Capela Rothko, em Houston, nos Estados Unidos
D.R.

“Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,

E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio” (Álvaro de Campos)


É quase Natal e lá fora há guerra. São quase dois anos de Ucrânia invadida, já passaram dez semanas do ataque terrorista do Hamas a Israel e já morreram cerca de 20 mil pessoas desde a ofensiva militar de Israel em Gaza. É quase Natal, faltam cinco dias apenas, e nestes locais, e não só, continuam a morrer crianças, mulheres e idosos, morrem reféns e morrem trabalhadores de organizações humanitárias, morrem médicos e jornalistas. Morrem de fome em consequência da violência. Morrem-nos muitas ideias e esperanças. E é quase Natal.

A morte continua à solta e é impossível fechar os olhos ao que se passa no Médio Oriente, nem esquecer que, como afirmou Catherine Russell, diretora executiva do UNICEF, citada por Nicolau Kristof no “New York Times”, o lugar mais perigoso para ser criança no mundo hoje é Gaza. E como a dor das ausências não tem credo, é preciso não nos esquecermos de quem também faltará em Israel, ferida que, como explicamos neste texto do Expresso, o regresso é a única forma de aplacar. E morremos todos um pouco, quando o trabalho é lutar para preservar a vida e os números só servem para tornar visível o que não devia de ser aceitável.

Em tempo de guerra e de conflito aberto, as ausências são tantas, que nos parecem impossíveis de contar, mas algumas têm de ser publicamente sublinhadas pelo exemplo que deixam e pelos regimes que espelham, como a ausência de Alexey Navalny, o opositor-mor de Putin, que não dá sinais de vida há duas semanas, no que as Nações Unidas chamaram de um “desaparecimento forçado”. O britânico “Guardian” apanhou o tema.

Na fronteira da guerra ucraniana, Volodymyr Zelensky tenta dar a volta ao medo de ainda mais ausências e perdas, continua a tentar dar força às suas tropas e manter a moral, mas o inverno está a ser duro e não há cânticos natalícios no ar. São necessárias mais armas e mais homens e como consequência em breve poderão ser 500 mil a menos nas suas casas.

As ameaças são muitas e de vários tipos as mulheres têm de estar atentas, porque nem tudo o que é perigoso acontece no território da guerra aberta. A ideia está a crescer entre os ditadores - Putin também já veio defender o mesmo ponto de vista e nem Elon Musk ficou de fora deste abusivo pedido de um esforço feminino em nome do reforço da natalidade. Este artigo do “New York Times” é um exemplo de que é necessário ficar alerta, afinal, o lugar das mulheres é onde elas quiserem e só a elas cabe decidir. E onde não estiverem, elas deixarão um vazio.

Como é quase Natal, e este Expresso Curto quer recordar o que falta e o que não nos pode faltar, invoco na abertura de Expresso Curto a imagem da Capela Rothko, um santuário inter-religioso e um centro de direitos humanos, com 14 pinturas monumentais de Mark Rothko, pintor norte-americano de origem letã e judaica, alvo de uma grande exposição em Paris até abril do próximo ano.

Sinal de, como nos recordou o mais recente Prémio Pessoa, o cardeal José Tolentino de Mendonça, é preciso parar, sentir o que nos falta e ouvir o silêncio. “O silêncio é um vínculo que une”.

Outras notícias

A outra pessoa do ano O Natal é, sobretudo, tempo de se procurar a luz, como nos conta o “Financial Times”, que teve a coragem de romper com o previsível e escolheu como figura no ano Lars Fruergaard Jorgensen, CEO da Novo Nordisk, a empresa que criou o medicamento do momento, que combate a obesidade e impulsiona a economia dinamarquesa. Aqui deixo um cheirinho: “Enquanto a maioria de seus rivais leva jatos particulares para seus compromissos, ele espera por conexões comerciais. Alto, magro e atencioso, Jørgensen está longe da imagem convencional de um CEO fanfarrão e negociador: começou a sua carreira como economista no departamento de saúde e planeamento. Mas, à sua maneira discreta, Jørgensen é pioneiro numa inovação comercial que poderá ter um impacto profundo não apenas nos cuidados de saúde, mas nas sociedades, nas finanças públicas e na nossa relação com os alimentos. ”Nós por aqui nos antecipámos e fizemos capa da revista com o tema, vale a pena reler, assim como este outro texto sobre o impacto do medicamento na economia.

Sempre a covid Ao lado da luz há sempre sombra e temos de estar atentos ao que não se quer ver, como o vírus que não desaparece. Há uma variante a dominar o planeta e a exigir atenção

E por falar em Saúde ou na falta dela, esta quarta-feira há audição do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, em resposta ao requerimento do PS e ao requerimento potestativo da Iniciativa Liberal, sobre o "alegado favorecimento de duas bebés gémeas, que sofrem de Atrofia Muscular Espinhal, no acesso ao tratamento com o medicamento Zolgensma”.

