Bom dia,
Temos na secção de política algumas diferenças entre nós. Uns jornalistas gostam mais da notícia pura e dura, outros gostam de misturar com análise e outros gostam também daqueles textos que muitas vezes apelido de “texto Bimby”, em que temos de contar o que sabemos sobre um assunto, mesmo que o ângulo de arranque não seja uma novidade de estalo. Às vezes é uma constatação com explicação sobre estratégia política, bem necessária para enquadrar a realidade em que vivemos. Há umas semanas que andamos a brincar com o João Pedro Henriques porque nos disse que tínhamos escrito um determinado texto que era “branco é, galinha o põe”. Que o artigo era tão evidente que não era notícia e por isso não o devíamos ter escrito.
Eu discordo do João Pedro. Numa época em que as percepções ganharam espaço, em plena pós-verdade, em que os factos são torcidos até dizerem o que se quer, em que significados de palavras se confundem, muitas vezes é preciso que alguém diga: “Branco é, galinha o põe”. Leva-me esta reflexão para o que tem sido escrito e dito sobre a tragédia que se abateu há uma semana no elevador da Glória em Lisboa. Depois de alguma contenção, a política, ou melhor dizendo a campanha eleitoral, tomou conta do pedaço e não foi com elevação. Há, na verdade, mínimos que se bateram.
No domingo passado, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, deu uma entrevista à SIC e entrou a pés juntos acusando os adversários políticos de um rol de adjetivos que não deviam ter entrado no léxico político, muito menos quando o assunto em pano de fundo é uma desgraça que matou 16 pessoas. Nada o justificaria, mas Moedas nem tinha razão para tanto, dado que mesmo apesar de toda a guerra política, a sua principal adversária, Alexandra Leitão, não pede a sua demissão e apresenta algumas propostas, como a modernização dos sistemas.
No Expresso, fomos olhar à lupa para as declarações de Carlos Moedas porque nem tudo é o que parece ou, usando a metáfora de início, nem tudo é branco. Há, aliás, além de informações verdadeiras, outras incorrectas, outras falsas, algumas verdadeiras, mas com nuances e ainda outras incompletas. “O aumento de manutenção que não existiu e outros erros, omissões e factos sobre a tragédia do elevador: oito “fact checks” a Carlos Moedas”, pode ler aqui.
No meio do que disse, fez uma afirmação que indignou mutos socialistas, ao dizer que Jorge Coelho “teve a coragem” de se demitir aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios porque tinha recebido informações. Não é verdade, como pode ler aqui, num artigo do Vítor Matos. Ferro Rodrigues indignou-se por causa da “mentira” de Moedas e José Luís Carneiro disse que não vale tudo.
Sendo um dos visados das palavras de Moedas, também Fernando Medina respondeu aos microfones da Rádio Renascença.
Sabem quem desta vez fez declarações que são “branco é”? O Presidente da República, que não deixou pedra sobre pedra na relação política com o autarca e disse o óbvio: "Há responsabilidade política", há". Depois, se a essa assunção de responsabilidade vem acoplado um pedido de demissão é outra coisa e neste caso é para o eleitor decidir, diz Marcelo. A 12 de outubro saberemos.
O dia de segunda-feira começou com a agenda política com a reunião da Câmara Municipal, com uma saída do presidente a meio para ir a um encontro com a ministra da Saúde agradecer aos profissionais do INEM. Moedas diz que não abandonou a reunião do executivo camarário, reunião que foi pedida pelo PCP, mas nada disse, nada falou. O mesmo não poderá fazer esta terça-feira, na reunião da Assembleia Municipal, um espaço público difícil para o autarca que vai estar longas horas exposto às balas. Aqui o acompanharemos.
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Frases
"Quem está à frente de uma instituição pública, seja ela qual for, está sujeito a um juízo político por aquilo que aconteça de menos bem nessa instituição, mesmo que sem culpa nenhuma, mesmo que em intervenção nenhuma",
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República.
“Não defendo a demissão de Moedas, como não defendi a de Coelho ou Medina. Os eleitores terão a oportunidade de o demitir, se o entenderem. Pelo abandono geral de uma cidade onde se vive cada vez pior pagando cada vez mais”
Daniel Oliveira, colunista do Expresso.
“O Presidente da Câmara não será culpado, pode ou não ter responsabilidade, mas não é, certamente, vítima de nada. E, por isso, a vitimização ganha um significado mais expressivo. Transforma-se em indignidade”
João Costa, professor universitário e ex-ministro da Educação num texto no Expresso.
Os nossos podcasts
Comissão Política: Qual é o contrário da responsabilidade política? Para Carlos Moedas, só há responsabilidade política no caso de se provar que algum erro “possa ser imputado ao Presidente da Câmara”. A opinião de Marcelo Rebelo de Sousa é exatamente a contrária. Ouça aqui a análise da ‘Comissão Política.
Expresso da Manhã: Radicais de direita ou de esquerda mais perto do poder em França, com sucessão de crises políticas, uma análise de Paula Baldaia em conversa com o editor de internacional, Pedro Cordeiro.
O que ando a ler
Nas férias dediquei-me a ler o “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. O autor achava que a realidade distópica que descreveu em 1946 distava 600 anos de acontecer. Passados menos de cem, sinto que já corremos uma boa parte do caminho. A distopia de Huxley, que descreve um mundo expurgado de tudo até da palavra “mãe”, porque deixaram de existir para apenas nascerem crianças a partir de provetas, deixa-nos perguntas, sobretudo sobre a nossa atitude perante a comunidade. Estamos a abdicar do conhecimento científico em prol de quê? O bem-estar, a estabilidade (artificial) é o nosso último objetivo, acima de tudo, incluindo verdade, decência, igualdade e especificidade própria de cada um?
Já temos líderes mundiais a questionar a ciência, as vacinas. Já temos um crescente individualismo que nos coloca cada um a olhar para o umbigo e a perder empatia pelos outros, num crescente isolamento auto-infligido. Até onde estamos dispostos a ceder para viver uma vida asséptica? Uma vida sem vida?
Recomendo a leitura pela complexidade de um pensamento que nos confronta com algumas semelhanças que vamos vendo hoje, ainda que num grau não tão aprofundado.
Muito obrigado por ter tomado este longo Curto. Vá espreitando as novidades ao longo do dia na nossa página online.
Até já.