Expresso Energia

Baterias: teremos pilhas para o próximo grande salto da transição energética?

Central solar da Galp em Alcoutim já tem baterias operacionais
D.R.

Isoladas ou integradas em vastas áreas de painéis solares, as baterias poderão nos próximos anos assumir um papel essencial no nosso sistema energético. Relativamente discretas na paisagem. Mas preciosas na gestão de equilíbrios e desequilíbrios da rede. Vale a pena por isso notar que em junho Portugal deu um primeiro passo na exploração comercial de baterias. A plataforma REN Datahub passou a registar uma capacidade de 13 megawatts (MW) naquele tipo de equipamentos. É uma parcela ínfima nos mais de 23 gigawatts (GW) de potência instalada no sistema elétrico nacional. Mas marca o arranque em Portugal Continental de uma opção que poderá fazer a diferença na rede elétrica de amanhã. Sabemos hoje que gerir a água, o vento e o sol sem pôr em causa a continuidade de abastecimento de eletricidade no país é um desafio assinalável. E, neste contexto, o armazenamento será provavelmente o próximo grande salto na história da energia em Portugal.

Desenvolver projetos de baterias parece ser ainda uma jogada de risco. Em abril o “Diário de Leiria” escrevia que o investimento de 12 milhões de euros da Infraventus (com recursos de 41 investidores) no pequeno parque de baterias no Casal da Cortiça, no distrito de Leiria, era um projeto iniciado já em 2018. Foi pioneiro, por ser um dos primeiros armazenamentos autónomos ligados à rede elétrica nacional. No ano passado o então diretor-geral de Energia, Jerónimo Cunha, havia admitido, segundo o jornal “Eco”, que ainda em 2024 esse projeto e um outro da Voltalia poderiam arrancar. Mas, como não é incomum em Portugal, as coisas demorariam um pouco mais.

O arranque da operação de parques de baterias em Portugal Continental, em armazenamento autónomo (ou seja, não estando diretamente ligados a centrais elétricas, como parques fotovoltaicos ou eólicos, por exemplo), será crítico para testar uma tecnologia na qual diversos atores do mundo da energia depositam largas esperanças. No país já tínhamos algumas experiências, como a bateria que a EDP ligou à rede de média tensão em Évora em 2015, com uma potência de 274 kilowatts (kW), um contentor que, quando foi inaugurado, ostentava ainda a marca da EDP Distribuição, entretanto renomeada E-Redes.

Já em 2023 a Eletricidade dos Açores, juntamente com a Siemens, a Fluence e a EDP, inauguraram na Ilha Terceira um sistema de baterias com uma potência de 15 megawatts (MW), para otimizar a integração de energias renováveis na rede insular, com um investimento de 14 milhões de euros (suportado em 85% por fundos europeus). E um ano antes também a Empresa de Eletricidade da Madeira havia inaugurado um parque de baterias com 15 MW, orçado em quase 11 milhões de euros (igualmente apoiados na sua maioria por verbas comunitárias).

Nas baterias o negócio está a dar os primeiros passos. Como pode ler no Expresso, embora os números das instalações de centrais solares em Portugal estejam a abrandar, são vários os promotores que já integram nos seus projetos a aposta nas baterias, para absorver os excedentes da geração fotovoltaica e evitar receber zero ou perto disso pela injeção de eletricidade na rede quando o preço grossista afunda. Ainda em abril deste ano também revelámos no Expresso os planos da Galp para reforçar a aposta nas baterias na sua central solar em Alcoutim.

Diversos promotores vêm defendendo que as baterias são hoje uma opção a considerar no desenho de novas centrais solares e eólicas, mas não são economicamente viáveis sem apoios. Na modalidade de armazenamento autónomo, esta tecnologia precisará de grandes variações de preços da eletricidade ao longo do dia para gerar ganhos suficientes para pagar o investimento. Essa arbitragem requer diferenças de várias dezenas de euros entre as horas com o MWh mais barato e as que têm o MWh mais caro. Uma análise feita no ano passado pela Bloomberg NEF estimava em 114 euros por MWh o spread médio necessário para viabilizar baterias com duas horas de armazenamento (o amadurecimento da tecnologia poderá progressivamente baixar o valor do spread de preços exigível para recuperar o investimento).

