Expresso Olha, nem sei

A especulação imobiliária não gosta de solteiros

Boa tarde,


Hoje escrevo como pessoa jovem que sou. Tenho 30 anos, acabados de fazer, não estou numa relação amorosa, nem conto estar nos próximos tempos. Tive a sorte de ter uma familiar que me deixou um apartamento, senão, neste momento, estava a ter ataques de ansiedade sem saber para onde iria viver.


Para ajudar os jovens a comportar as rendas altas desta bolhinha de especulação na ponta da Europa, o Estado tem o programaporta 65, mas, honestamente, não há porta 65 que nos salve. As pessoas jovens que queiram viver sozinhas na sua independência, não têm como pagar as contas. Em 2021, jovens com menos de 25 anos ganhavam, em média, 1090,4€ líquidos. Este valor, que corresponde a apenas 70% do salário médio da União Europeia, não chega para uma vida com condições básicas nas grandes cidades. Até ao ano corrente, a situação não melhorou, pelo contrário: dados de 2023 mostram que a maioria dos jovens entre os 20 e os 30 anos de idade recebe menos de 1000€ por mês.


Em Lisboa, há 2 T0 a arrendar a 650€ no Idealista, à data de 6/12, sendo que têm, respetivamente 20m2 e 30m2 cada um. A 690€, temos um de 20m2 e a 700€, um de 15m2 em Alcântara. Repito, quinze metros quadrados: um quarto minúsculo, com um mini frigorífico, sem fogão, sem forno, uma mini cama que também é mini sofá e umas mini-mini condições de vida. Se a pessoa conseguir caminhar no apartamento, é porque tem uma flexibilidade incrível! A partir daqui, os preços aumentam. Ora, se uma pessoa jovem quiser a sua independência, tem de viver num buraco, é isso? Ou viver com mais 5 pessoas até aos 35 anos de idade…


Juro que parece que a especulação imobiliária quer prometer os jovens em namoro, já que a única forma de conseguir arrendar um T1 é dividindo a renda com alguém. “Mas podiam viver num T0..” Não é comportável pensar num casal a viver decentemente num T0: sem espaço, sem privacidade. E ainda querem que tenhamos mais crianças? Este contexto todo é uma pura piada de mau gosto.


Segundo o site Cost of Living, a média de um T1 em Lisboa é de 1112,41€. Se o casal ganhar, já com sorte nesta economia, 1000€ líquidos cada um, como é que vão ter dinheiro para criar uma criança? Ficam sem sala? Levam-na com eles para o trabalho? Como trabalham, se não têm quem cuide da criança e mesmo com os avós perto, ainda lhes falta um pedaço para a idade da reforma?


As pessoas trabalhadoras pagam segurança social e literalmente não têm segurança social nenhuma.


Claro que, consequentemente, temos a extrema-direita a aproveitar-se destes dados para fazer uma lavagem cerebral sem dados factuais. Não se deixe levar, a liberdade é um preço demasiado alto a pagar. O problema do país não é a comunidade cigana (comportam uma margem percentual irrelevante no panorama económico geral do país) e ideais tradicionais machistas e fascistas, típicos de conversa populista de café, não ajudam ninguém: nenhum problema social grave do mundo alguma vez se resolveu ao beber umas cervejas enquanto se joga bilhar.


Precisamos de assegurar a saúde e a habitação da população, o que só acontece com salários justos e controlo de rendas. Algo está muito errado quando os portugueses não têm dinheiro para pagar rendas em Portugal. Querem transformar Portugal num enorme Alojamento Local. É que já não há pachorra para tantos candeeiros com cordas de sisal e quadros de vistas turísticas da cidade.


Criar planos de ajuda à renda não é solução para o futuro, é um remendo. Um pneu só consegue comportar pensos rápidos para furos até certo ponto. Se continuarmos com soluções rápidas para problemas sérios, vamos acabar a ter acidentes graves.



Enquanto a Felicidade só der para arrendar, e com especulação, este país não é para jovens.


Expresso Olha, nem sei