Newsletter Expresso Curto

Uma família muito socialista

Bom dia.

Conhece Carlos César?

Sim, o pai do Francisco, o líder parlamentar do PS-Açores. O marido da Luísa, que é presidente da Casa da Autonomia, também nos Açores. Não está a ver quem é? O sogro da Rafaela, que é chefe de gabinete numa secretaria regional no Governo dos Açores. O irmão do Horácio, um histórico assessor de vários governos do PS. Sim, esse Carlos César, o tio da Inês, que foi há tempos contratada pela empresa municipal de bairros sociais de Lisboa.

Pois, foi Carlos César, que também é presidente e líder parlamentar do PS, a personalidade socialista que reagiu às acusações de nepotismo, endogamia e favorecimento que pendem sobre o Governo, conforme se vão descobrindo mais e mais nomeações de familiares de deputados e dirigentes do PS. A piada está feita.

Esta manhã, o Correio da Manhã revela mais um caso. O novo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, nomeou para seu assessor Pedro Anastácio, um jovem jurista praticamente sem outro currículo a não ser o facto de ser membro do secretariado da Juventude Socialista e… filho do deputado do PS Fernando Anastácio. O mesmo Duarte Cordeiro já tinha sido notícia por ter como sua chefe de gabinete a mulher do seu amigo e ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, enquanto a mulher de Duarte Cordeiro foi nomeada pelo Governo para dirigir o Fundo de Inovação Social.

São apenas alguns dos desenvolvimentos mais recentes da novela socialista Laços de Família, que tem merecido críticas da direita e da esquerda. Ontem, o PS reagiu através da voz enérgica (e autorizada) de Carlos César. Para o líder parlamentar, não há problema nenhum, nem há com que se admirar. “Acho natural que, em determinadas famílias, onde essa vocação se multiplica, as pessoas tenham empenhamento cívico similar. Não me admiro nada que essas coisas aconteçam. O que é importante é existir transparência e competência”, disse durante as jornadas parlamentares do PS.

Nesta estratégia de normalização do que não devia ser normal, Carlos César distribuiu recados. O BE, que fez umas suaves críticas sobre a quantidade de familiares que povoam lugares de nomeação socialista, não ficou sem resposta. “Fico muito surpreendido com acusações dessa natureza. Não percebo como é que o BE as pode fazer, sendo um partido onde são diretas e abundantes as ligações familiares no seu grupo parlamentar”, disse César, numa referência às gémeas Mortágua. E Marques Mendes também ouviu, por ser filho de um antigo deputado do PSD e irmão de uma atual deputada social-democrata.

Sobre este caso, Rui Rio diz que "o mal é que o presidente do PS entende que isso é normal”. E Paulo Rangel, uma das primeiras vozes a fazer deste assunto um tema de combate político, sublinha hoje no Público que “esta nova vaga de nomeações de ‘proximidade familiar’ ocorreu já depois de múltiplas críticas, reparos e avisos à navegação”.

Por falar em jornadas parlamentares do PS, as ditas acabaram ontem, e, conforme conta o Miguel Santos Carrapatoso, o balanço é fácil de fazer: os pontos altos foram umas bochechas de porco assadas, um leitão e uma cabidela. De política propriamente dita, só houve um cheirinho, quando César se queixou dos parceiros de coligação, dizendo que foi “por vezes penoso” trabalhar com o PCP e o BE. Com tanto azedume, até se poderia supor que as bochechas lhe terão caído mal, mas, de acordo com o repórter no local, estas foram “amplamente aclamadas”.

OUTRAS NOTÍCIAS

Na já longa sucessão de momentos inéditos que tem sido o Brexit, ontem aconteceu mais um. A Câmara dos Comuns aprovou uma emenda pela qual a condução do processo foi retirada ao Governo, passando para o Parlamento. Uma colossal derrota de Theresa May, num caso cujo desfecho cada vez mais provável é o pior possível - a saída sem acordo -, conforme avisou ontem a Comissão Europeia.

Na edição de 9 de março a revista E publicou o diário de um português no coração do Brexit. Esta semana, o jornalista Paulo Anunciação atualiza o diário, em versão blogue, que pode acompanhar aqui.

milhares de pensões (poderão ser cerca de cem mil) que terão de ser recalculadas, com benefício para os pensionistas. A notícia é dada pelo Público: o Tribunal Constitucional decidiu na semana passada que a forma como foram calculadas as novas pensões durante o Governo de Passos Coelho violava a lei e prejudicava os pensionistas. Em causa, a decisão do Governo PSD-CDS de calcular as novas pensões, não de acordo com as regras vigentes quando foi feito o pedido, mas segundo as regras em vigor no momento em que o pedido foi despachado. Como, nesses tempos, as regras mudavam todos os anos, e sempre em prejuízo dos pensionistas, é fácil perceber que a revisão agora imposta poderá beneficiar muita gente.

