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Um ano de vacinação contra a covid-19: nem tudo mudou, mas tudo melhorou

Bom dia,

“Só neste país” deve ser a frase/expressão de que menos gosto na língua portuguesa: traduz um nacional-desgraçadismo e um botabaixismo que não contribuem para nada a não ser para alimentar populismos. Invertamos o sentido habitual das coisas: só neste país se conseguiria atingir quase os 90% de vacinação contra a covid-19. E isso aconteceu graças a um programa nacional que semeou confiança ao longo de décadas, a uma organização operacional (corporizada no vice-almirante Gouveia e Melo) capaz de pôr a logística a andar sobre rodas e, sobretudo, a uma população sensata e que se mostrou informada.

Importa dizer isto no dia em que se cumpre um ano sobre a primeira aplicação em Portugal de uma vacina anticovid, um feito notável da ciência, conseguido em tempo recorde. Na manhã de 27 de dezembro, todas as atenções mediáticas foram concentradas em António Sarmento, o diretor do serviço de infeciologia do Hospital São João, no Porto, e o primeiro a ser vacinado. Um ano depois continua a falar-se de vacinação: no caso, das doses de reforço como resposta aos desafios levantados pela variante Ómicron e pelas reuniões familiares de Natal e Ano Novo.

Se a vacinação não resolveu tudo, como ainda sonhávamos em dezembro de 2020, importa dizer que tudo melhorou. E que valeu a pena o esforço. Isso é visível a olho nu nos relatórios diários da Direção-Geral da Saúde (DGS): na última semana tivemos uma média diária de 7811,9 infetados e 13,7 mortes; temos 878 internados, 151 deles em UCI. No mesmo período (20 a 26 de dezembro) de 2020 tínhamos uma média de 3172,7 casos (menos de metade da atual), mas com 70,4 mortes diárias; havia 2790 internados, 513 deles em estado grave.

Já tinham sido divulgados dados de alguns hospitais que nos permitiam perceber que grande parte dos internados com covid-19 eram não vacinados. Ontem à noite, na SIC, Marques Mendes apresentou, creio que pela primeira vez, dados centralizados (da DGS e Instituto Dr. Ricardo Jorge - INSA) sobre internamentos e óbitos, divididos entre vacinados e não vacinados. E as conclusões são bastante impressivas.

Em outubro, 65% dos internados com mais de 80 anos eram não vacinados; entre os 50 e os 59 anos, a percentagem subia para 86%. Em novembro, dois terços (67%) dos doentes que morreram eram não vacinados; na faixa etária dos 50-59 anos, a percentagem sobe para 89%.

Aguardemos os dados completos, que acredito que serão brevemente divulgados, mas o que a ciência nos dizia está a ser confirmado: as vacinas disponibilizadas na Europa são uma excelente proteção contra a doença grave e têm permitido ao SNS manter-se à tona. Esperemos que assim continue até ao fim do inverno – e já agora que se prepare também o futuro, porque hoje é o Dia Internacional da Preparação para Epidemias, proclamado pela ONU.

Ontem, em Portugal, registaram-se 13 mortes associadas à covid-19 e 3732 infeções, um número certamente influenciado pela menor atividade laboratorial no dia de Natal; há 878 internados, mais 21 do que no sábado. Hoje é bastante provável que os casos positivos aumentem, até porque a corrida aos testes parece ter sido retomada no pós-Natal. Na quinta e na sexta-feira foram alcançados dois novos máximos, com a realização de 620 mil testes, revelou o INSA.

O que acontecer nos próximos dias vai ditar se a pandemia continua no topo da agenda mediática ou se, finalmente, as legislativas vão começar a ganhar tração. Falta pouco mais de um mês para irmos a votos e os primeiros debates são daqui a menos de uma semana: no próximo domingo há um PS vs. Livre na RTP1 e um bem mais quente BE vs. Chega agendado para a SIC Notícias. Este sábado à noite, numa manobra tática, António Costa centrou o discurso de Natal do primeiro-ministro na covid-19, o que mereceu a crítica generalizada da oposição. Soou a uma espécie de tiro de partida: as tréguas de Natal estão prestes a terminar.

