Expresso Energia

Dez desafios energéticos a não perder de vista em 2025

Com 2024 a chegar ao fim, a transição energética no país segue firme, com a quota de renováveis na eletricidade a ascender a 71%, bem acima dos 61% de 2023, e o preço grossista da eletricidade no mercado ibérico a cair quase 30% face ao custo médio do ano passado. Temos mais eletricidade verde e preços no mercado mais baixos, com uma perspetiva relativamente estável para o ano que vem. Mas vale sempre a pena lembrar que hoje a eletricidade representa somente um quarto do nosso consumo total de energia. Com 2025 à porta, aproveitamos a edição 50 desta newsletter para antever o que aí vem. Eis então uma dezena de desafios energéticos que deverão marcar o novo ano.

Armazenamento

Mais renováveis no nosso sistema elétrico acentuam a necessidade de criar mecanismos robustos de resposta às flutuações da produção eólica, ao risco de enfrentar anos mais secos (com menor produção hídrica) e ao facto de a energia solar apenas preencher uma parte da procura. Esses mecanismos passam por contratar serviços de flexibilidade quer de produtores quer de consumidores, mantendo (e remunerando) a disponibilidade das centrais a gás como chave da segurança da rede. Mas para minimizar o recurso ao gás o país poderá também recorrer a parques de baterias que armazenem os excedentes da produção eólica e fotovoltaica em algumas horas (esse papel pode também ser cumprido através do reforço da bombagem hidroelétrica, mas é um investimento avultado e moroso no plano do licenciamento). O aviso lançado este ano pelo Fundo Ambiental, com apoios ao investimento de quase 100 milhões de euros, prevê a instalação até ao final de 2025 de 500 megawatts (MW) de potência de armazenamento. O prazo (ligado aos compromissos do Plano de Recuperação e Resiliência) é ambicioso. Mas o país precisará de passos firmes e céleres na viabilização de parques de baterias se quiser criar um sistema elétrico moderno e capaz de responder aos desafios de um mix cada vez mais renovável.



Eólicas offshore

Já passaram mais de dois anos desde que o então primeiro-ministro, António Costa, traçou uma meta de atingir em Portugal 10 gigawatts (GW) de capacidade eólica offshore. O seu Governo atualizou o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) para 2030 comprometendo-se com 2 GW de eólicas no mar em operação no final da década. O tema foi objeto de uma consulta pública, estudos, debates, entusiasmo e preocupação. O Executivo de Luís Montenegro precisará em 2025 de tomar decisões sobre o que quer afinal fazer em relação à exploração de eólicas no mar. Empurrar com a barriga não é solução, mas lançar concursos de grande escala neste domínio comporta riscos. Construir grandes parques no mar poderá atrair largos milhares de milhões de euros de investimento para o país e criar novos negócios e empregos em várias áreas portuárias do país. Para garantir os primeiros projetos será necessário oferecer alguma previsibilidade de cashflows, mas o preço a pagar por estruturas eólicas flutuantes é elevado. A título de exemplo, em 2025 o parque eólico Windfloat irá faturar 163 euros por megawatt hora (MWh), mais do dobro do preço dos contratos futuros de eletricidade para o próximo ano, nos 73 euros por MWh. Com milhões de euros investidos em estudos sobre o potencial eólico offshore do país, 2025 será um ano crítico para esclarecer os cidadãos e o sector energético sobre se é uma aposta para levar a sério, e com que custos e benefícios.



Energia solar e licenciamento

O ano ainda não terminou e em outubro já tínhamos um recorde na instalação de nova capacidade fotovoltaica. O país instalou 1,3 gigawatts (GW) solares nos primeiros 10 meses do ano, e deverá completar 2024 com mais de 1,5 GW adicionados, mas esse patamar é ainda insuficiente para cumprir o PNEC. Para alcançar os 20,8 GW de capacidade fotovoltaica em 2030, Portugal precisaria de instalar mais de 2,5 GW por ano em painéis solares. Ao apetite dos promotores de projetos de energias renováveis junta-se a fome de comer dos proprietários de terrenos, seduzidos pelas rendas dos projetos fotovoltaicos. Mas os movimentos de oposição dos cidadãos, o impacto visual das centrais, a cautela dos autarcas e a litigância associada a alguns projetos (contestando autorizações já dadas pela Agência do Ambiente) poderão ser um obstáculo sério à concretização do potencial solar de Portugal. Se a isto somarmos as dificuldades na expansão de projetos descentralizados, como as comunidades de energia, poderemos chegar ao final de 2025 com uma considerável distância para as metas de 2030. Agilizar o licenciamento no novo ano será crítico para que o país tire o máximo partido do seu lugar ao sol.

