Newsletter Expresso Curto

Hei, professor, não deixes os miúdos em paz

Bom dia!

As aulas recomeçam hoje para perto de dois milhões de alunos em Portugal. Com raríssimas exceções o regresso será virtual e sem prazo para voltar a ser presencial. A maior aproximação passa mesmo por ligar a câmara do computador, o que será bom mas requer que o aluno a tenha, e isso não é o caso de todos. Há esforços em curso mas falta equipamento e acesso à Internet. As tarifas irão descer para alguns, mas só daqui a uns meses.

Em abril de 2020 o primeiro-ministro prometeu que todas as escolas estariam preparadas para o ensino à distância no início do ano letivo, “aconteça o que acontecer”. Ora, aconteceram muitas coisas mas uma delas não foi o cumprimento dessa garantia. Nem então nem agora, passados cinco meses. A corrida aos portáteis está aí.

A Isabel Leiria, jornalista do Expresso dedicada à educação, preparou esta explicação sobre o que muda no ensino à distância e na oferta educativa televisiva para o secundário. Os alunos deste nível sentem-se, aliás, mais inseguros do que durante o primeiro confinamento.

Inseguros sentem-se também muitos pais, seja com a alimentação dos filhos em casos mais precários, seja com a articulação do teletrabalho com o apoio às crianças. “Eu se quiser ser uma boa mãe, sou uma má trabalhadora. E vice-versa”, reconhece ao “Público” Rita Fidalgo, mãe e empregada de um call centre.

Os miúdos sobreviverão? Claro que sim, mas não esqueçamos que a educação é um dos campos onde a pandemia mais agrava desigualdades pré-existentes. Fui pescar o título deste curto, é claro, à letra do clássico dos Pink Floyd, para dizer que aprender é a ferramenta que permite construir o futuro, “tijolo com tijolo num desenho lógico” (agora pedi emprestado a Chico Buarque).

A mais longo prazo, o Expresso da Manhã de hoje olha para a sala de aulas do futuro. São convidados do Paulo Baldaia o professor
Kyriakos Koursaris, da United Lisbon International School, e João Magalhães, fundador e CEO da tecnológica UBBU. No mesmo dia a PSP alerta para o risco acrescido de cyberbullying.

A luta contra a covid-19 prossegue, entretanto, em todas as faixas etárias, com prioridade para as mais avançadas. Falo da vacinação. Portugal recebeu ontem o primeiro lote da vacina da AstraZeneca/Oxford e se na África do Sul a sua utilização está suspensa, no Reino Unido insiste-se na sua eficácia, assunto de uma reunião da Organização Mundial de Saúde.

Ao mesmo tempo vai-se reconhecendo a necessidade de repensar a estratégia para atingir a inoculação generalizada da população. Eis um ponto de situação internacional (não parece que estejamos mal na comparação) e uma ajuda para perceber o que correu mal a nível europeu, e ainda a perspetiva crítica do Daniel Oliveira. Mas não pense que é só cá: do lado americano também há problemas de fornecimento e um conselho do maior especialista dos EUA.

Nesta margem do Atlântico espera-se que a campanha de imunização acelere sem ignóbeis abusos como os que foram noticiados nos últimos dias, e que poderão valer sanção penal. Deseja-se também que tenham razão os que dizem que este coronavírus pode vir a tornar-se pouco mais do que uma constipação ou os que alvitram que a vacina possa ter a forma de comprimido.

Até lá, porém, confinamento e vacinas são mesmo as melhores armas comprovadas. O especialista Pedro Simas pensa que estamos a conter bem a terceira vaga. No terreno, continua-se a recear uma catástrofe se os serviços de saúde se virem (ainda mais) assoberbados. E na economia, além da evidente mossa no PIB e no tecido empresarial, deteta-se queda de preços no imobiliário e mudanças na forma como lidamos com o dinheiro. Não desanimemos, haja pensamento positivo. Mas haja sobretudo ação individual e coletiva consciente, para as coisas não irem de mal a pior.

Outras notícias

DORIDO MAS VENCEDOR Francisco Rodrigues dos Santos viu o Conselho Nacional do CDS manifestar-lhe confiança por 54% dos votos, esvaziando o desafio de Adolfo Mesquita Nunes, na madrugada de sábado para domingo. O presidente do partido suspira de alívio e mostrou-se inspirado no programa de Ricardo Araújo Pereira, mas a sangria na direção não parou com a sua vitória. A guerra não acabou e vale a pena perceber de onde vem.

