“Não me interessa o que os outros fizeram. Eles não são meus filhos!” - era assim que o meu pai nos respondia cada vez que tentávamos justificar alguma ação com “o x é que começou” ou “o y também fez”. Era a sua maneira de nos dizer que não nos podíamos justificar com as ações do outro, que não importa quem começa o mal, o que conta é não o praticar ou replicar.
A morte de Charlie Kirk chocou os EUA e muitos pelo mundo fora, mas parece já estar a funcionar como “gasolina para uma América já em chamas”. A arma de Kirk era a retórica, como aqui escreve Ricardo Costa: recorria a argumentos extremos e radicais, mas no debate público. Foi morto por uma bala disparada por um “bom rapaz” supostamente “radicalizado politicamente” e com “ideologia de esquerda”.
A violência na política americana não é novidade, mas estava adormecida desde o fim dos anos 60 do século passado e regressou esta semana, dizia-me, na sexta-feira à noite, um padre que me apanhou de surpresa a querer debater a morte de Charlie Kirk, o que me fez passar o fim-de-semana a ler e ouvir mais sobre este este caso. Não, a violência política não voltou na semana passada. Esteve na invasão do Capitólio, em 2021, elogiada e perdoada por Trump. Esteve na morte de Melissa Hortman e nas balas que atingiram John Hoffman, esteve no incêndio da casa do governador da Pensilvânia, Josh Shapiro. Mas, como recordava Paulo Portas, ontem à noite na TVI, onde enumerou estes episódios mais recentes, nada foi feito.
“Não há nenhuma razão para matar uma pessoa por causa das suas ideias” - é uma verdade básica que, infelizmente, tem de ser repetida todos os dias.
Não interessa quem começou, importa como parar, como evitar vinganças e réplicas. Mas os sinais não são bons, num país cada vez mais polarizado onde há mais armas do que cidadãos. “Não fazem ideia do que acabaram de desencadear”, avisa a viúva, muitos apoiantes prometem “retaliação” e já há notícias pessoas a ser despedidas por causa de comentários e publicações por causa de Charlie Kirk.
Em Madrid, Ventura, colou-se ao que se passou com Charlie Kirk: “É a ameaça que temos sobre nós. Charlie Kirk foi morto porque dizia o que pensava, por defender os nossos valores e a nossa identidade. (...) Isso demonstrou quão violentos podem ser os que defendem o que a esquerda defende”, disse no “Europa Viva”, o encontro que juntou os líderes dos Patriotas pela Europa. E onde elogiou a caça ao imigrante em Múrcia.
Tinha acabado de ouvir Ventura nos noticiários, quando li a Ana Sá Lopes. Uma hora antes, tinha começado a ver a série “O Conselho Judaico”, que está a dar aos domingos na RTP2. É uma série que começa em Amsterdão, em 1941 e, como se lê na sua promoção, traz até nós um passado não muito distante “para uma reflexão atual sobre os limites do diálogo e do compromisso perante uma ameaça iminente”. Pelo meio de tudo, tinha lido a entrevista do cardeal Parolin à Renascença a dizer, entre outras coisas, que estamos a viver um tempo de “uma certa impotência da diplomacia”. Sentindo a angústia tomar conta de domingo à noite, deixei o segundo episódio da série para outro dia. Acabei a noite a beber um copo de vinho branco o que, não sendo solução para nada, parece que faz bem à pele.
Outras notícias
Debate. Era para ser um frente a frente entre Carlos Moedas e Alexandra Leitão, mas vai ser um debate a quatro: João Ferreira, da CDU, participa por imposição da ERC, e Bruno Mascarenhas, do Chega, por decisão da SIC. O acidente da Glória é tema “obrigatório”, mas o desafio para todos é conseguir falar de outros temas e propostas.
Eleições. A CDU do chanceler Merz ganhouas eleições na Renânia do Norte-Vestfália, onde a AfD terá triplicado o resultado.
Protestos. A polícia timorense dispersou manifestantes em frente ao Parlamento que protestavam contra as regalias dos deputados, que já recuaram na decisão de comprar carros novos.
Manifestações. A última etapa da Vuelta foi cancelada devido às manifestações de apoio à Palestina. O elogio do primeiro-ministro Pedro Sánchez aos manifestantes está a gerar mais uma batalha política.
Prémios. O grande vencedor dos Emmy foi a série “Adolescência”, com o protagonista a tornar-se no mais jovem ator a ser premiado.
Bónus. Os gestores da Lone Star devem receber 1,1 mil milhões de prémio pela venda do Novo Banco.
Frases
“Há um combate sistemático contra a educação sexual. Esse é um movimento global que agora até em Portugal está a bater à porta.”
Pedro Nobre, director da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, no Público
“A nossa ambição é morder as canelas ao Chega e ultrapassá-los.”
Rui Tavares, no encerramento do Congresso do Livre
"Nunca a vitória do PS significou tanto como agora para a vitória da democracia portuguesa."
Carlos César, presidente do PS, na abertura da Convenção Autárquica, que foi encerrada por José Luís Carneiro
“Estou a preparar-me para a luta.”
Sérgio Monte, secretário-geral-adjunto da UGT, num debate promovido pelo Causa Pública sobre a reforma da lei laboral
O que ando a ler
Ainda não está à venda, mas, por privilégio concedido pelo Vítor Matos, já comecei a ler “Gouveia e Melo, uma biografia”. Estou muito de início, mas já sei, por exemplo, que o almirante na reserva tem em casa uma espécie de laboratório para testar as suas “engenhocas” e que teve um tio “salazarista” que foi governador interino de Moçambique e foi esse tio que passou a pasta a Baltazar Rebelo de Sousa, o pai de Marcelo, que foi governador-geral daquela então província ultramarina.
Ao longo dos últimos meses, muitas vezes ali na redação do Expresso, onde nos sentamos lado a lado, o Vitor foi comentando conversas que ia tendo para este livro, dúvidas, episódios, cansaços …. Mas, por muito que conheça parte do que está escrito, o pouco que já li deixou-me vontade de continuar.
O livro vai ser posto à venda só no dia 25, mas já está em pré-venda e as primeiras 20 páginas estão disponíveis no Wook. São um aperitivo para os nove capítulos e as cerca de 300 páginas sobre o candidato que tem liderado as sondagens para as presidenciais de 2026.
Para ouvir
Expresso da Manhã - Paulo Baldaia conversa com José Miguel Nogueira, professor do ISCTE e coordenador do projeto sobre a vida real das pessoas com deficiência.
O CEO é o Limite - o CEO desta semana é Miguel Fonseca, diretor-executivo na Salvador Caetano, onde tutela as áreas da Mobilidade e Transição Energética.
Programa cujo nome estamos legalmente impedidos de dizer - o “Governo sombra” debate drones e hambúrgueres, mas também o assassinato de Charlie Kirk.
Tenha um bom dia e uma boa semana, com cuidados para o aumento das temperaturas e sempre bem informado com o seu Expresso, que agora tem uma subscrição Premium, que inclui o New York Times