Bom dia,
É difícil olharmos para o Portugal contemporâneo e pensarmos num personagem histórico cuja atuação seja mais antagónica e suscetível de dividir opiniões.
Ele foi, por um lado, um dos principais rostos e líderes, e o comandante operacional, do movimento militar que no dia 25 de Abril de 1974 derrubou o regime não democrático e trouxe de volta a liberdade aos portugueses. Ele era Otelo Saraiva de Carvalho, falecido este domingo, no Hospital Militar de Lisboa, aos 84 anos (o funeral é quarta-feira).
Se podemos dizer de alguém que a ele devemos a liberdade, este é um dos primeiros nomes a destacar.
Mas ele foi por outro lado também o Otelo líder radical que nos primeiros anos da democracia portuguesa agiu como mentor do movimento terrorista FP 25 de Abril.
Os homens e as mulheres são tantas e tantas vezes tão complexos e angulosos e cheios de arestas e facetas menos luminosas. Essa é a natureza humana. A natureza dos humanos, não dos santos.
E nesta newsletter, como jornalista, mais que elogiar ou criticar, endeusar ou vilipendiar, compete-me dar dados para ajudar o leitor a formar a sua própria opinião.
Otelo Saraiva de Carvalho nasceu em 31 de agosto de 1936 em Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique. Fez uma comissão durante a guerra colonial na Guiné-Bissau, onde se cruzou com o general António de Spínola. No Movimento das Forças Armadas (MFA), que derrubou a ditadura de Salazar e Caetano, foi o encarregado de elaborar o plano de operações militares. Depois do 25 de Abril, foi comandante do COPCON, o Comando Operacional do Continente, durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC), surgindo associado à chamada esquerda militar, mais radical, e foi candidato presidencial em 1976 (candidatura que repetiria na reeleição de Eanes). Na década de 1980, o seu nome surge associado às Forças Populares 25 de Abril (FP-25 de Abril), organização responsável por dezenas de atentados e 17 mortos. Foi condenado, em 1986, a 15 anos de prisão por associação terrorista. Em 1991, recebeu um indulto, tendo sido amnistiado cinco anos depois, uma decisão que levantou muita polémica.
Leia AQUI o perfil mais completo. E aqui as reações, diversas, à sua morte.
Eis alguns dos textos mais importantes a ler sobre Otelo, publicados pelo Expresso:
-"Os lados de Otelo", por Henrique Monteiro. O antigo diretor deste jornal, em que trabalhou durante décadas, é um dos mais experientes jornalistas de política nacional. Aqui explica como Otelo "é um herói e um vilão… mas se permitem uma nota pessoal, era uma companhia agradável e simpática, bom conversador, com sentido de humor. Não temos na história muitos assim. Otelo foi tudo"
-De outro jornalista com uma longa história no Expresso, José Pedro Castanheira, a revelação do último projeto de Otelo, agora inacabado - as suas memórias sobre o PREC.
-A entrevista a Otelo, feita por Clara Ferreira Alves, por ocasião dos 40 anos do 25 de Abril. "Apesar dos excessos, a Revolução foi um êxito".
-Cinco anos depois, nos 45 anos do 25 de Abril, este excelente trabalho multimédia sobre o misterioso mapa do 25 de Abril
-Aqui, a vida do Capitão de Abril em imagens. Como candidato presidencial em 1976, com Fidel Castro em Cuba, no julgamento das FP-25 de abril, ao lado de Álvaro Cunhal ou, simplesmente, a tomar o pequeno-almoço em casa
-Sobre as FP-25, Ricardo Costa escreveu a propósito do livro de história lançado já este ano sobre o movimento que atormentou o país na primeira metade dos anos 80. “FP-25 foram mais mortíferas do que as Brigadas Vermelhas ou os Grapo”
JOGOS OLÍMPICOS DE TÓQUIO
Já estamos em campo nos mais atípicos Jogos Olímpicos das nossas vidas. Para mim, desde sempre, assistir a uns Jogos é ver desportos que (quase) nunca vejo noutras alturas – natação, hipismo, tiro, ginástica, judo, ténis de mesa, etc, etc – e muitas vezes a horas totalmente impróprias. Na madrugada de domingo uma insónia ajudou-me a assistir à final do Street Skate, em que estava um português, Gustavo Ribeiro, em prova (ficou em oitavo). Ontem de manhã vi a prova de ginástica feminina por equipas. À noite, o triatlo.
E assim vai ser nas próximas semanas, naquele que é o evento maior do desporto mundial.
Os JO encerram sempre incríveis história de superação e dedicação. Como a de Oksana Chusovitina, ginasta que se despediu este domingo trinta anos depois de se ter estreado em olimpíadas.
Ainda na ginástica, a superlativa Simon Biles já entrou em prova. O dia nem lhe correu muito bem (o que para qualquer outro atleta quereria dizer que foi excepcional).
No basket, os EUA, que nos JO costumam ser conhecidos por Dream Team, perderam pela primeira vez um jogo desde… 2004. É verdade, e os autores da proeza foram os franceses.
Quanto aos portugueses, o dia não foi feliz. Nem para a judoca Telma Monteiro, uma das nossas grandes esperanças, nem para os dois triatletas Costa e Pereira, nem para a surfista Teresa Bonvalot. Nem para os remadores Fraga e Costa, nem para o tenista João Sousa.
No pólo oposto estão a equipa de hipismo (ensino equestre) e a algarvia Yolanda Hopkins, surfista, que bateu a conceituada francesa Johan Defay e já está nos quartos de final da prova. Agora, segue-se uma sul-africana, de nome Buitendag.
