Bom dia.
O PS tem uma queda fatal para dar ares de pinga-amor. Esbanja apaixonadas declarações de total entrega e absoluta fidelidade à coisa pública em geral, ou em particular à educação, ao Serviço Nacional de Saúde, à proteção dos trabalhadores através da legislação laboral, para depois, com relativa frequência rasgar as vestes e passar a ideia de que tudo não terá passado, afinal, de amores de Verão.
Aí está António Costa para o demonstrar uma vez mais. Está já a preparar o programa eleitoral para as legislativas de outubro e, sobretudo, não pretende deixar o partido adormecer à sombra dos resultados europeias. Costa aponta quatro prioridades para serem discutidas nas quatro convenções destinadas a preparar o programa eleitoral: alterações climáticas; desafio demográfico; transição para a sociedade digital; e combate às desigualdades.
Após a reunião da comissão política nacional, e numa intervenção aberta à comunicação social, o primeiro-ministro apontou a necessidade de um esforço redobrado para a aprovação de diplomas-chave, como a Lei de Bases da Saúde, a nova lei laboral ou o Programa Nacional de Infraestruturas.
Nada de particularmente difícil, dir-se-ia, dados os acordos de incidência parlamentar existentes com a esquerda do PS. PCP e BE assumem ideias e posições muito claras sobre a Lei de Bases da Saúde ou a legislação laboral.
Como qualquer vulgar pinga-amor, o PS faz lembrar a tragicomédia “Frágua do Amor”, representada em Évora em 1524 na festa do casamento do rei D. João III com a rainha D. Catarina. Com Cupido a assumir um lugar central, mestre Gil Vicente aborda o problema das identidades desejadas, mas não conseguidas por falta de empenho ou de autenticidade. Em palavras mais simples, Sérgio Godinho pergunta se pode alguém ser quem não é.
Ora, o PS tem andado a pedir namoro à esquerda e à direita para aprovar a nova Lei de Bases da Saúde, e depois de ter dado o dito por não dito, chegou a acordo com a direita na legislação laboral.
Rui Rio, homem muito frontal, já veio avisar que não vai na conversa. Não é pessoa para dois amores. Assim, esclareceu que “o PSD está totalmente disponível para acatar sugestões do PS”... na aprovação da lei do PSD.
Como se escreve no Expresso, “os socialistas vão deitar a toalha ao chão”. Já não acreditam ser possível salvar a nova Lei de Bases da Saúde. O chumbo anunciado do PSD e o que o PS classifica como “a ‘enorme intransigência’ do Bloco de Esquerda”, deitam por terra as hipóteses de aprovação de uma nova lei. O PCP, assegurava ontem à noite António Filipe na SIC Notícias, manterá uma posição de abertura negocial até o último momento.
O dilema é o de sempre. O PS gosta de usufruir dos benefícios resultantes da sua inclusão no clube da esquerda, mas não gosta de assumir as consequências da opção coerente e consistente das decisões à esquerda. Por isso acaba por ter tendência a entender-se com a direita em questões tão estruturantes para a definição de uma política de esquerda, como são a Lei de Bases da Saúde ou a legislação laboral. Ficam cobertas com o véu de viúvas do PS.
OUTRAS NOTÍCIAS
Fernando Anastácio, deputado do PS, foi o responsável pelas negociações do aumento de salário dos juízes, aproado com os votos do PS, PCP e CDS, que pode agora ultrapassar o valor auferido pelo primeiro-ministro. Acontece que Anastácio é casado com uma juíza desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa. A notícia explodiu ao fim da noite de ontem no Expresso on line. Ali se explica que o deputado não vê que haja qualquer incompatibilidade.
A remuneração total dos juízes conselheiros vai ter um aumento mensal entre 600 e 700 euros, segundo a tabela aprovada em comissão parlamentar pelo PS, PCP e CDS/PP e divulgada esta quinta-feira numa mensagem no Twitter por Rui Rio.
