Os dias que correm vão agitando a vida política do país. Não é todos os anos que nos preparamos para eleições em dose tripla. O país está mergulhado em incerteza, a Europa não sabe o que fazer com Trump, e o mundo, enfim, é um lugar complicado, onde as emissões de dióxido de carbono continuam a escalar, apesar de não faltar engenho no planeta para as reduzir. A Oeste nada de novo. Mas a Leste a Polónia está a afirmar-se como um dos mercados mais avançados da Europa na aposta em baterias de larga escala. Esta semana a portuguesa Greenvolt anunciou dois novos projetos de armazenamento na Polónia, que serão equipados com baterias da chinesa BYD. O negócio das baterias está a ganhar tração, a transição energética também. Mas para que ela concretize todo o seu potencial é preciso proporcionar a quem investe alguma previsibilidade. É preciso confiança. E noção.
Os dois novos projetos da Greenvolt na Polónia têm já uma escala considerável. São 400 megawatts (MW) de potência, o que não é propriamente como comprar uma embalagem de pilhas no supermercado. Cada um dos parques de baterias a construir terá 200 MW, com capacidade para armazenar 800 megawatt hora (MWh), num total de 1,6 GWh. Traduzindo isso para a nossa realidade, essas instalações irão armazenar eletricidade equivalente ao consumo de eletricidade em Portugal durante cerca de um quarto de hora (considerando a procura desta quarta-feira, segundo os dados da REN).
Vale a pena lembrar que, por cá, o aviso do Fundo Ambiental com apoios de quase 100 milhões de euros para projetos de baterias (com a Iberdrola como principal vencedor) visou financiar o investimento em pelo menos 500 MW de potência de armazenamento, dotando o país de alguma flexibilidade na rede elétrica. As baterias tanto podem ser utilizadas em benefício dos produtores (com arbitragem de preços, carregando nas horas mais baratas e vendendo à rede nas horas mais caras), como em proveito da rede e dos consumidores (prestando serviços ao sistema elétrico e concorrendo com outras fontes flexíveis, como as centrais hídricas e as centrais a gás).
Os projetos de baterias na Polónia são mais uma peça na estratégia da Greenvolt de diversificar o seu negócio (muito assente no desenvolvimento de parques eólicos e solares), mas o facto de o grupo se ter aliado à BYD, como fornecedora dos equipamentos, é sintomático da crescente relevância da China na transição energética europeia.
Conforme o Expresso noticiou há dias, Portugal nunca importou tantos painéis solares da China como em 2024. Pequim converteu-se na última década na grande fábrica onde a Europa (e boa parte do planeta) vai buscar os equipamentos essenciais para concretizar as suas ambições de energia limpa. Dos módulos fotovoltaicos às baterias, passando pelos carros elétricos, são vários os exemplos de como o Velho Continente tem com a China uma ligação umbilical. Dificilmente haverá tarifas aduaneiras que cortem essa relação.
Os mais recentes números das vendas de automóveis em Portugal, divulgados esta semana pela ACAP – Associação Automóvel de Portugal, mostram que nos primeiros dois meses do ano mais de 21% dos carros vendidos no país foram 100% elétricos, ficando atrás dos carros a gasolina (com 28%) e bem à frente dos automóveis a gasóleo (com pouco mais de 6%). Nas vendas totais de ligeiros de passageiros a BYD já está no Top 15. E considerando apenas as vendas de carros elétricos a marca chinesa já está no quarto lugar (só atrás da Tesla, Peugeot e BMW).
Irá o domínio chinês no abastecimento global de painéis solares ser replicado no mercado automóvel, deixando os gestores dos fabricantes ocidentais de olhos em bico? A 24 de fevereiro o think tank Bruegel publicou uma interessante análise sobre a descarbonização da indústria europeia. Esse trabalho realçava que a balança comercial europeia de tecnologias limpas até é equilibrada (com a Europa a exportar quase o mesmo que importa). Embora o nosso continente tenha conseguido nos últimos dois anos níveis mais elevados de exportações de carros elétricos (superando os montantes importados), é notório que a Europa é deficitária no que toca a baterias e painéis solares.
De acordo com os dados do Bruegel, em novembro de 2024 a União Europeia exportou quase 6 mil milhões de euros em equipamentos de energia limpa, dos quais 0,2 mil milhões para a China, 1,3 mil milhões de euros para os Estados Unidos da América e 4,2 mil milhões para o resto do mundo. Em sentido inverso, a UE importou também perto de 6 mil milhões de euros, mas com a China a representar mais de 3,5 mil milhões, evidenciando um acentuado desequilíbrio.
Neste contexto, quando pensamos na conciliação da política energética europeia com a diplomacia económica, há que admitir, com pragmatismo, que a Europa tem na China um parceiro comercial incontornável, elemento crítico para o sucesso, a curto prazo, das estratégias de descarbonização dos nossos consumos energéticos.
Há não muito tempo, numa conferência sobre energia, alguém constatava os enormes desafios enfrentados por uma Europa que procurava libertar-se da incómoda exposição ao gás russo, enquanto se mantinha enredada num fluxo crescente de importações de painéis solares chineses, trocando uma dependência por outra.
Hoje afigura-se difícil imaginar que o Velho Continente consiga competir com Pequim no fabrico de módulos fotovoltaicos, tal é a capacidade do mercado chinês para inundar o planeta de equipamentos essenciais, funcionais e… baratos. A análise do Bruegel também indica que nos últimos três anos disparou o investimento europeu em fábricas de baterias, com novas instalações na Hungria, em Espanha e noutras geografias.
