Bom dia!
Não era bom que a história se repetisse. Na campanha para as legislativas de janeiro de 2022, a forte possibilidade de uma guerra na Ucrânia e de uma crise inflacionista mundial estiveram ausentes dos debates e dos discursos. Na de 2009 ignorou-se a crise massiva que estava em marcha, e que acabou quase na bancarrota. Agora, no meio de uma multiplicação de crises, quando as perspetivas para o futuro próximo são de tempestades simultâneas - económica, política e de segurança - os partidos arrancam para a caça ao voto com a obrigação de serem mais esclarecedores do que nessas ocasiões.
Começa hoje a maratona de debates (pode ver aqui o programa da primeira semana) e espera-se que desta vez os partidos sejam claros a dizer o que defendem perante o tufão tarifário de Donald Trump e previsíveis consequências económicas, como o regresso da inflação; como é que um país tão transatlântico se posiciona agora perante uns imprevisíveis Estados Unidos que dificilmente se podem apelidar de “aliados”; e o que pensam fazer na área da Defesa no novo quadro da NATO e da União Europeia, que para Portugal representa mais do que duplicar a despesa.
Já com enquadramento atualizado, o PS lançou o seu novo programa eleitoral, com um novo e alargado bodo ao eleitor. Aliás, desde logo criticado por Luís Montenegro, que acusou o adversário de “prometer tudo a toda a gente”, à boa maneira de um “ex-primeiro-ministro chamado José Sócrates”, nome que serve para arremessar em todas as ocasiões e que, aliás, também aparece num cartaz de gosto duvidoso, do Chega, ao lado do mesmo Montenegro, associando ambos a uma alegada corrupção do sistema. De resto, recorde-se, era exatamente esta a crítica apontada quando há um ano o PSD foi criticado por querer dar tudo a todos, e quando nos primeiros meses o seu Governo começou a dar alguma coisa a muita gente.
Por falar em José Sócrates, a reforma da Justiça proposta pelo PS parece absorver ecos do processo da Operação Marquês, passando muito pela aceleração de processos e pela limitação do excesso de recursos apresentados.
Pedro Nuno Santos aceita, pelo menos, parte da crítica de Luís Montenegro: “Metade é falso, nós não prometemos tudo, mas a outra metade é verdadeira, [as promessas destinam-se] a todos", respondeu o secretário-geral do PS. O líder socialista contabiliza o total das suas medidas em €1500 milhões - tanto quanto a redução proposta pela AD para o IRS -, e apresenta um quadro macroeconómico aparentemente otimista, com riscos para o fim das contas certas segundo o PSD, considerando as perspetivas de aumento da inflação e de recessão mundial com a guerra comercial lançada por Trump.
Ainda assim, o PS alega prudência no seu programa e revê alguns indicadores em baixa, ao escrever que “estes impactos e a sua distribuição no tempo são particularmente incertos, mas dão bem a ideia da vulnerabilidade do cenário macroeconómico num quadro de elevada incerteza, com impacto nas contas públicas”. E acrescenta ainda que o cenário “não reflete o aumento previsível de despesas em Defesa e os seus potenciais impactos”. Este é um tema crucial nos dias de hoje, mas que é remetido para as últimas páginas do programa.
Neste quadro, a resposta de retaliação contra “o maior choque comercial da História” - assim classificado pelo Nobel da Economia Paul Krugman - está sobretudo centralizada na Comissão Europeia, que deve aprovar nos próximos dias um pacote de contramedidas em relação a 28 mil milhões de dólares de importações dos EUA para a Europa.
Os Estados-membros acabam por ter algum resguardo, mas cada um dos países tem decisões a tomar sobre como responder ou proteger as suas indústrias, ainda que Elon Musk tenha aparecido a pedir tarifas zero entre os EUA e a Europa… ou que o secretário do Tesouro norte-americano negue que as tarifas levem a uma recessão.
As tarifas são o tema do podcast Expresso da Manhã de hoje, em que Paulo Baldaia fala com o professor de Economia Ricardo Paes Mamede, que diz que “não sabemos se estamos a substituir um mundo menos perfeito por um mundo mais imperfeito”.
Todo este contexto se agiganta sobre o problema ético do primeiro-ministro e o caso Spinumviva, tornando esta campanha crítica para percebermos como é que o próximo Governo nos vai coser com o futuro, num quadro que se arrisca ser muito mais complexo do que podemos imaginar. Os debates devem ser decisivos: são muitos e podem gerar algum efeito de saturação, mas já houve outras ocasiões em que se percebeu terem sido instrumentos importantes e esclarecedores para a avaliação dos líderes.
Assim, às 21h na TVI poderá ouvir hoje Luís Montenegro a debater com o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, e às 22h, na RTP3, temos André Ventura, do Chega, contra Inês Sousa Real, do PAN. Amanhã, prepare-se às 21h para ver Pedro Nuno Santos com Mariana Mortágua, na SIC, e depois André Ventura contra Rui Tavares, na RTP3 às 22h.
Para se preparar para os debates e para a campanha, pode começar a ouvir o novo podcast do Expresso, “Por que falha o Estado?”, de David Dinis. Este é o primeiro de sete episódios, com dois ex-ministros do PS e do PSD, Pedro Adão e Silva e Miguel Poiares Maduro.
OUTRAS NOTÍCIAS
Aborto - Mais de 5 mil mulheres atravessam fronteiras na Europa para abortar, e Portugal regista o segundo maior fluxo. A trajetória Portugal-Espanha é a segunda maior de que há registo. São revelações da investigação internacional Exporting Abortion, da qual o jornal Expresso faz parte.
