Bom dia,
Antes de mais um convite: hoje, às 14h00, "Junte-se à Conversa" com David Dinis e Eunice Lourenço para falar sobre "O debate de Lisboa e as autárquicas". Inscreva-se aqui.
Às vezes é assim. Basta um espaço, uma silenciosa pausa, entre duas palavras para que tudo mude.
Porventura, escrito assim, numa só palavra, remete para uma hipótese, algures entre o talvez e o possivelmente. É possível construir uma frase como: se porventura o André ganhar as presidenciais, então não poderá ser primeiro-ministro.
Temos depois por ventura, com o tal espaço feito de silêncio. Remete para sorte. Seria algo como: Por ventura, o André tem muitas eleições a que pode concorrer.
São meros exemplos, claro. Até porque a realidade é um pouco mais complexa.
Vejamos: André Ventura, autointitulado líder da oposição (figura primeira de um governo sombra que, para já, ainda não viu a luz do dia) e que tenciona liderar um futuro governo de Portugal, anunciou ontem que é candidato à Presidência da República. Disse que o faz contrariado e até já escolheu com quem vai à segunda volta. “As eleições serão entre candidatura antissistema e uma candidatura do almirante Gouveia e Melo, representante do espaço socialista. Há um candidato antissistema e um candidato que acontece ser militar e que vai representar centro político”, disse.
Ora, à impossibilidade política junta-se a impossibilidade física. Quem se põe a caminho de Belém, ali junto ao rio, deixa sempre para trás o fresco dos jardins de São Bento. E vice-versa. E na estrutura do Chega não falta quem esteja de mapa na mão a coçar a cabeça. A esses, aos que preferem os jardins em vez do rio, aos "muitos, no partido e fora dele que não concordam com esta candidatura”, o líder da oposição e candidato presidencial diz que escolheu entregar o destino, o fado, a ventura, “ao juízo da história” e “ao juízo do voto dos portugueses”. “Desta vez procurarei demonstrar que estão errados”, sublinhou.
Seria simples, não se desse mesmo o caso de a realidade ser um pouco mais complexa. Ou seja, é possível ir de Lisboa ao Algarve apanhando a A1 para o Porto, até porque o destino final é Viseu.
José Maria Matias, que além de irmão de Rita Matias (deputada do Chega e candidata à Câmara Municipal de Sintra), é uma espécie de ideólogo do Chega, explicou isso mesmo ao reagir, rapidamente, ao anuncio presidencial de André Ventura - que há cinco anos, ficou em terceiro com 11,90% dos votos.
E, explicando que o caminho não podia ser outro, fê-lo assim:
"O CH [Chega] apresenta um quadro curioso: propõe uma Quarta República, de pendor presidencialista, onde o Presidente passa a ter poderes executivos, ao contrário da Terceira. Nesse sentido, embora vivamos ainda na Terceira, o partido deve ser coerente com a sua proposta. André Ventura candidata-se a Primeiro-ministro porque é aí que pode governar, e candidata-se a Presidente da República pela aspiração a um regime em que o Presidente possa governar. Não o fazer seria, isso sim, uma contradição. Não sei se a Quarta República começará em Belém ou em São Bento, porque não faço previsões eleitorais para janeiro de 2026. Mas sei que as eleições presidenciais serão o espaço decisivo para explicar a ideia de regime, lutar por um Presidente que não bloqueie o executivo, reforçar a verdadeira separação de poderes e debater os desafios aos direitos dos cidadãos — nomeadamente a privacidade e a relação com as novas tecnologias. É isso que espero: Um Presidente do século XXI e não um corta-fitas!"
Pouco tempo antes, não mais do que um par de horas, Francisco Pinto Balsemão, presidente da comissão política do candidato à Presidência da República Luís Marques Mendes, tinha deixado um alerta aos militantes do PSD: é preciso tocar a reunir. "A saturação de eleições muito próximas e o prolongamento de querelas maldosas provocadas e aproveitadas por interesses políticos obscenos que se alimentam de desgraças alheias, podem levar à descrença no valor do voto, à queda no desânimo e a cedência à abstenção", escreveu o também fundador e presidente do Grupo Impresa, que integra o Expresso, admitindo que "não vai ser fácil a missão" de eleger Marques Mendes como o próximo Presidente da República.
Há dias, João Cotrim de Figueiredo disse que a entrada de Ventura na corrida tornaria a campanha "bastante mais animada". "Não [abala a minha candidatura], acho que faz imensa falta. Acho que o conjunto de candidatos que havia era particularmente cinzento. E a André Ventura pode-se acusar de muita coisa, de cinzentismo, não", explicou.
Daqui a um mês, se porventura, e por ventura, lá chegarmos, há eleições.
Não são presidenciais, são autárquicas.
OUTRAS NOTÍCIAS
BENFICA Mar bravo no relvado, bandeira branca nas bancadas e homem ao mar. Bruno Lage já não é o treinador do Benfica. Os encarnados entraram mal na Liga dos Campeões, e até começaram a ganhar 2-0. No fim, perderam 2-3 com o Qarabag, do Azerbeijão, que conseguiu a primeira vitória na fase de grupos Champions. O Presidente Rui Costa anunciou que o nome do sucessor deverá ser conhecido até sábado, quando o Benfica jogar na Vila das Aves. José Mourinho pode ser o senhor que se segue.