OUTRAS NOTÍCIAS

Ainda a pandemia – O Governo da Madeira considera “inaceitável” que apenas 1190 crianças entre os 5 e os 11 anos tenham sido vacinadas contra a covid-19 – representam 8% da população elegível. Entre os grupos de risco, a vacinação chegou a 27% das crianças.

Voos em terraForam cancelados mais de 7000 voos este fim de semana em todo o mundo, incluindo 74 em Portugal, devido à propagação da covid-19. Casos da nova variante Ómicron colocaram em quarentena milhares de funcionários de companhias aéreas, especialmente nos EUA e na Europa.

Falta de recursos humanos – O conselho de administração do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim-Vila do Conde vai reunir-se hoje com os chefes de equipa de urgência que estão demissionários desde sexta-feira, por "grave carência de recursos humanos médicos".

Mais um caso no SportingO internacional uruguaio Ugarte está em isolamento, juntando-se assim no plantel ao avançado Tiago Tomás. No Sporting de Braga há dois casos positivos.

Jesus fica? Paulo Sousa vai? – Depois de muitos dias de especulação sobre a situação de Jorge Jesus no Benfica e sobre o nome do próximo treinador do Flamengo, a situação parece ficar mais clara. A caminho do clube brasileiro está Paulo Sousa (apesar do desagrado do seu atual empregador, a federação polaca), enquanto Jesus terá garantido a Rui Costa total comprometimento com o clube lisboeta, avançou ontem “A Bola”.

O novo chefe da Marinha – Gouveia e Melo vai finalmente sentar-se na cadeira que já tem o seu nome há meses. A tomada de posse é às 15h, no Palácio de Belém, e é difícil dizer que não fica ensombrada por um processo tortuoso, ainda que o Presidente da República tenha desdramatizado, ao seu estilo, as últimas declarações do exonerado (mas condecorando) Mendes Calado. Para Marques Mendes, o chefe do Estado-Maior da Armada cessante “quase foi atirado pela janela”. Ana Gomes também comentou o caso: “Quem não se sente não é filho de boa gente”.

Adeus a um Prémio Nobel da PazMorreu ontem, aos 90 anos, Desmond Tutu, arcebispo emérito sul-africano e vencedor do Prémio Nobel da Paz de 1984 pelo seu ativismo contra o Apartheid. "A esperança é ser capaz de ver que existe luz apesar de toda a escuridão" é uma das frases célebres da "voz dos sem vozes", como lhe chamava Nelson Mandela e lhe chamou ontem António Guterres. Marcelo considera que Tutu foi "uma das grandes figuras do século XX".

Adeus a um ex-PresidenteO antigo Presidente grego Karolos Papoulias, que liderou o país entre 2005 e 2015, faleceu ontem aos 92 anos. Foi um dos fundadores do PASOK e resistente antinazi durante a ocupação do país, na II Guerra Mundial.

As acusações de Navalny – O opositor de Vladimir Putin, que se encontra a cumprir pena de prisão de dois anos e meio, acusa o estado português de receber “alguns subornos” e “pagamentos semioficiais e oficiais” em troca da atribuição da cidadania portuguesa a Roman Abramovich. De acordo com o “Público”, o processo ficou concluído a 30 de abril.

Fisco – Muito envelhecida (mais de metade dos funcionários tem mais de 55 anos), com poucas mulheres a mandar e medianamente qualificada: este é o retrato da entidade pública que cobra os nossos impostos.

Minuto Consumidor Como perceber a sua fatura da eletricidade?

Eletricidade em baixaO preço grossista da eletricidade na Península Ibérica desce hoje, e pela primeira vez em quase dois meses, para um valor abaixo dos 100 euros por megawatt-hora.

