Ora viva!
Já lá vão 55 anos desde que Zeca Afonso escreveu e cantou "Os Vampiros", já lá vão 45 desde que nos libertámos desses. Mas em Portugal parece sobrar uma certa cultura de impunidade no Estado que nos deve levar a cantar o que Zeca cantou então.
Ontem foi "o dia em que uma operação na autoestrada expôs o Fisco ao ridículo". Foi o dia em que o Fisco foi para a autoestrada parar quem lhe apeteceu, para cobrar o imposto de circulação a quem não tinha pago. Não foi uma operação isolada: segundo o Diário de Notícias, foi a 5ª vez que o fizeram desde 7 de maio, segundo o Correio da Manhã foram mandadas parar 4500 viaturas, para apanhar 93 portugueses em falta - mesmo que só "por um dia ou dois" de atraso. Houve quem não quisesse (ou não pudesse) pagar de imediato e tivesse ficado com o carro apreendido.
Mas à 5ª vez o caso apareceu nas televisões, fez correr tinta nos jornais. O Ministério das Finanças mandou cancelar a operação. E o Fisco mandou dizer que nem sabia como os inspetores foram para a estrada cobrar dívidas - tendo 1001 meios alternativos para o fazer. O Governo reagiu à noite, com o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a assumir que "a operação foi desproporcionada" e mandou fazer um inquérito para “para determinar todo o enquadramento da situação”. Descansem os senhores do Fisco: "Isso não implica pedir a cabeça [dos responsáveis] - tem de se dar a oportunidade para se melhorar”, garantiu o governante.
Sim, não haverá consequências, porque para o Governo a operação teve um objetivo "benigno" e "“não é este episódio que vai retirar excelência à AT”. Os juristas garantem que foi pura e simplesmente "ilegal", Para outros, foi até "medieval". Há 55 anos, o Zeca disse as coisas de outra forma. Tantos anos depois do 25 de abril, às vezes parece que o Estado ainda pode tudo - e não deixa nada.
"São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei"
OUTRAS NOTÍCIAS
O caso do Fisco poderia ser um belo argumento de pré-campanha para a CDU, se esta não estivesse presa à "geringonça" e aparentemente refém dos seus resultados. Ontem, foi isso que se viu na sequência do Comité Central: apesar da derrota de domingo ter este aspeto no mapa, tudo está "a correr bem" e não há "arrependimento". Também poderia ser um belo argumento de pré-campanha para o PSD, mas este ficou mudo e quedo, na ressaca da pior derrota da sua história - o que até levou outro derrotado, Santana Lopes, a perguntar por que ninguém pede a cabeça de Rui Rio. Se quiser perceber o silêncio de uns e a felicidade de outros, a minha recomendação é que ouça a nossa Comissão Política de ontem. Inclui as Doce, um Bobi e um Tareco, não paga imposto e dá direito a boas gargalhadas.
Entretanto o PSD exige saber quem deve à banca. Isso mesmo: o relatório sobre os devedores à banca que uma estranha coligação entre direita e esquerda obrigou o Banco de Portugal a divulgar não mostra, como seria de esperar, os dados sobre os devedores - estes ficaram no Excel, fechado às sete chaves e obrigando os poucos deputados que os receberão a rigoroso sigilo. Não satisfeitos, os deputados do PSD acusam o banco central de "ilegalidade". Do Bloco e PCP (para não dizer do PS) ainda não se ouviu uma palavra.
Mas a novela dos devedores só vai no primeiro capítulo. Ontem, o antigo dono de uma devedora da Caixa foi ao Parlamento dizer isto: "Eu não devo absolutamente nada à Caixa". E até Tomás Correia foi ao Parlamento dizer que se demitiu da administração da CGD em 2003 porque a política de crédito do banco público "tinha deixado de ser prudente". Dizem os relatos da comissão que o fez sem se rir na cara dos deputados, como fez Berardo.
A propósito de Joe Berardo: ontem, também foi ao Parlamento a ministra da Cultura. Mas sobre a coleção do comendador não disse nada: "Não é o momento nem o local". Então está bem.
Na Saúde também há notícias de bradar aos céus. Por exemplo, um hospital deixou uma mulher em trabalho de parto ir sozinha para outro hospital por falta de vagas. Mais um exemplo: outro hospital internou doentes em refeitórios e casas de banho (arriscando agora um multa... de 44 de mil euros).
E outra ainda, na Segurança Social: os processos de adoção em Lisboa ficaram parados, porque a única funcionária que disponível esteve de baixa e não foi substituída, escreve o DN.
Na economia, mais uns degraus que se descem: Portugal foi o 2º país que mais viu descer o seu nível de competitividade face ao ano passado. Já vamos em 39º na lista.
Bom, deixamos as nossas desgraças por momentos?
Se quiser poupar na fatura da luz, o regulador criou um simulador que o pode ajudar. Contente com isto, aproveitando o dia Mundial da Energia, o Miguel Prado deixou-nos um bonito guia para a forma como consumimos energia em Portugal. É interativo e não custa nada.
A descida dos preços tirou carros da Ponte 25 de Abril: mais 12 mil pessoas atravessaram o Tejo de comboio, diz o Público.
A subida de cotação deu a António Costa o poder de mexer com os altos cargos da Europa. Na mini-cimeira de ontem, o alvo foi a direita e o objetivo será uma Eurogeringonça. E agora, o que vai acontecer em Bruxelas? - pergunta a Susana Frexes.
E Marcelo? Bem, dizem as notícias que Marcelo bateu mais um recorde. Este. É o que temos.
AS FRASES
“É uma possibilidade criar equipa para investigar as relações entre Sócrates, Lula e Chavéz”,
Sérgio Moro, ministro da Justiça do Brasil ao Observador.
“Em 2005, tenho ideia de que um presidente de um partido que levou com um golpe de estado em cima teve de se demitir porque teve 28,7%. Será verdade que, no mesmo País, um presidente desse mesmo partido teve, esta semana, 21,9% e ninguém pediu a demissão?”
Santana Lopes, líder do Aliança, ex-líder do PSD, na rede social Twitter
“Este tipo de operações pode existir, mas se tiver uma finalidade certa”,
António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à SIC-Notícias.
"Mais do que um mecanismo de redistribuição e de justiça social, o fisco português assume a pose do xerife de Nothingham, mais preocupado com a extorsão do que com o cumprimento de deveres"
Manuel Carvalho, no Público
O QUE ANDO A LER
Há pouco mais de um mês entrei na Livraria da Travessa, em Ipanema, e pedi a ajuda de sempre a um rapaz no balcão: ajuda-me a encontrar um autor novo brasileiro que valha a pena levar para Lisboa? Ele não esperava a pergunta, mas parecia ter a resposta pronta para o primeiro que lhe perguntasse:
"Oi cara! Você tem que levar o Marçal Aquino e o Milton Hatoum! São os dois únicos, tudo o resto é merda".
Eu pedi só um, mas com aquela resposta não tinham como não trazer os dois. O segundo chama-se "Dois irmãos" - e ainda não lhe peguei. O primeiro tem um dos títulos (e capas) mais bonitos que já tive nas mãos: "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios".
Foi uma das melhores notícias que recebi. Outra foi esta: a Livraria da Travessa, uma das minhas preferidas no mundo inteiro, abriu agora em Lisboa também. E já agora outra, que se repete felizmente ano após ano: a Feira do Livro de Lisboa abre hoje. Passarei por lá. Precisamos tanto de boas notícias.
Tenha um dia feliz.
Nós estaremos sempre por aqui, para lhe contar tudo (sejam boas, más ou simplesmente notícias).