Hoje é o primeiro dia de venda dos novos passes sociais a preço reduzido. Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, vem hoje reclamar a paternidade da ideia do passe único metropolitano - que o Governo do PS agora concretizou, estando por isso sob fogo do PSD. Em declarações ao jornal i, Carreiras diz que a sua autarquia está a trabalhar nesse projeto há dois anos, e não compreende os ataques que o seu PSD tem feito a uma boa medida. As críticas, diz Carreiras, só se podem explicar por “grande desinformação” sobre o sistema e “algum desconhecimento da realidade” pela parte de Rui Rio e da direção do PSD.

A redução dos passes dos transportes públicos não vai incluir os barcos que operam no Sado entre Setúbal e Troia. O absurdo mede-se nesta comparação: o passe apenas para fazer aquela travessia fluvial vai custar o dobro de um passe para toda a Área Metropolitana de Lisboa. O operador daquela travessia, que está ligado ao empreendimento turístico de Troia (do grupo Sonae), dá assim mais um passo no sentido de transformar aquela península numa espécie de resort privado só para ricos.

Hoje será mais um dia de glória para Mário Centeno: o Instituto Nacional de Estatística vai revelar o défice final de 2018, que terá ficado, mais uma vez, abaixo do previsto. “Dentro em breve passaremos a falar de excedentes”, disse ontem o ministro das Finanças, que continua sob forte crítica dos partidos de esquerda. Logo à noite, não perca a entrevista de Centeno à SIC.

Ainda nos balanços de 2018: o Correio da Manhã dá conta de que nunca se venderam tantas casas em Portugal como no ano passado. Foram quase 180 mil transações. Mas o Negócios chama a atenção para a inversão da tendência - a venda de casas teve em 2018 o menor crescimento dos últimos quatro anos, e abrandou na parte final do ano.

Sem surpresa, o anúncio de que um banco (o BPI) vai passar a cobrar uma comissão pelas transferências através do MB Way, fez cair a utilização daquela app.

Chegou ontem a Lisboa um grupo de portugueses que viviam em Moçambique e decidiram regressar depois da tragédia do ciclone Idai. A SIC transportou alguns até ao Palácio de Belém, onde foram recebido pelo Presidente da República.

Nos Estados Unidos ainda é a hora da digestão do Relatório Mueller. “A investigação a Donald Trump não acabou. Isto não é o fim. Isto nem sequer é o princípio do fim. É o fim do princípio. O primeiro ato acabou e o próximo ato está prestes a começar”, avisa um analista ouvido pelo Expresso. Fios para puxar é o que não falta, desde os indícios de obstrução à justiça até às misteriosas declarações fiscais que o Presidente dos EUA continua a esconder.

O procurador-geral já enviou para o Congresso um resumo (feito dentro do Governo) do relatório sobre a investigação às ligações de Trump com a Rússia, mas a maioria democrata exige acesso ao documento na íntegra. E o próprio procurador-geral, que é suspeito de estar a proteger Trump, será chamado a dar explicações ao Congresso.

Trump, por seu lado, não perdeu tempo a virar o jogo, usando contra a oposição democrata e os media o facto da investigação independente não ter encontrado qualquer prova de conluio com Putin.

Foi revogada ontem a prisão preventiva de Michel Temer - acusado de ser o líder de uma organização criminosa envolvida em processos de corrupção.

130 municípios que vão dar este ano um desconto no IRS dos seus munícipes. Confira a lista aqui.

Arranca esta terça-feira a segunda comissão parlamentar de inquérito sobre os negócios da Caixa Geral de Depósitos. O Diogo Cavaleiro faz a antecipação do que pode esperar deste segundo round - no mínimo, é expetável que esta CPI tenha conclusões finais, o que, na anterior, nem aconteceu.

Prescreveram quatro dos crimes imputados ao ex-sucateiro Manuel Godinho e a outros três arguidos do processo “Face Oculta”.

A Seleção Nacional voltou a empatar, agora contra a Sérvia, no segundo jogo de qualificação para o Euro 2020. Desta vez, à falta de pontaria, somou-se a incompetência da equipa de arbitragem, que não assinalou um penalti que toda a gente viu menos o fiscal de linha. Segundo o seleccionador nacional, Fernando Santos, o árbitro pediu desculpa pelo erro.

E agora aquela notícia insólita que fica sempre bem a terminar: um voo da British Airways partiu de Londres com destino a Düsseldorf e aterrou em Edimburgo. Mau tempo? Uma emergência? Nada disso - foi mesmo um engano.