Hidrogénio verde

Foi em 2019 que começámos a ouvir falar mais de hidrogénio verde, com um entusiasmo político alargado na Europa em torno deste vetor de descarbonização. A crise do gás em 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, acentuou o apelo de Bruxelas à procura de opções verdes. E em 2024 o primeiro leilão do Banco Europeu de Hidrogénio até premiou dois projetos portugueses entre sete eleitos para receber apoios de 720 milhões de euros. Mas o Tribunal de Contas Europeu também veio considerar as metas europeias “irrealistas”. No final do ano, a insolvência da portuguesa Fusion Fuel expôs as dores de crescimento de uma indústria que ainda está longe da maturidade. Antes disso, a EDP já tinha decidido emagrecer o seu projeto de hidrogénio verde em Alenquer. Há dias a Galp recebeu em Sines três reatores para o seu projeto de biocombustíveis avançados, que estará associado à aposta no hidrogénio verde (a refinaria já usa hidrogénio cinzento, obtido a partir do gás natural, nos seus processos), um pacote de investimentos de 650 milhões de euros, que confirma o interesse da petrolífera na descarbonização do seu negócio. Entretanto, diversos projetos com subsídios do Fundo Ambiental têm até final de 2025 para começar a produzir hidrogénio verde. Irão sair do papel?



Gás natural

A cotação de referência do gás natural na Europa (o contrato TTF, transacionado nos Países Baixos) atingiu na reta final de 2024 os 48 euros por MWh, um máximo de quase dois anos, sendo evidente uma tendência de subida do custo deste combustível desde março. Ainda este mês os analistas do banco ING apontavam uma previsão de que o TTF em 2025 assuma um valor médio de 33 euros por MWh, mas com “muitos riscos”. O ING assume um crescimento da procura de gás na Europa de 2% no próximo ano, mas num cenário meteorológico adverso o consumo poderá crescer mais, o que impulsionará o preço do gás. Isso terá um impacto direto nos sistemas elétricos com maior exposição e dependência das centrais de ciclo combinado alimentadas a gás natural. A Europa não conseguiu ainda eliminar a Rússia da sua lista de fornecedores de gás (e Portugal também não: ainda esta semana recebeu um novo navio de gás russo) e permanecerá vulnerável aos humores do mercado global. Com a agravante de a partir de janeiro passar a ter de contar com um interlocutor complicado do outro lado do Atlântico. Donald Trump já deixou um aviso a Bruxelas: ou a Europa compra mais gás e petróleo aos Estados Unidos ou será sujeita a mais taxas aduaneiras. E neste capítulo, tal como a generalidade da Europa, Portugal é um mero tomador de preço. A faca e o queijo estão na mão dos grandes produtores de gás do mundo.



Competitividade

A dependência energética que a Europa tem do exterior é um dos riscos mais sérios para a sua economia. No Velho Continente diversas indústrias permanecerão em 2025 confrontadas com a necessidade de competir com concorrentes dos Estados Unidos da América ou da China com acesso a energia mais barata. Portugal não é exceção. Mas mesmo dentro da Europa persistem diferentes políticas de apoio à indústria. Por cá, a APIGCEE, associação que congrega consumidores eletrointensivos, já alertou para a existência de “fortes distorções”, nomeadamente pelo facto de em Portugal o apoio do Fundo Ambiental à indústria eletrointensiva se limitar a 25 milhões de euros por ano, contra 700 milhões de euros na vizinha Espanha, por exemplo. A ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, já admitiu que “nós deveríamos ter 100 a 120 milhões de euros” neste apoio à indústria, mas para fazer esse reforço será necessário obter “luz verde” da Comissão Europeia. Também aguarda o OK de Bruxelas uma portaria para facilitar a vida à indústria no que toca à sua fatura energética. Portugal e Espanha têm preços grossistas de eletricidade que comparam bem com o resto da Europa, mas do lado de cá será preciso garantir que o encargo final da indústria não a coloca numa desvantagem competitiva. E evitar que a burocracia e a morosidade dos licenciamentos sejam mais um custo de contexto para as empresas portuguesas será outro desafio do novo ano.




Inteligência artificial

Em Sines prossegue a construção do centro de dados da Start Campus, que tem a particularidade de se poder vir a tornar um dos maiores consumidores de eletricidade do país (os promotores apontam agora para uma potência de 1,2 GW). É um sinal muito concreto da estreita ligação entre a economia de dados e a energia, que deverá acentuar-se a nível global nos próximos anos, com o desenvolvimento da inteligência artificial (IA). A crescente capacidade de computação, a multiplicação de tarefas e a expansão da base de utilizadores da IA contribuirão para um acréscimo da procura de eletricidade, com necessidade de fornecimento contínuo, redundâncias e segurança. São muitas as estimativas já feitas a este respeito (e Michael Liebreich assina aqui um artigo a não perder sobre os desafios energéticos da IA). E em 2025 iremos muito provavelmente falar mais do assunto, até porque traz consigo um reavivar do debate sobre os custos e benefícios da energia nuclear e as vantagens e limitações das fontes renováveis.