(Para tomar nota: a ministra da Saúde vai estar no Parlamento esta manhã, o primeiro dia do prazo de três semanas que Marcelo Rebelo de Sousa determinou para avaliar Ana Paula Martins)
GENOCÍDIO Uma investigação independente solicitada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas concluiu que Israel cometeu ações de genocídio na Palestina. Como seria de esperar, Israel recusou todas as acusações - em entrevista à TSF o embaixador em Lisboa acusou os autores do relatório de serem antissemitas - e ao mesmo tempo lançou uma brutal ofensiva sobre Gaza. Numa nota paralela, vários países exigem que Israel seja proibido de participar no Festival da Canção.
MAR O “Adler”, um navio russo sob sanções internacionais, suspeito de transporte de armas, perdeu a propulsão ao largo da Póvoa de Varzim, fora do mar territorial. Quando começou a dirigir-se para terra, a Marinha teve de instar o comandante a contratar um reboque. Um rebocador espanhol levou-o para a Argélia
ENCONTRO O primeiro-ministro recebe André Ventura em São Bento, como presidente do Chega e líder do maior partido parlamentar - e não como candidato presidencial. O encontro está marcado para às 17h00. Uma hora depois, o primeiro-ministro recebe a presidente da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão. Diz a IL que o tema da conversa será o Orçamento do Estado para 2027. José Luís Carneiro, secretário-geral do PS, tem reunião marcada para amanhã às 16h30.
REINO Donald John Trump, 47.º Presidente dos Estados Unidos, aterrou ontem em Londres. À chegada à residência do embaixador americano disse que o o voo tinha sido "great" e anunciou que esta quarta-feira, em que está previsto um encontro com o Rei Carlos III do Reino Unido, será um "big day". Também falou da Escócia, onde tem um hotel e um campo de golfe. (Ainda na América, antes de partir, assinou uma ordem executiva que prolonga até 16 de dezembro o prazo para manter disponível nos Estados Unidos a aplicação de redes sociais TikTok). Ainda haverá um encontro com Keir Starmer, primeiro-ministro do Reino Unido, provavelmente para falar de “tariffs”, como eles dizem.
CHARLIE KIRK O Procurador do Utah anunciou que vai pedir pena de morte para o suspeito de ter assassinado o ativista conservador norte-americano, Charlie Kirk. A acusação a Tyler Robinson, de 22 anos, e sem cadastro criminal prévio, conta um total de sete crimes, incluindo os de homicídio qualificado e obstrução à justiça. A propósito deste caso vale a pena ouvir a edição desta semana de "O Mundo a Seus Pés", o podcast de Política Internacional do Expresso. Os jornalistas Pedro Cordeiro e Catarina Maldonado Vasconcelos conversam com Diana Soller, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais/Universidade Nova, sobre a violência política numa América em chamas.
INTERNADO Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil que se encontra em prisão domiciliária e condenado a 27 anos de cadeia pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, voltou a sentir-se mal ontem e foi de novo levado para um hospital em Brasília, com uma crise de vómitos e soluços.
PRAIAS Consta quer vai estar calor por estes dias. É certo que a escola já começou, o que para muitos significa que as férias acabaram. Mas muitos não são todos, nunca. E para quem tem tempo de sar um salto à praia, e ficar a ler, recomendo este artigo em que se discute precisamente o acesso às praias - é um direito protegido pela Constituição. Mas na prática, cancelas, parques pagos e resorts exclusivos continuam a transformar um bem comum em privilégio de poucos.
O QUE ANDO A LER
A 20 de maio de 1886, Eça de Queiroz remeteu uma carta ao diretor do jornal "A Província". Eça estava, na altura, em Bristol e o jornal caía sempre com uma semana de atraso.
A cartinha é curta e vale a pena perder uns minutos.
"No número de 14 de maio, chegado hoje aqui, encontro no "Correio da Capital" uma anedota literária, em que eu apareço, por ocasião da primeira representação do Drama do Povo, de Pinheiro Chagas, sentado na plateia do D. Maria, entre o meu amigo Ramalho Ortigão e o meu amigo Guerra Junqueiro, chacoteando ruidosamente a peça e indo, nos intervalos, apertar com efusão as mãos ambas do autor!
Sem me referir à divertida falta de coerência moral que me atribui o seu correspondente, sem me referir mesmo à inverosimilhança de eu ter rido de um drama de Pinheiro Chagas - devo declarar a você para que esses grandes factos vão bem apurados, se tiverem de passar à história, que eu não assisti à primeira representação, nem assisti jamais, infelizmente, a nenhuma representação do Drama do Povo.
Lembro pois a você a justiça de fazer retificar essas risadas que eu não dei, num sítio em que eu não estava, com um drama que eu nunca vi."
Às vezes, olhando o palco em que se vai fazendo este nosso mundo, dá vontade de roubar a última frase e mandar a quem manda nisto.
Tenha uma excelente quarta-feira, sem dramas e, porventura, com uma ou outra risada.