AS MANCHETES DE HOJE

Público: “Função Pública. Perto de 100 mil pensões terão de ser revistas”

Negócios: “Venda de casas perde fôlego no final do ano”

Jornal de Notícias: “Avarias no INEM põem em causa socorro no Porto, Gaia e Coimbra”

i: “Faz hoje 20 anos que Marcelo bateu com a porta do PSD”

Correio da Manhã: “Viúva Rosa e amante nas mãos de júri”


O QUE ANDO A LER

“Desejo falar-vos hoje sobre a tragédia da Europa”, disse ele, perante uma audiência suspensa de cada entoação e de cada gesto do orador, recebido como uma autêntica estrela pop. “Se a Europa, por uma vez, se unisse na partilha da sua herança comum, não haveria limites à felicidade, prosperidade e glória de que usufruiriam os seus 300 ou 400 milhões de habitantes”, disse ele. Passara menos de um ano sobre a II Guerra Mundial, e as feridas do conflito ainda estavam longe de sarar - mas para ele, a prioridade já era evitar que as feridas fossem reabertas com outra guerra, que seria mais sangrenta e ainda mais imprevisível. Para evitar que “a Idade das Trevas [regressasse] com toda a sua crueldade e miséria”, a Europa tinha à disposição “um remédio que, se fosse genérica e espontaneamente adotado, transformaria, como que por milagre, todo este cenário, e em poucos anos tornaria toda a Europa, ou a maior parte dela, num território (...) livre e feliz”, disse ele. “Temos de construir uma espécie de Estados Unidos da Europa”.

O discurso de Winston Churchill, proferido em Zurique em setembro de 1946, não foi tão galvanizador como aquele em que Churchill prometeu, em 1940, resistir à besta nazi com “sangue, fadiga, lágrimas e suor”, nem tão presciente como aqueloutro em que o estadista britânico, em março de 1946, avisou para a emergência de uma “cortina de ferro” dividindo a Europa livre da Europa sob domínio soviético. Gerou entusiasmo e apontou um caminho mas foi, sobretudo, o discurso que impôs uma ideia: contra a fatalidade das guerras europeias, a união.

Com o folhetim do Brexit a arrastar-se para um final que se adivinha penoso para todas as partes, dificilmente haverá leitura mais oportuna do que “Unir a Europa - A Última Batalha de Churchil”, de Felix Kloss (ed. Clube do Autor). Num país onde a saída da União Europeia tem provocado cisões profundas em todos os setores da sociedade, e qualquer argumento contra ou a favor é um bom argumento, também o pensamento e o legado de Churchill tem sido esgrimido ao gosto do freguês. Têm sido essencialmente os brexiters a invocá-lo (com Boris Johnson à cabeça, empoderado pelo seu estatuto de biógrafo de Churchill), mas os remainers tiveram, desde o início do debate, memória suficiente para lembrar que foi Churchill o primeiro grande líder do Velho Continente a advogar a criação de “uma espécie de Estados Unidos da Europa”.

(Se gosta do seu Expresso mesmo curto, despedimo-nos por aqui. Tenha uma boa terça-feira. Se gosta dele mais longo, ou abatanado, fique para mais quatro parágrafos)

Feliz Kloss, jovem historiador de formação britânica, com nacionalidade holandesa e norte-americana, editou este livro no Reino Unido em 2016, coincidindo com o referendo (foi editado em Portugal no final de 2018). É um trabalho minucioso (por vezes, exaustivo) de investigação sobre as posições de Churchill em relação à Europa e, em particular, à ideia de uma Europa unida - e o papel que reservava ao Reino Unido no contexto dessa união.

Churchill defendia a unidade europeia? Sim. Era a favor da integração britânica? É complicado… Antes de mais, a complicação começa pelo facto de Churchill ter assumido a bandeira da unidade da Europa quando não tinha poder para a fazer avançar. Vencida a guerra, em 1945, os britânicos dispensaram-no do fardo da governação, remetendo-o para o papel de líder da oposição. É desses anos o Churchill europeísta. Com uma popularidade imbatível por todo o continente, o velho estadista “jurou dedicar a sua derradeira réstia de devoção à criação de uma união europeia e assumir o papel principal na propagação desta ideia na Grã-Bretanha e no estrangeiro”, escreve Klos. Churchill não queria apenas uma Europa unida; queria que esse projeto fosse liderado pelo seu país, apesar da postura euro-agnóstica do governo trabalhista e de parte do seu Partido Conservador. Deu um impulso decisivo ao Conselho da Europa e tornou-se uma espécie de rapaz-propaganda do ideal europeu.

Mas esse entusiasmo esfriou quando Churchill voltou ao poder e não deu qualquer passo no sentido de integrar Londres em qualquer dos projetos então sobre a mesa - a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e a Comunidade Europeia de Defesa. A sua posição era, então, um muito britânico “Estamos com eles, mas não somos um deles”.

O trabalho de Klos é uma muito consistente resposta dos remainers aos que, como Johnson, atribuíam a Churchill um voto do além a favor do Brexit. Infelizmente, Klos quer tanto fazer o contraditório dos exageros de Johnson que acaba por cair, também, em excessos de wishfull thinking. Como nenhum dos lados tem mesa de pé de galo para comunicar com o defunto, melhor do que apostar sobre como votaria Churchill se por cá andasse, é perceber as nuances do seu pensamento e as circunstâncias que lhe ditaram, em cada momento, entusiasmo ou prudência em relação à Europa unida.

Fico por aqui.

Tenha uma excelente terça-feira e não se esqueça que daqui a umas horas pode ouvir a análise dos temas políticos da semana no podcast Comissão Política.