Privatização da SATA - Carlos Tavares, ex-presidente da gigante automóvel Stellantis, participa nas negociações para a privatização da companhia de aviação açoriana SATA. O consórcio que junta a Newtour e a MS Aviation assegura que esclareceu as dúvidas sobre a sua idoneidade antes de avançar com uma nova proposta de compra.
Le Pen reage à condenação - “Não foi uma decisão da justiça, foi uma decisão política”, diz. Marine Le Pen garante que não vai desistir e denuncia "mentiras e calúnias". A líder da extrema-direita francesa foi condenada por ser a principal responsável pelo desvio de 4,1 milhões de euros do Parlamento Europeu.
Trump quer mais penas de morte - A Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, defendeu a sua decisão de recorrer à pena de morte contra o alegado assassino do responsável de uma seguradora de saúde, reafirmando que a administração Trump o fará "sempre que possível". "As instruções do Presidente são muito claras", disse à Fox News.
Desinformação - Jessica Roberts, que se especializou no estudo da comunicação e jornalismo nos Estados Unidos, afirma ao Expresso que “as teorias da conspiração circulam mais ampla e fortemente na direita do que na esquerda”, e estabelece uma comparação entre a forma como Donald Trump e a sua administração comunicam e a transmissão mais escrupulosa das mensagens dos democratas, que os enquadra como “menos autênticos”.
Táxis automáticos - “Já não é louco ou assustador” pedir um táxi sem condutor: “As pessoas estão a aceitar melhor” as soluções americanas e chinesas.
FC Porto goleado pelo Benfica - No estádio do rival, o Benfica obteve comiseração e goleou os azuis e brancos (1-4). O jogo ficou desde logo condicionado por um golo de Pavlidis nos segundos iniciais do clássico. Seria o primeiro dos três apontados pelo avançado grego. Eis a crónica de Francisco Martins.
FRASES
“Transformar um Conselho de Ministros numa arruada para decidir sobre nada […], convidando militantes para abrilhantar a festa (quanto terá custado aos contribuintes?), é transformar o Estado numa agência do partido”.
Paulo Baldaia, jornalista e colunista do Expresso
“Percebe-se que a AD fica em estado ligeiramente catatónico com o programa do PS quando se socorre da alegada “arma de destruição maciça” que é Sócrates. Não o Sócrates cuja reputação já estava manchada em 2009 e que ganhou as eleições – aliás, aqui Montenegro tenta mimetizá-lo”.
Ana Sá Lopes, jornalista, no “Público”
“A tese do “não é não” voltará, e entre Montenegro e Ventura, previsivelmente, nada mudará. Mas a tese carece de revisão e aumento: ao “não é não” a direita terá de acrescentar o “nem nem”. Nem a falácia dos três blocos, nem o alçapão do bloco central”.
Pedro Gomes Sanches, colunista do Expresso
O QUE ANDO A LER
Uma das tendências da banda desenhada desde há uns anos é a adaptação de clássicos da literatura, com alguns casos notáveis de conversão em romances gráficos que vou tentado colecionar na medida do possível. Bons exemplos são as várias adaptações da distopia “1984”, de George Orwell, das quais destaco a do brasileiro Fido Nesti (Alfaguara). Outro lançamento recente é o “Deus das Moscas”, de William Golding, adaptado e ilustrado por Animée de Jongh (Asa), ou o “Grande Gatsby”, com desenhos do português Jorge Coelho e argumento de Ted Adams (A Seita). Podia ainda acrescentar “Mataram a Cotovia”, de Harper Lee, adaptado por Fred Fordham, Ou o extraordinário “Diário de Ann Frank” (Porto Editora), ilustrado e adaptado por Ari Folman e David Polonsky. Também já foi editado em português o “Crime e Castigo”, de Dostoiévsky, por Bastien Loukia (Levoir), e a lista não ficaria por aqui.
Tudo isto para dizer que li agora o fantástico “Frankenstein”, de Mary Shelly (A Seita), adaptado pelo extraordinário George Bess, depois de ter lido a adaptação pelo mesmo autor do “Drácula de Bram Stocker” (A Seita). A dificuldade do preto e branco, que autor francês trata de forma magistral, conjugada com a sensibilidade do traço faz deste “Frankenstein” uma peça única de prazer visual e narrativo. Percebe-se que a história, nos seus cenários contrastantes - dos Alpes ao Ártico - exigiu um trabalho apurado de investigação por parte do autor (o veleiro ou os laboratórios da época, por exemplo), sem que perdesse a capacidade de criar ambientes gelados, sombrios, luminosos ou desesperantes.
Ao longo da narrativa, sem descurar os aspetos formais da obra nem do desenho, Bess transporta-nos para a essência da obra de Shelly, quando nos empatiza com a bondade ingénua do “monstro”. Tem essa capacidade de nos deixar desconfortáveis com a dor da “criatura” perante a conversão do medo e da ignorância humanas em maldade e violência, que depois transformam a criação do dr. Viktor Frankenstein num ser odioso. A filosofia que emana do original atravessa o álbum todo: desde a premissa rousseauniana de que somos uma tábua rasa corrompida pela nossa experiência do mundo, como a soberba humana de querer igualar Deus como criador da vida. Para já, a vida dada a estas vidas através do traço do lápis de Bess são uma bênção.
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Contas Poupança - Só há uma coisa pior do que uma crise: não saber o que fazer com ela. O jornalista da SIC Pedro Andersson explica o que aí vem: estamos com a maior queda nas bolsas desde a covid-19. É uma queda séria. O valor de 20% de queda é a linha que marca o chamado "bear market". O que fazer?
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