Por volta das 13h30 já deveremos saber se o filme brasileiro “Ainda estou aqui” foi um dos nomeados para concorrer aos Óscares deste ano. E em que categorias. Independentemente de se concordar, ou não, com a classificação de que se trata de uma grande obra cinematográfica, o longa metragem vale pela mensagem, especialmente relevante em tempos tão sombrios. Interessa o testemunho, interessam eles e como nós nos posicionamos. Interessamo-nos.
A torcida vai especialmente para a atriz Fernanda Torres, que durante cerca de um ano dedicou-se a encarnar a figura real de Eunice Paiva, a mulher que, devido à truculência da ditadura militar brasileira, se viu subtraída do marido, cabendo-lhe educar sozinha os cinco filhos. Uma história de resistência e dignidade.
Ansiosa por mergulhar nessa história, que há meses vinha antecipando em leituras, comprei os bilhetes para a estreia com antecedência. A sala, em Lisboa, estava cheia, sobretudo de jovens. No fim, depois de uma espera tímida, ouviram-se palmas. Muitas não apenas ao filme, imagino, mas à coragem daquela família. No Brasil, mais de três milhões já viram “Ainda estou aqui”, em Portugal, foi o filme mais visto no primeiro fim de semana em que foi exibido.
Em tempos digitalizados, o exercício de se abrir um álbum de fotografias, daqueles grandes, com capa dura, também exige alguma coragem. E, para mim, ver “Ainda estou aqui” exigiu uma iniciativa do mesmo calibre.
As ruas, os automóveis, as formas de ser e estar, o sotaque, o comportamento espontâneo, e até uma pessoa com quem convivi olhavam-me de dentro da tela. Principalmente, olhava-me um país, que, durante muito tempo, pensámos que tinha virado passado. A primeira cena é mesmo do ano em que nasci e o quartel onde eram torturados os opositores ao regime ficava no bairro onde eu morava, no Rio de Janeiro. Tudo tão palpável.
No fim do filme, a voz de Erasmo Carlos em “É preciso dar um jeito, meu amigo” fica a ecoar na memória: “Eu cheguei de muito longe/e a viagem foi tão longa/E na minha caminhada/obstáculos na estrada/mas enfim aqui estou”.
Esta semana, que começou sob a sombra de palavras sinistras, vai exigir de nós mais coragem no caminho. Afinal, como diz a canção, “É preciso dar um jeito, meu amigo/Descansar não adianta”. E que venham os Óscares, mas se não vierem, também não faz mal, porque nós, para já, ainda estaremos aqui.
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Frases
"Sinto um dever cumprido imenso", Fernanda Torres à RTP
“A tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia. Mata-se a vítima e condena-se toda a família a uma tortura psicológica eterna. Fazemos cara de fortes, dizemos que a vida continua, mas não podemos deixar de conviver com esse sentimento de injustiça”, Marcelo Rubens Paiva, em “Ainda estou aqui”, o livro que deu origem ao filme
“Sensação estranha a de que um atestado de óbito seja um alívio”, Eunice Paiva, em 1996, depois de 25 anos de espera pelo documento que reconhece a morte do marido, assassinado na ditadura militar
Os nossos podcasts
Hoje é lançado o podcast com as Memórias de Francisco Pinto Balsemão, uma iniciativa inédita, em que, com o apoio da IA, todo o livro que recorda o percurso do empresário e fundador do Expresso é reproduzido em quatro temporadas, num total de 24 episódios.
O livro “Thomaz de Mello Breyner, Relatos de uma época” apresenta-nos o médico e professor universitário que foi testemunha privilegiada da História recente de Portugal, desde as últimas décadas da monarquia, passando pela I República, a ditadura militar, e os princípios do Estado Novo. E em "A história repete-se", Henrique Monteiro e Lourenço Pereira Coutinho conversam com a autora e investigadora Margarida de Magalhães Ramalho.
. Paulo Baldaia e Gonçalo Almeida explicam como Donald Trump e a mulher Melania ficaram mais ricos às vésperas da posse ao lançarem uma meme coins com os seus nomes. O assunto não é para ingénuos e foi tema de conversa no “Café da Manhã”.
O que ando a ver e a ler
Primeiro, em tom de nota prévia, trago-vos a capa que foi sem nunca ter sido. A revista “New Yorker” partilhou a capa que estava pronta caso Kamala Harris tivesse ganho as eleições norte-americanas. Fui espreitar e lá estava também a que a substituiu. O autor é o mesmo, Barry Blitt, cujo traço de humor marcado voltou a aparecer na capa da posse.
Depois, partilho convosco a solidão que emerge do texto do “New York Times” sobre “uma mulher de 28 anos com uma vida social agitada passa horas a fio conversando com seu namorado IA em busca de conselhos e consolo. E sim, eles fazem sexo.” Até onde vai a nossa humanidade e o deserto que sobre nós avança e temos de combater?
Trago-vos ainda uma espécie de atlas social de Elon Musk, em que as relações do homem do momento são esquadrinhadas e em que se percebe a força de alguém se fez um sol, à volta do qual interesses e perigos orbitam. Ou, como se explica, “uma olhada nas pessoas que influenciam o homem mais rico do mundo e aquelas que podem lucrar com sua associação com ele agora.”
Finalmente, acabo por onde comecei. Porque acredito no jornalismo como veículo do que tem de ser dito, escrito e ouvido. Por isso, trago-vos a história do correspondente que tirou o caso Rubens Paiva de dentro das fronteiras do Brasil e o revelou ao mundo.
Como explica a revista “Piauí”, Joseph Novitski, chefe da sucursal do “New York Times” no Brasil foi testemunha do embrutecimento da ditadura e no dia em que a primeira página do jornal norte-americano noticiava que os astronautas da Apollo 14 preparavam-se para alunar, na página 4, lia-se o testemunho de “uma garota [que] pede pela libertação de seus pais, vítimas da repressão da polícia do Brasil”.
Esta foi a primeira referência ao desaparecimento de Rubens Paiva num órgão de comunicação internacional. O jornalista, conta a revista, ainda está por aí, com 84 anos, vive na cidade natal, São Francisco.
Nós também estaremos por aqui. Hoje, às 13h30, com a Lia Pereira e os Óscares - há também um filme português de animação na corrida.
Amanhã, não se esqueça, é dia de Expresso nas bancas e não se sabe o que poderá estar na página quatro da edição em papel. Ou num canto qualquer do site. Só vai descobrir quem for ver. Tudo de bom e continue por aí.