Bom Dia
Na memória do enólogo Anselmo Mendes, o momento em que sentiu pela primeira vez o “sabor a fumo” num copo de vinho ainda está bem presente. “Foi na Grécia. Estranhei, perguntei se era da tosta da barrica e disseram-me que não. Era uma consequência direta dos incêndios no país”, conta ao Expresso em tempo de vindimas e novos incêndios, num ano em que Portugal foi mais uma vez fustigado pelo fogo e as chamas destruíram vinhas na Mêda, tal como aconteceu no Dão em 2017 e em 2024.
É verdade que a vinha é “um tampão” aos incêndios, mas também pode ser afetada pelos fogos. Mesmo quando as videiras não são destruídas, o fumo é uma ameaça real à qualidade das uvas e do vinho, como já perceberam os viticultores da Califórnia, da Austrália, até de França. No entanto, por cá, ainda se fala muito pouco no smoke taint ou aroma a vinho, indicador da crescente vulnerabilidade do sector às alterações climáticas.
“Alguns produtores admitem que poderão ter parcelas de vinha afetadas por esta contaminação, mas não há dados concretos sobre o problema em Portugal”, afirma Ana Rodrigues, coordenadora do Pólo do Dão do Colab Vines & Wines da ADVID - Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense, que já publicou três boletins a alertar os viticultores portugueses para a nova ameaça.
Em causa está “uma questão química e universal”: “A exposição aos incêndios pode afetar a qualidade dos bagos devido à absorção, através da película da uva, de compostos voláteis presentes no fumo. Na vinificação, esses compostos são extraídos para o mosto/vinho, com as moléculas a serem libertadas durante a fermentação e o envelhecimento. Quando provamos as uvas não percebemos que o fumo está presente, mas com o tempo, o aroma liberta-se e, ao bebermos o vinho, quando entram em ação as enzimas da saliva, sente-se o defeito do aroma a fumo na boca”, resume.
Analiticamente, em Portugal ainda não há forma de fazer este controlo de forma rigorosa, mas “temos de avançar. Os importadores estão atentos e, depois dos incêndios de 2024, começaram a questionar diretamente clientes no Dão sobre o aroma a vinho”, diz.
“Sei que é um risco real se o fogo passar muito perto e os cachos ficarem muito tempo em contacto com o fumo, mas até agora não tive esse problema”, conta a enóloga Mariana Salvador, à frente do projeto Revela, no Dão, antes de deixar uma nota de preocupação relativamente à Mêda, um dos 11 municípios afetados pelo grande incêndio deste ano em Trancoso e Satão, na transição entre a Beira Interior e o Douro Superior.
Na mais antiga Região Demarcada do mundo, David Guimarães, administrador e diretor técnico e de enologia do grupo The Fladgate Partnership, também não identificou qualquer problema nas uvas recebidas nesta vindima, apesar de algumas terem sido compradas a um produtor da Mêda. Viu “a ameaça do fumo sobre o vale do Douro, em julho” e sabe que “um produtor americano com vinhas na zona do Pinhão, muito traumatizado pelo smoke taint na Califórnia, enviou uvas para análise”, mas “os resultados foram surpreendentes e, apesar do fumo persistente sobre as vinhas, o smoke taint não foi detetado”, conta.
As razões para não termos, até ao momento, casos reportados em Portugal, podem ser várias. “São apenas hipóteses e não estudos científicos conclusivos, mas fala-se das castas, do momento em que os incêndios ocorrem no ciclo de maturação das uvas, da proximidade e intensidade dos fogos, das condições meteorológicas, designadamente vento e humidade”, elenca Ana Isabel Alves, diretora executiva da ACIBEV - Associação dos Vinhos e Espirituosas de Portugal.
A esta lista, há quem junte a topografia/elevação das vinhas e, como avisou já em 2017 Christian Butzke, professor de enologia na universidade norte-americana de Purdue, importa estar atento porque no longo processo de envelhecimento de um vinho pode levar anos a perceber o impacto dos incêndios na colheita, a detetar sabores/aromas descritos como “cinza”, “fumo”, “churrasco”, “borracha queimada” ou mesmo “cinzeiro”.
A experiência de outros países prova isso mesmo. E prova que o potencial de prejuízos é enorme: Só na região de Napa Valley, na Califórnia, as estimativas apontam para perdas de 65 milhões de dólares (55,4 milhões de euros) na agricultura, em especial no sector do vinho, devido aos incêndios deste ano, com 80% dos produtores a atribuírem as perdas ao impacto do fumo.