Esta quinta-feira os preços grossistas no mercado ibérico de eletricidade (Mibel) oscilam entre um mínimo de 74 euros e um máximo de 170 euros por MWh, uma margem considerável. Ontem os preços variaram entre um mínimo de 35 e um máximo de 145 euros por MWh. No passado sábado, o spread ultrapassou os 100 euros por MWh. Mas nem sempre a Península Ibérica apresenta esta volatilidade. A maior parte das horas não permite explorar sequer amplitudes de preços de mais de 50 euros por MWh, o que limita de forma relevante a janela de oportunidade para as baterias. E isso tem de ser tido em conta na hora de pensar em investir num projeto de baterias.

Em maio deste ano a associação SolarPower Europe publicou o relatório “European Market Outlook for Battery Storage”, traçando as perspetivas para este mercado até 2029, e constatando que em 2024 foram instalados sistemas de armazenamento na Europa com uma capacidade de 22 gigawatts hora (GWh), elevando a capacidade total para 61 GWh. Esse expressivo crescimento atesta o entusiasmo que esta solução tem gerado. De acordo com o relatório, nos últimos três anos foram instaladas na Europa mais de 3 milhões de baterias de uso residencial. E mais recentemente também a adesão a equipamentos para grandes projetos de energia ganhou expressão.

A SolarPower Europe observa que “o mercado europeu [de baterias] continua altamente concentrado, com a Alemanha, Itália e Reino Unido a responder por mais de dois terços da procura de 2024”. A expectativa da associação europeia de empresas de energia solar é que a capacidade acumulada das baterias na Europa em 2029 ronde os 400 GWh (seria o suficiente para cobrir o consumo de eletricidade em Portugal durante quase três dias).

Entretanto, a 1 de julho, a mesma SolarPower Europe apresentou uma nova iniciativa, designada “Battery Storage Europe Platform”, pedindo um quadro regulatório adequado para reforçar a aposta europeia nas baterias, alegando que a Europa precisará de ter uma capacidade de armazenamento de 500 a 780 GWh em 2030 para cumprir as suas metas de energia renovável.

A indústria da energia solar tem algumas razões para estar preocupada: embora Bruxelas afirme há anos a necessidade de acelerar a transição energética, apostando nas fontes renováveis, a expansão fotovoltaica traz consigo riscos evidentes de canibalização: quanto mais centrais solares vão sendo inauguradas pela Europa fora mais tendem a cair os preços grossistas da eletricidade nas horas de sol, desincentivando o investimento em novos projetos expostos ao mercado... a menos que consigam garantir um perfil estável e previsível de receitas.

É justamente aí que surge a oportunidade das baterias, permitindo aos donos de centrais solares não ter de vender toda a energia a preços de saldos, e reservando uma parte para ao fim do dia entregar ao mercado eletrões mais valiosos. Além disso, os projetos de baterias também estarão aptos a entrar no mercado de prestação de serviços de sistema, disponibilizando aos gestores da rede elétrica potência mobilizável em segundos para corrigir desvios e estabilizar o sistema, e com isso compor o cabaz de receitas.

Porém, a canibalização será também um risco para o negócio das baterias: elas dependem da existência de spreads no mercado grossista de eletricidade para se pagarem, mas quanto mais capacidade de armazenamento existir numa rede menor será, em teoria, esse mesmo diferencial.

A existência de um mix bem calibrado de produção renovável, capacidade de armazenamento (em baterias e aproveitamentos hídricos) e resposta flexível do lado da procura será a chave de um sistema elétrico funcional, robusto e proveitoso para o consumidor final, menos exposto a enormes volatilidades de preços e menos sujeito a faturas acrescidas com os custos para compensação de desvios no mercado. O alisamento de preços proporcionará menos oportunidades de arbitragem, mas poderá trazer maior estabilidade ao consumidor final (e para indústrias com consumos intensivos de energia isso será importante).

Contudo, para que dentro de meia dúzia de anos todo esse quadro funcione de forma harmoniosa, será preciso desde já que os decisores políticos e os reguladores assumam com clareza a visão que têm para o armazenamento. O Plano Nacional de Energia e Clima aponta que Portugal deverá alcançar já este ano 0,5 GW em baterias (boa sorte!) e 2 GW em 2030 (será?).