A Operação Marquês ainda tem muito para dar e a cada dia aparecem novos dados. Agora é o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos, que terá dito esta quinta-feira em tribunal que José Sócrates o tinha alertado para as repercussões políticas da escolha de Armando Vara para administrador da CGD. Teixeira dos Santos não partilhara esta informação com os investigadores do Ministério Público.
Na passada terça-feira, a direção de Finanças do Porto desencadeou uma muito polémica operação STOP, em Valongo. Operacionais da Autoridade Tributária e Aduaneira e da GNR mandaram parar automobilistas com dívidas fiscais e houve penhoras e apreensões de viaturas. Esta quarta-feira aconteceu o inevitável: o diretor de Finanças do Porto, José Manuel Oliveira e Castro, demitiu-se.
Ninguém sabe quantos soldados portugueses morreram em Angola durante a guerra colonial. Segundo um levantamento das autoridades locais, estão sepultados em dois cemitérios da província de Luanda – o cemitério do Alto das Cruzes e o de Santana – os restos mortais de mais de mil militares portugueses. O Governo português, através do ministro da Defesa, Gomes Cravinho, considera necessário e “um dever de memória” honrar a memória desses soldados.
Há um ano o Expresso revelou o caso dos deputados das ilhas que recebiam um reembolso por viagens para os Açores e para a Madeira que já eram pagas pela Assembleia da República. Agora anunciam-se mudanças para evitar subsídios em duplicado, moradas falsas, presenças-fantasma. Os deputados chegaram ao consenso possível para mudar as regras - que serão aprovadas esta sexta-feira. Veja aqui o que vai mudar.
Tenha cuidado com o calor. Portugal continental e o arquipélago da Madeira apresentam hoje um risco muito elevado de exposição à radiação ultravioleta (UV), segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).
LÁ FORA
A Administração Civil do Ministério da Defesa de Israel, órgão que gere a ocupação da Cisjordânia, vai leiloar na próxima semana bens doados pela União Europeia e vários países europeus, confiscados pelo Exército israelita a civis palestinianos em outubro passado.
Donald Trump continua o combate à imigração. Anunciou agora o agravamento de 5% nas taxas aplicadas a todos os produtos importados do México a partir de 10 de junho. O agravamento aumentará gradualmente até atingir os 25%, enquanto não receber garantias de um mais eficaz combate aos chamados “sem papéis”.
O comandante do navio que colidiu com a embarcação de turismo afundada em Budapeste, e que provocou a morte de pelo menos sete pessoas, foi detido pelas autoridades, anunciou a polícia húngara.
O alpinista nepalês Nirmal Purja conta aqui a história por trás da imagem de uma aglomeração de pessoas nunca antes vista na escalada do monte Everest, e como isso o fez antever a tragédia ocorrida no passado dia 22 de maio. Mais de 200 pessoas tentavam alcançar o teto do mundo. Dez morreram.
PRIMEIRAS PÁGINAS
Máquina não está preparada para descongelar carreiras no Estado – Público
Custo de comprar casa desce e aumenta no arrendamento – JN
Genérico para o VIH chega aos hospitais depois de guerra em tribunal – DN
Siza e Souto Moura discutem a arquitetura da felicidade – I
5 mil polícias recusam patrulhar bairros – Correio da Manhã
FRASES
“O projeto europeu é único, excecional e o mais avançado do ponto de vista civilizacional. Mas, como todos, enfrentou uma realidade que não contemplara, sobretudo no tocante à moeda única”. José Luis Rodríguez Sapatero, ex-Primeiro Ministro de Espanha em entrevista ao Expresso a publicar na íntegra na edição deste sábado
“Quando nós olhamos para o voto e o tratamos como um produto de marketing e tentamos vender as nossas propostas como quem vende uma pasta de dentes, naturalmente que aí, se perdermos, não perdemos de pé”. Rui Rio, presidente do PSD
“O PS só surge como vitorioso incontestado por causa da aparatosa derrota do PSD e do CDS. A sua vitória é poucochinha, a derrota da direita é muito significativa e só começa por parecer menos grave porque já vem de 2014”. Daniel Oliveira, colunista, no Expresso Diário
O QUE ANDO A LER
Os livros acrescentam-nos tempo ao tempo. Nunca há tempo perdido sempre e quando abrimos um livro e navegamos no tempo por ele construído. Há tempo conquistado. Há tempo vivido de um modo único e irrepetível. Se voltamos a um livro depois de lido, o tempo encontrado é diferente do tempo antes usufruído. É um outro tempo. É um novo tempo. Por isso gosto do tempo que o tempo me dá para viver o tempo dos livros.