Os outros 75%

Vários dos desafios já enunciados incidem sobre a eletricidade. Mas hoje a eletricidade representa somente um quarto do consumo de energia final em Portugal, com os outros três quartos repartidos por outros produtos energéticos, da gasolina e gasóleo ao gás natural e ao GPL, passando pela lenha, entre outras fontes. Descarbonizar o consumo de eletricidade é um desígnio que Portugal abraçou há largos anos e que tem vindo a concretizar de forma relativamente bem sucedida. Este ano a quota renovável na eletricidade ronda os 71% e a meta para 2030 é de 93%, o que é um caminho exigente. No entanto, ainda que haja diversos consumos de energia passíveis de eletrificação, o país enfrenta um desafio considerável na descarbonização em áreas como os transportes. A mobilidade elétrica ainda é um nicho de mercado, com os preços dos carros com motor de combustão a serem ainda apelativos para uma grande fatia da população. No transporte de mercadorias não há ainda vencedores anunciados nessa caminhada da descarbonização. A promessa dos combustíveis sustentáveis para a aviação é recebida com preocupação pelos gestores das companhias aéreas, que vão avisando que terão de repassar o sobrecusto desses combustíveis verdes para os passageiros. E a descarbonização do consumo de gás, seja com hidrogénio verde ou com biometano, é um processo em marcha lenta. “Não são necessárias criatividades e grupos de estudo que se eternizam. Apenas se pede aos decisores políticos ação e a análise de exemplos europeus já com provas dadas e maturidade”, defendeu Nuno Delgado Pinto, da Rega Energy, num artigo publicado este mês no Expresso.


Pobreza energética

Em Portugal 29% da população não consegue aquecer a casa. O problema da pobreza energética é antigo mas agravou-se no ano passado. João Pedro Gouveia, investigador da FCT-UNL, lamenta que Portugal tenha “voltado ao topo dos países onde a população sente maior desconforto térmico e reporta menos capacidade para aquecer as casas”. Nos últimos anos foram disponibilizadas dezenas de milhões de euros para ajudar as famílias a melhorar a eficiência energética das casas, mas programas como o Edifícios Mais Sustentáveis ou o Vale Eficiência revelaram múltiplas fragilidades. O atual Governo já prometeu em 2025 não relançar o primeiro programa, concentrando os esforços na subsidiação de famílias de menores rendimentos e instituições de solidariedade social (com 50 milhões de euros para o programa E-Lar e outro tanto para o Bairros Mais Sustentáveis). “A grande prioridade vai ser a pobreza energética”, declarou há dias a ministra do Ambiente e da Energia. Chegaremos ao final de 2025 com a promessa traduzida em casas menos geladas e com menores consumos energéticos?



Literacia energética

Não é preciso que cada cidadão saiba o que é um megawatt hora (MWh), mas um consumidor informado é capaz de tomar melhores decisões, e, nesse sentido, compreender a fatura de eletricidade ou do gás natural e conhecer o seu próprio consumo de energia são bons pontos de partida. As ferramentas digitais podem ser um importante aliado para mostrar ao consumidor quanto custam as suas escolhas, o que gasta quando usa a máquina da roupa, quais as diferenças entre esquecer-se de uma lâmpada acesa ou de um aquecedor ligado durante o dia, e saber se ganha ou perde dinheiro ao optar por tarifas bi-horárias na eletricidade em vez de tarifas simples. Conhecer as componentes dos custos do sistema elétrico ou do sistema de gás também será relevante para debates mais participados sobre política energética. Compreender que tarifas reguladas e tarifas sociais são coisas distintas, com propósitos diferentes, também ajudará a melhores reflexões sobre os preços. Com mais literacia energética, ganha o consumidor, que também se tornará mais exigente com as opções políticas para este sector ano após ano. Energia solar, autoconsumo, baterias, contadores inteligentes, bombas de calor, carros elétricos, biocombustíveis, comunidades de energia, eficiência energética: há uma transição em curso e ela é demasiado importante para que o cidadão seja um mero elemento passivo no processo.

D.R.

Descodificador

TTF. É a sigla para Title Transfer Facility, um ponto virtual de transação de gás natural nos Países Baixos, que se converteu na principal referência europeia para os preços de gás. Criado em 2003, o TTF movimenta volumes muito superiores ao consumo físico de gás nos Países Baixos. Mas há outras plataformas de negociação de gás na Europa, como o Mibgás, na Península Ibérica.



E vale a pena ler

A SolarPower Europe, associação europeia das empresas de energia solar, publicou o seu relatório anual sobre o mercado fotovoltaico, que mostra que em 2024 as novas instalações tiveram o crescimento mais baixo desde 2017, com as instalações residenciais a perder peso face às grandes centrais solares. O documento, que pode ser lido aqui, traça ainda as perspetivas do setor para os próximos anos.



E aqui termina a edição 50 da newsletter de energia do Expresso, que voltará a 9 de janeiro, com novas reflexões sobre um dos sectores mais entusiasmantes em Portugal e no mundo. Se tiver comentários, críticas, sugestões ou dúvidas, pode entrar em contacto através do e-mail mprado@expresso.impresa.pt. Votos de uma ótima entrada no novo ano! Até 2025!