O aviso do Fundo Ambiental para subsidiar com quase €100 milhões projetos de armazenamento com 500 MW, que deveriam estar instalados até ao final do ano, seria suficiente para cumprir a meta intercalar do PNEC, mas múltiplos promotores têm enfatizado que será impossível cumprir esse calendário. Entretanto, a DGEG anunciou que lançará no último quadrimestre deste ano um concurso para nova potência de injeção na rede, usando parte da capacidade que pertencia à central a carvão do Pego, sendo que esse concurso terá como requisito a existência de armazenamento.

A nossa transição energética tem tido a oportunidade de aproveitar o facto de as principais fontes renováveis estarem comercialmente maduras (mas é bom colher os frutos antes que um excessivo amadurecimento redunde em podridão). E tem agora a possibilidade de se consolidar e reforçar o perfil verde da nossa matriz energética com o apoio das baterias e outras soluções de armazenamento.

Num livro acabado de lançar, intitulado “Manifesto para um capitalismo humanista”, Miguel Pina e Cunha, Adolfo Mesquita Nunes e Milton de Sousa refletem sobre as relações entre o Estado, as empresas e a sociedade civil. “Que o Estado tem um papel de inegável importância como arquiteto do contexto da vida social e empresarial não se discute, que deva dinamizar projetos económicos específicos é uma questão de pragmatismo económico, e, em alguns casos, até uma obrigação moral, como no caso da transição energética, para dar resposta aos desafios das alterações climáticas”, lê-se no segundo capítulo.

Pragmatismo económico ou obrigação moral, a dinamização de projetos que permitam cumprir a transição energética tem sido há largos anos uma bandeira de sucessivos governos em Portugal. Porém, se nuns dias esse desígnio se traduz na autorização de novos empreendimentos (como a futura central solar da EDP em Águeda), noutros o mesmo Estado que primeiro aprova depois reprova, temendo, entre outras coisas, os “impactos psicossociais” de uma central solar flutuante numa albufeira.

Há quase quatro anos um consórcio nacional, liderado pela Galp, juntou esforços para lançar a “Cadeia de Valor para as Baterias” e concorrer aos apoios do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Era uma das maiores “agendas mobilizadoras”, orçada em mais de 900 milhões de euros, mas em abril último o “Eco” avançava que a iniciativa das baterias terá caído, depois de a Galp e a Northvolt terem desistido do projeto de refinação de lítio em Setúbal.

A Savannah vai tentando fazer avançar o projeto de mineração de lítio em Boticas (ainda há dias concretizou um aumento de capital de €5,6 milhões). E sabemos que o grupo Mello estima em €492 milhões o investimento necessário para uma refinaria de lítio em Estarreja (cujo licenciamento ambiental iniciou, sem ter para já uma decisão final sobre se avançará). Mais a Sul, um dos maiores projetos fotovoltaicos do país prevê, para a Comporta, também um dos maiores parques de baterias a instalar em Portugal, com 300 MW. Não falta ambição para incluir o tema das baterias na exigente agenda de descarbonização do país. Mas falta execução. Teremos pilhas para este salto?

DESCODIFICADOR


LCOS. É o acrónimo de “Levelized Cost of Storage”, ou custo nivelado do armazenamento, e é uma métrica usada para comparar diferentes soluções de armazenamento de energia, com um valor (que pode ser apresentado em euros por MWh) que exprime o custo de uma dada tecnologia, em função do investimento que o equipamento envolve e da energia que a bateria poderá disponibilizar no seu ciclo de vida.



E VALE A PENA LER

A Eurelectric, associação europeia do sector elétrico, acaba de publicar um trabalho de análise sobre como devem as redes ser reforçadas perante as ameaças de eventos extremos, como cheias e ondas de calor. No relatório “Strengthening climate resilience”, que pode ser lido aqui, a Eurelectric apresenta várias recomendações sobre os caminhos a seguir pelas políticas públicas para garantir maior resiliência das redes de eletricidade.


A newsletter termina aqui e a próxima edição virá a 24 de julho. Se tiver alguma dúvida, comentário ou sugestão, pode enviar um e-mail para mprado@expresso.impresa.pt. Tenha um bom resto de semana e aproveite para... recarregar baterias!