Mesmo quando tenho de inventar o tempo que não me sobra do dia a dia. Mesmo quando passa o tempo e concluo não ter ainda conseguido acabar de ler o livro de que aqui falei no meu último Curto, “Cultura & Imperialismo”, de Edward W. Said, que na fase em que vou, ao falar da criação artística no século XIX, e de autores como Jane Austen, Charles Dickens ou as irmãs Bronte diz que "formas culturais como o romance ou a ópera não fizeram com que as pessoas saíssem a conquistar impérios. (...) Mas é autenticamente perturbador comprovar quão pouco se opuseram à aceleração do processo imperialista das grandes instituições inglesas, apesar de todas essas ideias humanistas e esses monumentos que ainda hoje celebramos e aos quais atribuímos o poder ahistórico de exigir a nossa aprovação. Estamos obrigados a perguntar-nos como e porquê este corpo humanista coexistia tão comodamente com o imperialismo, até que surgiu a resistência ao imperialismo nos próprios domínios imperiais (entre os africanos, os asiáticos e os latinoamericanos)".
Por outro lado, apetece-me vivenciar desde já o que antecipo ser o tempo das delícias a proporcionar por uma das leituras colocadas no cimo de uma pilha quase pornográfica de livros por e para ler. Refiro-me ao romance que assinala 50 anos de vida literária de Mário Cláudio, acabado de publicar, intitulado “Tríptico da Salvação”. Vamos encontrar-nos com Lucas Cranach e o amanuense de um homem de leis que decide assassinar lentamente o seu patrão e roubar-lhe o sonho de encomendar um tríptico a representar a Crucificação, a Deposição e a Ressurreição de Cristo para oferecer à igreja onde fora batizado. É um tempo outro o contido na proposta de Mário Cláudio, do qual escorrerá, estou certo, um tempo singular, de reflexão, questionamento e viagem.
Li há umas semanas e fiquei com vontade reler um dos mais inventivos e desafiantes romances com que me cruzei nos últimos tempos. “Torto Arado”, do brasileiro Itamar Vieira Junior venceu o Prémio Leya 2018 e será apresentado este domingo na Feira do Livro de Lisboa.
Tenho estado a ler “O rapaz que queria aprender a olhar”, do jornalista Vítor Pinto Basto, um outro tipo de viagem a um outro tipo de tempo, cristalizado nas memórias do fascismo salazarento.
Por fim, e apenas por ser necessário colocar termo a uma deambulação condicionada sobretudo pelo tempo de leitura que cada um estará disponível a dedicar a um Expresso Curto, fico-me com algo de intemporal. Acaba de ser publicado “O escândalo do século”, de Gabriel Garcia Marquez, onde se reúnem cinquenta textos jornalísticos do autor de “Cem anos de Solidão”. O problema das definições sintéticas está no tempo que seria necessário para as desembrulhar e mostrar como a expressão “textos jornalísticos” é brutal, por tão redutora, quando se trata da riqueza infinita da escrita de Garcia Marquez.
Tenha um bom dia e um excelente fim de semana, com boas leituras. Por exemplo nas várias plataformas do Expresso. Amanhã o semanário estará nas bancas.