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O momento “ou vai ou racha” de José Luís Carneiro

O secretário-geral do Partido Socialista, José Luís Carneiro, durante a reunião da Comissão Política Nacional
ANTÓNIO COTRIM

Bom dia,

Hoje o Parlamento vota as versões finais de duas das três leis que o Governo entusiasticamente apresentou com o propósito oficial de controlar a entrada de imigrantes em Portugal.

Numa o PS há muito que disse que viabilizaria (a que cria uma polícia de fronteiras dentro da PSP) mas noutra não (a nova Lei de Estrangeiros). Nesta, o PSD legislou rigorosamente a mata-cavalos, chegando ao ponto de dar apenas um-dia-um ao Conselho Superior da Magistratura para se pronunciar (e os juízes mandaram o PSD passear, claro).

De braço dado, PSD e Chega irão aprovar o diploma - que duvidosamente passará depois em Belém. Marcelo já avisou que exige tudo muito limpinho constitucionalmente, não sendo de excluir - muito pelo contrário - que lhe suscite a intervenção preventiva do Tribunal Constitucional. O mesmo poderá depois acontecer em Setembro, quando for aprovada a revisão da Lei da Nacionalidade.

Tudo isto acontece enquanto, em Loures, o socialista Ricardo Leão, presidente da Câmara, com um empenho só explicável pela circunstância de já estar em campanha para ser reeleito, varre a golpes de bulldozer um bairro de lata, o Talude Militar, sem cuidar de cumprir os mínimos que a Lei de Bases da Habitação lhe exige (providenciar alternativas aos moradores desalojados).

O processo foi travado por uma providência cautelar. E entretanto, claro, desenvolveram-se no PS esforços de mobilização solidária com os moradores. Militantes do partido dinamizaram uma carta aberta, publicada no Expresso, onde se lê o seguinte: “Portugal precisa de um Partido Socialista que, mesmo em tempos difíceis, não abdique da sua missão de construir um país mais justo e mais humanista. Estes são os nossos princípios - não queremos outros.

É a segunda vez que Ricardo Leão se torna num embaraço para o PS. A primeira foi há uns meses, quando na autarquia votou ao lado de uma resolução do Chega defendendo o desalojamento compulsivo de moradores de bairros municipais envolvidos em atos de violência de rua contra a polícia. Na altura, Pedro Nuno Santos, notoriamente embaraçado, não lhe tirou o tapete (mas Leão foi forçado por pressão de outros dirigentes, nomeadamente Alexandra Leitão, agora candidata do partido à Câmara de Lisboa, a demitir-se de presidente da federação distrital do PS de Lisboa).

Ontem foi a vez de o novo líder socialista ter de lidar com o assunto. Como se escreveu neste jornal, José Luís Carneiro acabou por, numa declaração à Lusa, fazer a “quadratura do círculo”, afirmando que "compreendia as dificuldades das autarquias que se deparam com construções precárias", por um lado, mas pedindo soluções "com humanismo e sensibilidade social", garantindo "a dignidade, particularmente dos mais frágeis e vulneráveis", por outro.

Quem lhe conhece o pensamento social cristão exigiria mais. Mesmo correndo riscos eleitorais, talvez esteja na altura de a liderança socialista fazer uma escolha definitiva. Uma escolha arrojada, arriscada - mas definitiva.

Neste momento - e isso vai ver-se hoje outra vez com a votação no Parlamento da nova Lei de Estrangeiros - Portugal vê o PSD completamente ao colo do Chega, num esforço desalmado para partilhar com Ventura os ganhos eleitorais de políticas populistas. Do outro lado, estão partidos - o PCP, o BE, o PAN e o Livre - que rejeitam abertamente estas políticas. Contudo, representam pouco no Parlamento (onze deputados, no máximo).

Com Montenegro todos os dias a reforçar a legitimidade da extrema-direita procurando-a até para entendimentos que sempre foram feitos ao centro - no aumento da despesa militar, por exemplo -, pode ser que se esteja a abrir o espaço para o PS, mantendo a sua posição quase hegemónica à esquerda, conquistar mais espaço ao centro, alcandorando-se a uma posição de clara liderança de um bloco eleitoral, que ainda é vasto, onde as políticas da violência anti imigração e anti minorias étnicas não têm acolhimento. Se é verdade que o Chega tem crescido a uma enorme velocidade, também é que verdade que, tendo obtido 22% nas últimas legislativas, isso significa que há quase 80% dos eleitores que não o apoiam. Ventura dá potência ao descontentamento popular - mas gera também, ele próprio, enormes doses de rejeição.