FRASES

Há quem interprete que havia o interesse de calar o almirante Gouveia e Melo, que tem estado aí a falar muito e que não tem estado necessariamente a fazer um grande serviço ao seu próprio prestígio, penso eu. Mas não tenho dúvidas de que tem todas as capacidades para cumprir, por todas as qualidades que vimos [na vacinação]. E confio que porá a Marinha de novo a navegar
Ana Gomes, ontem, no seu espaço de comentário na SIC Notícias, sobre a nomeação de Gouveia e Melo como chefe do Estado-Maior da Armada

É perigoso quando, em lugar de escutarmos, nos culpamos dos nossos erros; quando em vez de nos preocuparmos com os demais, nos centramos nas nossas próprias necessidades; quando em vez de falar, nos isolamos com os nossos telemóveis; quando nos acusamos uns aos outros, repetindo sempre as mesmas frases, encenado uma obra de teatro já vista na qual cada um quer ter razão e no final há um frio silêncio
Papa Francisco, ontem, durante a oração do Angelus, no Vaticano, abordando os problemas de alguns casais nos seus relacionamentos, a propósito do Dia da Sagrada Família

O QUE EU ANDO A LER

“Prélio” (“[Linguagem poética] Batalha, combate, luta”, define o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) é uma palavra que costumo usar para brincar com narrações desportivas anacrónicas, estando ao nível de “esférico” ou da imortal “arreliadora lesão”. Mas como que a provar que não deve haver palavras banidas por questões de gosto, encontrei um divertido “prélio” logo na primeira crónica de “Memórias de um craque”, de Fernando Assis Pacheco.

Trata-se da compilação de 30 textos publicados aos sábados pelo jornal “Record”, em 1972, que descrevem as façanhas – entre memórias que presumo reais e outras aumentadas – de infância do próprio autor. A maior parte são sobre futebol, mas também há referências a basquetebol, hóquei em patins, matraquilhos, campeonatos de fisga e de botões. O fio condutor é simples: Fernando era “o maior da Rua Guerra Junqueiro”, e descobriu-o na primeira vez em que foi chamado para ir à baliza nas peladinhas no quintal do vizinho Luís Marques (e logo deixando marca no tornozelo do Tó Mané Magalhães).

O cenário é a Coimbra dos anos 40 e a linguagem é imensamente divertida, cheia de calão: a “maltózia” da bola, o “moinante”, o “coice” para a baliza, o adversário “papado”, a “chincha” que vai de um lado para o outro. E leiam por exemplo esta descrição de como um tio foi convencido a levar o autor a um Académica-Benfica: “Catrafilei-o em minha casa, fiz-lhe duas dúzias de rapapés e pronto – caiu como um tio”.

O pai e o talhante Bernardino, que “não gostava de futebol”, fazem ocasionalmente papéis de maus da fita. E às vezes os colegas revelavam mau perder perante o craque: veja-se a crónica “De como o Fausto que morava em frente perdeu por oito a três e não quis comer o pão com marmelada”.

É uma deliciosa viagem à infância, em crónicas curtas que se leem de um trago. Perfeitas para estes dias de festas, em que muitos de nós temos crianças em volta, com experiências muito diferentes dos dias de brincadeiras na rua mas talvez com algum atrevimento comparável. E é também um livro ideal para quem está cansado do futebol moderno e quer um banho de desporto puro, quase sempre com um sorriso.

O QUE EU ANDO A OUVIR

Foi motivo de uma saudável discussão na redação, há umas semanas: defendi a tese de que os U2, que tantas coisas boas fizeram ao longo da carreira, estão mortos há 20 anos. Há mais de 20, aliás – para mim, o último álbum digno de registo é de 1997 e é o mal-amado “Pop”. Dei por mim a revisitar o disco, a começar pela última faixa, que me apareceu numa velha playlist: a excelente "Wake Up Dead Man" (o título vem mesmo a propósito), construída em cima de um sample das Vozes Búlgaras que anda por ali a assombrar os versos agnósticos de Bono.

Há mais boas canções em “Pop”, o derradeiro disco em que os U2 não passam a vida a olhar para o que deixaram para trás. Por exemplo, a irónica "The Playboy Mansion", a onírica "If You Wear That Velvet Dress" e "Gone", com The Edge a brincar com o pedal de efeitos. Ao espreitar na Wikipédia pelo alinhamento descubro que a BBC o colocou numa lista de álbuns aclamados pela crítica, mas que já ninguém ouve. Eu cá acho que não envelheceu nada mal.


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