Palestina “Fez-se história”. Para Rwana Sulaiman, embaixadora da Palestina em Portugal, o reconhecimento do Estado palestiniano pelo Governo português, não é “simbólico”. O massacre de Israel em Gaza continua, mas este reconhecimento que juntou Portugal, Reino Unido, França, Canadá, Austrália e mais alguns países à lista de mais de 140 membros das Nações Unidas que reconhecem o Estado da Palestina deixa claro “o isolamento crescente dos Estados Unidos e de Televavive”. De Israel, chegam também vozes de quem acredita que depois da guerra, “está na altura de tentar outra coisa”. A União Europeia anunciou a criação de um grupo de doadores para a Palestina.
Migrantes Hammed tem autorização de residência em Portugal, tem casa e trabalho na Covilhã, mas a embaixada lusa no Paquistão está a travar pedidos de reagrupamento familiar aprovados pela AIMA.
Ensino Há falta de professores em 78% dos agrupamentos de escolas públicas e 38 estabelecimentos de ensino acumulam mais de 10 horários em aberto. Lisboa e Península de Setúbal são as zonas mais afetadas.
Políticos No BE, Mariana Mortágua pediu a sua substituição no Parlamento. No Chega, André Ventura chumbou por faltas como deputado municipal em Moura e Gabriel Mithá Ribeiro, candidato à Câmara de Pombal, renunciou ao mandato parlamentar.
Habitação Preços das casas batem recorde no segundo trimestre. O número de transações também. Em menos de uma década o preço das casas na União Europeia aumentou em média 50% e Portugal é dos países mais afetados.
Elevador da Glória PS e PCP pediram uma reunião extraordinária da Câmara de Lisboa para discutir as informações sobre o elevador da Glória, mas o presidente da autarquia e recandidato ao cargo marcou-a para 13 de outubro, no dia a seguir às autárquicas.
EUA Os Estados Unidos prometeram defender “cada centímetro do território da NATO”, numa reunião do Conselho de Segurança da ONU convocada pela Estónia após incursões de aviões russos no seu espaço aéreo. A Rússia fala de “histeria russofóbica em Talin”.
Futebol Um estreante, uma repetente e dois portugueses. Foi assim a Bola de Ouro: Aos 28 anos, o francês Ousmane Dembélé foi eleitor o melhor jogador do mundo, com direito ao troféu da France Football. Vitinha ficou no pódio, em terceiro lugar, e Nuno Mendes fechou o top 10. No futebol feminino, Aitana Bonmati conquistou a sua terceira Bola de Ouro consecutiva.
FRASES
Antigamente eram outros países que tinham essa doença, agora é Portugal
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, em Nova Iorque, onde falou da nova “dor de cabeça” que é discutir se há “mais 0,1 ou menos 0,1 em termos de superavit ou de défice” no “melhor país do mundo”
Portugal não reconheceu propriamente o Estado da Palestina. Limitou-se a seguir a tradição da sua política externa, seja qual for o governo ou regime: evitar até ao limite ter uma política externa
Daniel Oliveira no artigo de opinião “A maria-vai-com-as-outras reconheceu a Palestina. Não chega”
PODCASTS A NÃO PERDER
💸 “O sucesso, ao contrário do fracasso, é silencioso”. As palavras são de Rui Lopes, CEO da AgentifAI, em conversa com Cátia Mateus no CEO é o Limite
🗣️ Quais são os riscos e benefícios do uso de injeções para a perda de peso? E o que é preciso saber antes de começar a tomá-las? Margarida Graça Santos e o endocrinologista Francisco Sousa Santos falam sobre o tema em Consulta Aberta
🌍 O reconhecimento da Palestina é “fundamental” e mostra “claramente” oposição à política seguida por Israel, diz o antigo secretário-geral-adjunto da ONU Victor Ângelo em O Mundo a Seus Pés
O QUE ANDO A OUVIR E A VER
A proposta da Casa Música, no Porto, para esta quinta-feira é irrecusável: O Homem dos Mil Dedos - Concerto de homenagem a Carlos Paredes. No centenário do seu nascimento, este concerto propõe-se apresentar “em formatos nunca antes explorados” 12 das obras do mestre que compunha “de ouvido” e raramente transcrevia para partitura as suas criações. Há guitarra portuguesa, mas também há piano, clarinete e um quinteto de cordas.
Partilho, também, a sugestão de Cátia Barros, minha colega na delegação norte do Expresso, para dedicar algum tempo à imagem numa cidade à sua escolha: “Entre setembro e novembro, o norte recebe a 35.ª edição dos Encontros da Imagem, festival internacional de fotografia e artes visuais. Braga, Guimarães, Porto, Barcelos, Avintes e Vila Verde vão ser casa de mais de 35 espaços expositivos, com a participação de 350 artistas e 24 curadores. Sob o mote “Manifestação de Interesse” e com direção artística de Vítor Nieves, o programa reparte-se por três eixos curatoriais — Argumentários, Dissidências e Transições —, cruzando fotografia com cinema, performance, instalação e vídeo-arte”
No 5º aniversário da morte de Juliette Gréco (1927 - 2020), termino este curto em francês, com La Javanaise
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Boas leituras e boa semana