A economia não perdoa nem na época natalícia e a Farfetch é um caso de estudo, como explica a Margarida Cardoso. E em Espanha o governo fez um movimento interessante de regresso ao capital da Telefónica para impedir apetites sauditas. Será um precedente?

Enquanto lá fora o conflito armado insiste em criar ausentes independentemente das crenças, em Portugal, as atenções focam-se na política. Depois da sucessão no Partido Socialista, os ânimos assanharam-se e até 10 de março, dia das eleições, não vamos ter descanso. A Rita Dinis conta-nos um bocadinho do que aconteceu no jantar de Natal do grupo parlamentar do PS.

Lá fora é no terreno legislativo que importantes decisões se tomam. Nos Estados Unidos, o Tribunal do Colorado torna Trump inelegível nas eleições do próximo ano e em França, o Parlamento aprova um polémico projeto de lei de imigração em meio a profunda divisão no partido de Macron.

Frases:

"Espero que o país saiba identificar no atual governo que está a cessar funções responsabilidades graves na situação a que o país chegou. Suficientemente graves para que o primeiro-ministro tenha sido o único que eu tenho memória que se tenha sentido na necessidade de apresentar a demissão por indecente e má figura", Pedro Passos Coelho, antigo presidente do PSD, à saída do tribunal aonde compareceu como testemunha do ex-ministro Manuel Pinho

"Estamos para ver se quem fez má figura foi primeiro-ministro, Ministério Público ou oposição”, o ex-primeiro-ministro José Sócrates em resposta a Passos Coelho, na mesma ocasião

Deve ser muito cansativo estar oito anos, dia após dia, à espera que o Diabo chegue e [o diabo] nunca mais chega”, o ainda primeiro-ministro António Costa no jantar de Natal do grupo parlamentar dos socialistas

"Estamos disponíveis para consensos", Luís Montenegro, líder do PSD, a candidatar-se ao Bloco Central

E ainda:

"Cunhas que salvam crianças não fazem mal a ninguém”, D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, sobre o caso das gémeas luso-brasileiras

O que eu ando a ler

Este é um espaço militante de defesa do bom jornalismo e de divulgação do que há de bom na profissão. E há muito, daí este incentivo à leitura da imprensa, espécie tão ameaçada.

Como a partida de Mario Vargas Llosa, 87 anos, que este fim de semana despediu-se das colunas jornalísticas. O Prémio Nobel da Literatura de 2010 corta a sua ligação de 33 anos ao “El País”: O único conselho que dou aos jovens que se iniciam como escritores na imprensa diária: digam e defendam a vossa verdade, quer ela coincida ou não com aquilo que o jornal defende editorialmente.” E ainda “contar mentiras, manipular, é fácil, mas mais cedo ou mais tarde fica evidente. Quem diz a verdade e a defende presta um serviço aos seus leitores e ao seu tempo. É isso que timidamente almejei com o nome — ‘Piedra de Toque’ — da minha coluna no ‘El País’.”

Por falar em ameaças, aconselho a leitura do longuíssimo artigo de James Bennet, na “Economist”. Um olhar do que se passa dentro de um jornal de alcance mundial, o “New York Times”, e as dores de adaptação a um mundo de ferozes críticas internas em que a busca do equilíbrio fica em risco. “É da natureza humana querer ver confirmado o seu preconceito; no entanto, também é da natureza humana querer ter a certeza de que o seu preconceito não é apenas um preconceito, mas é endossado por um jornalismo que é ‘justo e equilibrado’.” Vale a pena ler, com o distanciamento com que se lê um acerto de contas porque, o jornalismo, como a democracia, funciona melhor quando as pessoas recusam a render-se ao medo.

E porque a imprensa mudou e a pensar nestas mudanças, aconselho que ouçam este nosso podcast: “O Liberdade para Pensar está a chegar ao fim. A viagem pelos 50 anos do Expresso termina na próxima semana e neste penúltimo episódio vamos até 1997, o ano em que o Expresso lançou a sua primeira edição online. Vinte e seis anos depois e com o jornal a lançar uma nova fase da sua vida, em que se assume que Digital First, conversámos sobre o que mudou nestas quase três décadas, o que persiste na marca Expresso e o desafio do que está para vir, com Henrique Monteiro, diretor-adjunto em 1997, João Vieira Pereira, atual diretor do Expresso, e Joana Beleza, subdiretora de áudio e multimédia do Grupo Impresa.”

Além do que se lê e do que se ouve, também muito bom jornalismo que se vê como nestes dois trabalhos de excelência. O primeiro sobre o conflito israelo-palestiniano e o segundo sobre um mundo sem fronteiras e ocupado por animais. Um deslumbre.

E, apesar de mais um adiamento da votação nas Nações Unidas de um cessar-fogo na guerra israelo-palestiniana, sintam-se felizes com tantas prendas aqui deixadas. A vossa prenda para nós é lerem-nos, ouvirem-nos e verem-nos e, com base no nosso trabalho, decidirem de forma informada e consciente. Bom Natal e até 2024.