Em Tóquio, estreiam-se quatro modalidades. O surf, o skate, a escalada e o karaté. O próximo organizador de uns JO, França, já fez saber que em 2024 a novidade vai ser o… breakdance.
COVID-19
Este domingo, Portugal registou mais 8 mortes e 2.625 casos - e há mais pessoas nos hospitais.
Amanhã, terça-feira, regressa a reunião do Infarmed, com políticos e especialistas a prepararem os próximos passos, que podem passar por um início do aliviar das medidas restritivas para agosto, agora que a quarta vaga parece já ter atingido o pico. Saiba o que pode deixar de ser proibido.
Marcelo, olha para o que se passa com optimismo e "vê razões para esperança".
Os Estados Unidos estão a estudar a possibilidade de serem levantadas as regras quanto ao uso de máscara, no caso de pessoas já vacinadas. A revelação foi feita pelo especialista Fauci.
OUTRAS NOTÍCIAS
Cá dentro
Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (e que comissão) ao Novo Banco terminam esta semana. Uma semana em que há muito para acompanhar em matéria de banca em Portugal.
No PSD, Jorge Moreira da Silva aumenta a pressão sobre Rui Rio antes das eleições autárquicas de setembro.
Marques Mendes afirma que o Governo está "esgotado".
Notícia forte do fim de semana foi o corte de energia sentido em Portugal. Explicado, como afirma aqui o nosso especialista em energia Miguel Prado, por um toque de um avião de combate a incêndios num poste de alta tensão… em França.
Lá fora
Quatro jovens portugueses suspeitos de abusos sexuais a duas jovens espanholas encontram-se detidos deste sábado e devem ser ouvidos esta segunda-feira por uma magistrada em Gijon, Espanha.
Europa, Ásia, América. Um pouco por todo o lado os fenómenos climáticos extremos estão a suceder-se e a trazer de volta com mais força a discussão em torno das alterações climáticas.
Sobre este assunto, as Nações Unidas voltaram a exortar os países mais desenvolvidos a trilharem caminhos mais ambiciosos no combate às alterações climáticas.
Tabaqueiras querem transformar-se em "empresas de saúde e bem-estar" e acabar com os cigarros em dez anos
No Afeganistão, os EUA continuam a atacar e ameaçar os revoltosos talibãs.
Na política interna norte-americana, vem aí uma comissão bipartidária do Congresso para investigar os ataques ao Capitólio, no agitado período da transição de poder presidencial.
Em São Petersburgo, foi Vladimir Putin a aproveitar um desfile militar para realçar o poderio bélico da Rússia.
O QUE ANDO A LER
Foi há mais de vinte dias que tive a oportunidade de partilhar um Curto com os nossos leitores. Então, tinha terminado a incursão pela biografia de José Cardoso Pires, da autoria de Bruno Vieira Amaral, que recomendei fortemente. Depois disso, e que melhor homenagem se pode prestar a uma biografia, já devorei A Balada da Praia dos Cães e O Delfim, dois expoentes precisamente da obra de Cardoso Pires.
Pelo meio, outra forte recomendação de leitura, sobretudo mal seja editada em Portugal. Da autoria do jornalista norte-americano Brad Stone, “Amazon Unbound – Jeff Bezos anda the invention of a global empire”. Este livro é a continuação de um outro, com cerca de uma década, do mesmo autor, que é um misto de biografia de Bezos, o homem mais rico do mundo, e da Amazon, a empresa de entregas de livros online iniciada há duas décadas e meia e que é hoje um império global. Quando saiu “The Evertything Store” ainda Bezos não era o homem mais rico do mundo nem a Amazon a empresa com maior capitalização bolsista do planeta. O caminho desta última década é aqui retratado com mestria, culminando no recente afastamento do líder da Amazon da sua gestão diária. Lê-se de forma escorreita.
PODCASTS
👁️ Socorro! Estou a ser vigiado? Estima-se que possam existir cidadãos portugueses vigiados pelo software Pegasus, aplicação israelita de ciberespionagem que se aloja nos nossos telemóveis sem pedir permissão. Jornalistas, ativistas, políticos, líderes religiosos e empresários são os alvos preferenciais numa lista de 50 mil potenciais vítimas. Devemos ter receio? Nelson Escaravana, diretor da Área de Comunicações e Cibersegurança do INOV, conversa com Paulo Baldaia neste episódio do podcast diário Expresso da Manhã.
🎭 O 'Rei da Tragédia' teve uma vida apropriada à sua alcunha Dilip Kumar, estrela de Bollywood especializada em filmes dramáticos, fugiu da banca de fruta de seu pai para iniciar a sua carreira no cinema e era conhecido pela sua intensa forma de trabalhar, sendo mesmo considerado um dos primeiros 'method actors' do cinema indiano. Oiça aqui o seu obituário escrito e narrado por António Araújo neste episódio de Desastres Naturais.
🗳️ Medina sem maioria e PSD sem euforia Poderá o PSD alcançar um melhor resultado nestas autárquicas após o pior resultado de sempre nas últimas eleições? As autárquicas em discussão neste Expresso da Meia-Noite, com especial destaque para a maior câmara do país, Lisboa, e com uma chamada de atenção para a contínua ascensão do Chega. Comentam nesta edição David Dinis, Marina Costa Lobo, Daniel Oliveira e André Azevedo Alves, num programa moderado por Ricardo Costa e Ângela Silva.
Bom início de semana e excelentes leituras