DESEJADO MAS POR CONFIRMAR Decorrem hoje mais conversações em Itália para viabilizar um Governo de Mario Draghi. O homem que salvou o euro enquanto presidente no Banco Central Europeu na década passada é chamado a salvar um país marcado pela instabilidade política e, ciente dos desaires de anteriores governos tecnocráticos, quer assegurar o apoio dos partidos e pode até atribuir-lhes pastas ministeriais. Bernardo Pires de Lima escreve sobre homens providenciais no DN”. No Telegraph aborda-se o desafio que espera Supermario.

OPRIMIDOS MAS LUTADORES Há mais de meio ano que os bielorrussos protestam pela liberdade que o ditador Alexandr Lukashenko lhe sonega. Ontem foi o 27.º domingo de luta, que também aconteceu em Lisboa. Mais a oriente, em Myanmar (ex-Birmânia), o povo saiu à rua contra o golpe militar que destruiu uma década de democratização.

DERROTADO MAS PROCESSADO Começa amanhã no Senado dos Estados Unidos da América o julgamento do processo de destituição de Donald Trump. Já não é Presidente mas pode ainda ser condenado e impedido de voltar a concorrer às presidenciais (há, de resto, outras formas de conseguir isso). Em causa está o incitamento ao assalto ao Capitólio, há pouco mais de um mês. O Partido Democrata parece ter mudado de tática.

QUARENTÃO MAS CAMPEÃO Tom Brady é mais velho do que eu e ganhou esta madrugada o seu sétimo título na Super Bowl. Como não ficar maravilhado. Os Tampa Bay Buccaneers venceram na sua cidade os Kansas City Chiefs por 31-9. Leia mais sobre o veterano e sobre outro veterano (melhor, um Boss) que se estreou na publicidade, a pretexto da final do futebol americano. No intervalo houve atuação de The Weeknd, que vem a Portugal em outubro de 2022.

DETERMINADO MAS EMPATADO Sérgio Conceição afirmou que o FC Porto seria campeão caso ganhasse todos os jogos da segunda volta. Pois ela começou ontem e os dragões empataram com o SC Braga a dois golos. A 18.ª jornada continua hoje com Farense-Moreirense, Benfica-Famalicão, Marítimo-Santa Clara e BSAD-Guimarães. O líder Sporting visita o Gil Vicente amanhã, dia ainda de Rio Ave-Tondela, Boavista-Nacional e Paços de Ferreira-Portimonense.

Presidência portuguesa da UE

O programa desta semana da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia inclui Comité Político e de Segurança, Webinar sobre política comercial e acordos comerciais uma conferência sobre propriedade intelectual na era digital, entre outas atividades. Ao mesmo tempo, em Bruxelas, pode-se ver design português.

O Governo empenha-se em fazer avançar o novo Pacto para a Migração e o Asilo durante o semestre em que Portugal preside aos 27. O ministro da Administração Interna reconhece as dificuldades do desafio mas puxa pelos exemplos de António Guterres e António Vitorino, seus compatriotas em importantes cargos internacionais neste campo.

Frases

“A realidade americana tem sido tão extrema nos últimos tempos que a sátira se tornou quase impossível. Tudo quanto se pudesse imaginar acontece mesmo”, afirmou Fran Lebowitz ao diário britânico “The Guardian”. A escritora protagoniza o documentário de Martin Scorsese “Pretend it’s a city”, deambulação movida a humor cáustico por Nova Iorque

“As negociações são um eufemismo para capitulação se a sombra do poder não se projetar sobre a mesa a que se regateia”, foi uma de várias frases inteligentes de George P. Shultz, antigo secretário de Estado americano dos EUA no tempo de Ronald Reagan. Morreu ontem com 100 anos e há quem aponte os perigos de parte do seu legado ter sido destruído.

