estão em menopausa.
Ou até porque não têm um útero (consequência, por exemplo, de uma histerectomia). Não menstruar não faz de uma mulher cis menos mulher, nem muda a identidade de género de alguém, seja ela qual for. Por outro lado, há homens trans e pessoas de género diverso que podem menstruar.”
Mudança de género e não de sexo
E, quanto a isto, Lisa esclarece uma questão clínica, que pode não ser do conhecimento de todas as pessoas. E que poderá ajudar quem me lê à percepção da realidade destas identidades, fora de ideias feitas ou estereótipos. É que transição de género não é sinónimo de transição de sexo. Nem uma coisa implica a outra, como noutros tempos:
“Mesmo iniciando terapêutica hormonal de afirmação de género, cada pessoa pode manter os órgãos [reprodutivos] com que nasceu. Não há nenhuma indicação formal [nem legal] para cirurgia, a não ser a vontade da própria de o fazer. E, por isso, no caso das pessoas que nasceram com uma vagina, útero e ovários, eles podem continuar a existir e a necessitar de vigilância e cuidados ao longo da vida.
Como tal estas pessoas, homens trans, ou de género diverso, menstruam ou perdem sangue em algumas alturas. Ou ciclicamente se não fizerem terapêutica hormonal.”
Por outras palavras, também estas pessoas trans precisam de informação sobre menstruação e de serem incluídas nas questões abordadas antes. Lisa resume a questão ao essencial:
“O denominador comum: as pessoas terem útero e terem de experienciar uma menstruação. Cada um de nós é, antes de mais, uma pessoa. Com as suas necessidades, as suas dúvidas e o seu direito de acesso a uma saúde menstrual confortável.”
Ou seja, todas as pessoas com útero devem ter acesso aos mesmos cuidados de saúde menstrual. Sejam elas mulheres cis, homens trans, ou outras pessoas de género diverso. Simples, não?
CONVERSEI EM PODCAST COM…TOZÉ BRITO
É um dos nomes incontornáveis da história da música portuguesa. Tozé Brito fez-se músico no tempo em que as cantigas eram uma arma e os artistas da canção ligeira faziam parar o país no Festival da Canção.
Com um ouvido certeiro para a música, Tozé Brito, a quem chamaram ‘senhor festival’, foi responsável por largas centenas de sucessos musicais como Carlos Paredes, Doce, Paulo de Carvalho, Jorge Palma e José Cid.
Aos 70 anos deu que falar com dois discos especiais: um a celebrar a longa amizade com José Cid, que resultou no álbum “Tozé Cid”, e outro que enaltece as suas canções mais icónicas interpretadas por uma nova geração de músicos, “Tozé Brito (de) Novo”.
Agora abre o livro sobre si e o romance de autoficção que está a terminar. Ouçam-no aqui.
BELEZAS, se quiserem dar-me o vosso feedback, deixar comentários, convites, sugestões culturais, lançamentos, ideias e temas para tratar enviem-me um email para oemaildobernardomendonca@gmail.com
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É tudo por agora. Temos encontro marcado aqui no próximo sábado. Bom fim de semana, boas escutas e boas leituras!