Essa massa eleitoral carece de uma liderança. O PS - o PS todo, começando pela sua liderança - tem a obrigação de não ficar em cima do muro. Um autarca como Ricardo Leão - que em busca de votos atua não só de forma brutal como também ilegal - teria de ser claramente desautorizado pelo seu partido. E não o foi.

José Luís Carneiro ainda vai a tempo. Numa altura em que Ventura saliva da satisfação com a caça ao imigrante que nos últimos dias se desenvolveu em Torre Pacheco, Múrcia, dizendo claramente que há momentos em que a violência popular tem legitimidade sobre a ação policial (“eu pergunto se era suposto população ficar quieta e calada”, disse ontem), toda a oportunidade está criada para o bloco humanista da política portuguesa deixar de lado cálculos eleitorais.

OUTRAS NOTÍCIAS

Uma dúvida. Trump perguntou a Zelensky se conseguia atacar Moscovo, segundo o "Financial Times". Mas, mais tarde, veio contrariar as notícias e afastar eventual ataque ucraniano a Moscovo.


Avanço. Coligado com o PSD, CDS e IL, Carlos Moedas apresenta esta quarta-feira a sua (re)candidatura à Câmara Municipal de Lisboa.


Audição. António José Teixeira, diretor de Informação da RTP demitido há dias por decisão do Conselho de Administração da empresa, é ouvido esta quarta-feira no Parlamento.


Atraso. A Eslováquia atrasou a adoção de novo pacote de sanções à Rússia. E a NATO avisou o Brasil, China e Índia para retaliação tarifária por negócios com Rússia.

Resposta. O presidente brasileiro, Lula da Silva, assinou um decreto que permite ao país adotar contramedidas para responder às tarifas anunciadas por Donald Trump.

FRASES


“Quando as coisas começam com uma ou várias agressões brutais de imigrantes a pessoas idosas e a mulheres, eu pergunto se era suposto população ficar quieta e calada, se não acham que há um momento em que as pessoas se cansam desta violência, em que as comunidades começam a ficar um bocadinho fartas do magrebino, do marroquino, do argelino, ou de outra nacionalidade qualquer."

André Ventura, presidente do Chega

“Nunca o PS pode ser colocado ao nível de um partido que atenta contra os valores democráticos e se o primeiro-ministro não é capaz de distinguir essa representação política e social, então o primeiro-ministro não está habilitado para definir e defender o interesse nacional.”

José Luís Carneiro, secretário-geral do PS

“O Supremo está a brincar com coisas muito sérias. Quando um procurador diz o que disse, dizendo que eu tenho que provar a minha inocência em tribunal, deve ser afastado de tomar decisões no processo. Eu acho que isso é muito razoável, mas protegem-se uns aos outros”

José Sócrates, ex-primeiro-ministro

“A decisão de proceder à demolição das barracas [em Loures] sem garantir soluções habitacionais alternativas, adequadas e imediatas, não só contraria os princípios constitucionais e estatutários, como mancha a credibilidade e o compromisso ético que o Partido Socialista deve assumir perante os cidadãos.”

Carta aberta, militantes do PS

“Apesar de o valor absoluto das exportações não ser dos mais elevados da UE, a sensibilidade de algumas indústrias portuguesas a choques externos é relevante."

Éric Dor, diretor de estudos económicos na IESEG School of Management (França)

O QUE ESTOU A VER


Há dias morreu o general Garcia dos Santos (1935-2025). Ele foi um discreto heroi do 25 de Abril, ao lado dos pouquíssimos militares que se juntaram no Posto de Comando do MFA no quartel do Exército da Pontinha para coordenar as operações, desenhadas e comandadas por Otelo, que naquele dia levaram à queda da ditadura.

Garcia dos Santos pode muito bem ter sido o homem decisivo a salvar aquela operação. Foi ele quem, escassos dois dias antes, ergueu o sistema de escutas telefónicas (a chefes militares e ministros) que permitiu aos sublevados estarem sempre a par do essencial que o “outro lado” preparava.

Graças à sua extraordinária competência técnica, e à dos homens que concretizaram no terreno o que ele planeou, Otelo e os seus camaradas conseguiram, por exemplo, perceber que na madrugada de 25 de Abril foi para o comando da GNR no Largo do Carmo que o regime levou o seu líder, Marcelo Caetano. Essa informação permitiu deslocar para ali as tropas de Salgueiro Maia que estavam no Terreiro do Paço.

Tudo isto está muito bem contado num documentário que de António-Pedro Vasconcelos e Leandro Ferreira fizeram para a RTP e que pode ver AQUI.

É tudo por hoje. Continue a acompanhar-nos no Expresso, na Blitz e na Tribuna. Obrigado.