O que ando a ler

“Hamnet”. Leu bem, não é gralha. O romance de Maggie O’Farrell, irlandesa migrada para Edimburgo, recria a vida do filho de William Shakespeare. Um de três, único rapaz, recebeu o nome de um amigo do escritor. Hamnet Shakespeare nasceu em 1585 e morreu aos 11 anos, bem antes de o bardo escrever a peça sobre o príncipe dinamarquês de quem o separa uma consoante. Ou nem tanto: os nomes eram intercambiáveis na Inglaterra do século XVI, segundo registos históricos. Da mesma forma a mulher de William e mãe de Hamnet, que ficou na memória como Anne Hathaway (e cuja casa se visita em Stratford-upon-Avon), é ao longo de todo o livro Agnes, nome com que pai a designou no testamento. É mais uma — ou talvez “a” — protagonista do livro, cuja ação vai alternando entre a última semana da vida de Hamnet e o início da relação entre os progenitores. O pai surge como marido, dramaturgo o mais das vezes fora da cidade, participa, mas nunca é nomeado nem as suas obras mencionadas. Impressionou-me o foco no corpo, frágil na doença, enigmático na gravidez, às vezes dorido, outras orgástico, em todas as ocasiões tanto daquilo que somos. Impressionou-me o eco da maleita que mata Hamnet no tempo que agora vivemos. Copiosamente premiada (Waterstones Book of the Year, Women’s Prize for Fiction), O’Farrell venceu neste segundo galardão duas escritoras de que já aqui falei: Bernardine Evaristo e Hilary Mantel. Partilha com esta última a capacidade de me levar à Albion onde a pandemia não permite ir, ao tempo dos Tudor que me encanta, com uma voz nova e ao mesmo tempo familiar. Não sei quando sai a versão portuguesa de “Hamnet”. O’Farrell tem obra publicada entre nós nas editoras Presença e Elsinore. E se isto lhe tiver dado vontade de reler “Hamlet”, há uma tradução de Sophia de Mello Breyner Andresen, prefaciada por Luís Miguel Cintra, na Assírio & Alvim.

O que ando a ouvir

O Teatro Nacional de São Carlos transmitiu esta semana, nas redes sociais, concertos da temporada que o novo confinamento interrompeu. A última foi ontem, vale a pena estar atento, na esperança de que prolonguem a experiância.

A partir de sexta-feira, dia 12, é a Fundação Calouste Gulbenkian que oferece concertos, a começar logo com Maria João Pires a tocar o concerto n. 20 de Mozart para piano e orquestra (K.466), um dos meus preferidos.

Nos discos contam-se entre as audições recentes os madrigais de Carlo Gesualdo, compositor italiano do tempo do livro de que há pouco falava, pelo sempre estimulante ensemble barroco Les Arts Florissants; o registo ao vivo da rapper Capicua; e os sons nigerianos de Femi e Made Kuti, respetivamente filho e neto do grande Fela Kuti.

O que ando a ver

Comprei bilhetes ao preço da chuva (3€) para ver (em casa, claro está) as peças Fake”, do Teatro Nacional Dona Maria II, e “O cerejal”, do São Luiz. Os teatros municipais do Porto também têm programação digital, como o Centro Cultural de Belém.

E porque já tenho saudades de ir ao cinema, tenho seguido mais uma Quarentena Cinéfila da Medeia Filmes, este ano sob o mote “Raridades”. De hoje até quarta-feira (cada obra fica patente 48 horas) é exibido “Alguns dias em Setembro”, de Santiago Amigorena, com Juliette Binoche e Nick Nolte. Seguem-se “Eu e tu”, de Bernardo Bertolucci (11 fevereiro); “A uma hora incerta”, de Carlos Saboga (15 fevereiro); “Sem destino”, de Monte Hellman (18 de fevereiro); “A adolescência tardia de Jean-Michel Basquiat”, de Sara Driver (22 de fevereiro); e ASAS (1966), de Larisa Shepitko (25 de fevereiro).

Passando às exposições e insistindo pela enésima vez em que #aculturaésegura e precisa de apoio, destaco propostas como esta quase autópsia a
Guernica”, de Picasso, no madrileno Museu Reina Sofía; Rembrandt no Thyssen-Bornemisza mesmo ali ao lado (que é como quem diz aqui no ecrã de cada um); Artemisia Gentileschi na londrina National Gallery ou como os quadros se movem no parisino Musée
d’Orsay.

Recordo que estão no ar podcasts do nosso jornal que vale a pena ouvir, do Expresso da Meia-Noite da passada sexta-feira, dedicado ao magno tema da vacinação contra a covid-19 já acima referido ao África Agora, onde a Cristina Peres entrevistou o ministro dos Negócios Estrangeiros recém-regressado de Moçambique, onde estudou formas de combater o terrorismo jiadista na província nortenha de Cabo Delgado. Acabadinho de sair do forno está mais um episódio de O Mundo a Seus Pés, conduzido pelo subscritor destas linhas, a abordar os protestos que sacodem a Tailândia há mais de um ano. Feito o convite, resta despedir-me. Boa semana!