O recente anúncio da chinesa CALB de que irá avançar com um investimento de 2 mil milhões de euros numa fábrica de baterias em Sines é um sinal da vitalidade da diplomacia económica portuguesa. Com o projeto elegível para receber incentivos de até 350 milhões de euros, o Bloco de Esquerda já chamou o ministro da Economia, Pedro Reis, ao Parlamento, para explicar estes apoios. Mas as contas feitas pela anterior administração da Aicep – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal indicam que o balanço será amplamente favorável ao Estado português, que deverá angariar em receita fiscal bem mais do que os apoios que concederá à CALB.
A CALB é, note-se, um dos maiores fabricantes mundiais de baterias, a par com a também chinesa BYD, cuja vice-presidente, Stella Li, fez questão, há dias, de marcar uma posição: “O nosso inimigo comum é o carro com motor de combustão interna”, afirmou a gestora ao “Financial Times”, mostrando abertura a um trabalho de cooperação com a concorrente norte-americana Tesla para afirmar os veículos elétricos como solução global na mobilidade.
Por cá, a mobilidade elétrica vai crescendo a dois dígitos: esta quinta-feira a Mobi.E revelou que em fevereiro houve mais 45% de carregamentos na sua rede do que há um ano (e a energia abastecida cresceu 59%). Como observámos numa anterior edição desta newsletter, persistem múltiplos desafios para que os carros elétricos conquistem uma fatia maior do mercado, sendo um deles a infraestrutura de carregamento. Mas vamos dando em Portugal alguns passos que poderão ajudar a desbloquear o potencial da mobilidade elétrica, como é o caso do projeto-piloto da E-Redes “FlexC”, que trabalhará na flexibilização da potência à disposição das garagens dos condomínios, para mais facilmente poderem ser carregados mais carros elétricos (se quiser saber mais sobre o projeto pode ler o que publicámos no Expresso). No que toca ao carregamento na via pública o Governo já aprovou um novo regime jurídico para a mobilidade elétrica, que visa simplificar os carregamentos (o projeto de decreto-lei está em consulta pública aqui). E esta quarta-feira, no Parlamento, a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, indicou que já na próxima semana irá abrir uma nova janela de candidaturas a apoios de 13,5 milhões de euros para a aquisição de veículos elétricos.
Há, portanto, sinais positivos no que toca ao incentivo à descarbonização dos transportes, peça essencial da transição energética em Portugal. Mas a instabilidade política em que mergulhámos não augura nada de particularmente positivo para a prossecução desse caminho, ameaçando atrasar mais alguns meses a tomada de decisões em áreas relevantes da governação e da política energética (o leilão eólico offshore é um exemplo).
Em algumas áreas mais maduras a transição vai avançando praticamente em piloto automático. Os mais recentes dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) indicam que em janeiro foram instalados em Portugal 41 megawatts (MW) fotovoltaicos em unidades de produção de autoconsumo (UPAC), um registo em linha com a média mensal de instalações de 2024. Mas na produção convencional (centralizada) a nova potência adicionada no primeiro mês do ano foi relativamente reduzida.
Os promotores de projetos renováveis continuam empenhados no desenvolvimento de novas centrais. E não falta dinheiro no mercado. “Vemos oportunidades na eletrificação da economia”, admitiu ao Expresso o diretor da Schroders para Portugal e Espanha. Mas desde que o Ministério Público interpôs, há um ano, uma ação de impugnação para travar uma gigante central fotovoltaica da Prosolia e Iberdrola em Santiago do Cacém, paira no sector uma nuvem carregada sobre os processos de licenciamento em Portugal. O mesmo Ministério Público, através do seu Departamento Central de Contencioso do Estado e Interesses Coletivos e Difusos, voltou, em fevereiro, a lançar uma ação similar contra o licenciamento da central solar de Polvorão, nos municípios de Gavião e Nisa.
Entre interesses difusos, licenciamentos confusos e um futuro político absolutamente incerto, arriscamos deixar à míngua a noção de confiança que é tão necessária para que os agentes económicos concretizem os projetos de que o país precisará se quiser cumprir a sua parte no combate às alterações climáticas. Agora é aguardar. A transição segue dentro de momentos.
DESCODIFICADOR
BESS. É o acrónimo de “battery energy storage systems”, que designa os sistemas de armazenamento de energia, nomeadamente com parques de baterias. Estes sistemas podem ser úteis para prestar serviços à rede elétrica, disponibilizando potência (e energia) em momentos mais críticos, e concorrendo com outras soluções de flexibilidade (seja do lado da oferta, com a ativação de centrais a gás ou centrais hídricas, seja do lado da procura, com a redução de consumos de clientes industriais, por exemplo). Os parques de baterias podem também ser explorados comercialmente para maximizar o lucro de um promotor: o dono de uma central solar pode preferir direcionar para as baterias parte da sua produção durante o dia, caso o preço grossista da eletricidade seja demasiado baixo, de forma a poder vender à rede a preços mais altos umas horas depois, nos períodos de maior procura.
E VALE A PENA LER
Bruxelas apresentou esta quarta-feira um plano de ação para a competitividade da indústria automóvel europeia, uma estratégia assente em cinco pilares, sendo um deles a mobilidade limpa. A Comissão Europeia propõe flexibilizar até 2027 os limites de emissões de dióxido de carbono, mas também encoraja os Estados-membros a apoiar as famílias vulneráveis na aquisição de veículos sem emissões, além da aceleração da adoção de veículos desse tipo nas frotas empresariais. Há também recomendações para a melhoria do acesso à rede elétrica. As soluções preconizadas pela Comissão Europeia podem ser conhecidas com maior detalhe aqui.
A newsletter termina aqui e a próxima edição chegará à sua caixa de correio eletrónico a 20 de março. Se tiver sugestões, reparos ou outros comentários, pode enviar um e-mail para mprado@expresso.impresa.pt. Obrigado pela sua atenção. E até breve!