No carrossel do mercado da eletricidade passámos, em apenas 72 horas, do dia mais barato em mais de cinco meses ao dia mais caro em mais de ano e meio. Viajámos de um novo recorde na produção eólica em Portugal ao anúncio do fecho temporário das siderurgias da Megasa no Seixal e na Maia, devido ao custo da energia. A volatilidade impera no mercado ibérico, enquanto prossegue uma voraz transição para reduzir as emissões dos nossos consumos energéticos. A questão não é se será esta a transição energética que queremos, porque, ainda que não a queiramos, ela é essencial para um planeta mais sustentável. Crucial será saber se estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para que ela seja bem sucedida, na obtenção de energia limpa e economicamente acessível. Spoiler alert: não estamos.
Se lhe disserem que há uma década se produzia e vendia eletricidade em Portugal a 20 euros por megawatt hora (MWh) e que hoje famílias e empresas a pagam a mais de 200 euros por MWh, se lhe sugerirem que o novo Plano Nacional de Energia e Clima ameaça as famílias, pense de novo. Não é preciso ser um desconfiado crónico, mas é bom de vez em quando levantar a sobrancelha e perder uns minutos em busca de mais elementos.
A era dos dados deu ao mercado da energia (e a muitos outros) uma notável capacidade de informar a sociedade sobre a forma como consumimos ou sobre o que pagamos quando ligamos o forno para cozinhar ou quando abastecemos o depósito do automóvel. Há uma década a produção de eletricidade em Portugal custava, em média, cerca de 42 euros por MWh. Desde a criação do mercado ibérico de eletricidade (Mibel), em 2007, até 2019, o preço grossista médio rondou os 48 euros por MWh.
Depois veio a pandemia, a procura retraiu-se, e o preço grossista da eletricidade na Península Ibérica caiu para 34 euros por MWh em 2020, um mínimo histórico no Mibel, antes de disparar para os 112 euros em 2021 e quase 168 euros por MWh em 2022, à boleia da escalada do custo do gás natural (devido à invasão da Ucrânia pela Rússia). Em 2023 o preço médio anual no mercado grossista encolheu para 88 euros. E no corrente ano está em 59 euros.
O mercado de eletricidade acalmou em 2024 depois de um complexo triénio de profunda agitação nos mercados de energia na Europa. Sim, ainda pagamos mais do que os valores médios pré-pandemia. E sim, se considerar o custo da energia, as tarifas de acesso e o IVA, pagamos em média mais de 20 cêntimos por kilowatt hora (kWh), ou mais de 200 euros por MWh, como preço final da eletricidade. Mas não é razoável comparar preços grossistas (de há uma década) com preços finais (de hoje). Sobretudo quando, ao olhar em redor, é possível constatar que o nosso país aguentou de forma invejável a tormenta dos últimos anos nos mercados de energia, ao contrário de vários países do centro e norte da Europa.
É fácil perceber que o que pagamos por uma alface lavada e embalada, pronta a consumir, incorpora uma série de custos desde o agricultor à prateleira do supermercado. Do mesmo modo, o preço final da eletricidade para famílias e empresas considera um conjunto vasto de encargos. Não é só o preço no mercado grossista (que reflete o custo de geração da eletricidade e a margem do produtor para ter um retorno do seu investimento). É também o custo de transportar e distribuir a energia até ao consumidor final. O preço de ter uma estrutura de apoio ao cliente. Ou o encargo de, nos mercados intradiários e de serviços de sistema, assegurar o equilíbrio perfeito entre a procura e a oferta de eletricidade a cada instante. Ou, ainda, os custos de opções políticas diversas, desde a subsidiação de produção renovável e cogerações até ao apoio aos consumidores das regiões autónomas, passando por rendas aos municípios, financiamento da tarifa social, entre outras rubricas.
Com mais ou menos obstáculos, o mercado da comercialização de eletricidade funciona e permite a qualquer família trocar de fornecedor de energia quantas vezes quiser ao longo do ano, sem as amarras das fidelizações que vêm caracterizando outros sectores e serviços. É hoje difícil entender que o consumidor aceite pagar uma fatura mensal de eletricidade da ordem dos 58 euros quando poderia estar a pagar 48 euros (17% menos). Hoje a melhor oferta para novos clientes do maior comercializador do país cobra mais de 17 cêntimos por kilowatt hora (kWh), ao passo que a oferta mais competitiva de todo o mercado tem um preço de pouco mais de 14 cêntimos. Uma rápida visita ao simulador da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) é suficiente para constatar o ambiente concorrencial que hoje temos na comercialização de eletricidade, por vezes com diferenças de preços dignas de uma Black Friday.
Este mês dois grandes comercializadores, a EDP Comercial e a Galp, anunciaram reduções de 6% nas componentes de energia das suas faturas de eletricidade, depois de a ERSE ter proposto para janeiro um corte de 5,8% nas tarifas de acesso à rede para a baixa tensão normal, segmento do abastecimento a clientes domésticos. E isso abre boas perspetivas a que 2025 arranque, de facto, com faturas de eletricidade mais simpáticas para boa parte dos consumidores residenciais em Portugal. Mas nunca é demais alertar que é altamente recomendável o hábito de fazer simulações para encontrar as melhores ofertas a cada momento. E é importante saber ler os anúncios dos fornecedores de energia. Prefere uma redução de 6% numa fatura de 58 euros ou um aumento de 6% numa conta de 48 euros?
É difícil antecipar com segurança se todo o ano 2025 será positivo para as famílias portuguesas no que respeita aos gastos com eletricidade. Os contratos futuros para o próximo ano no mercado ibérico sugerem que o preço grossista poderá ser superior ao custo médio que a eletricidade teve no corrente ano, mas esse agravamento será mitigado pela descida das tarifas de acesso que foi proposta pela ERSE.
Para a indústria o exercício de estimar encargos para 2025 é ainda mais delicado. Para consumidores eletrointensivos a única certeza é a incerteza. Esta semana a Megasa suspendeu a sua produção nas fábricas do Seixal e da Maia, onde emprega 700 pessoas, devido ao disparo do preço da eletricidade, que alcançou na terça-feira um máximo de mais de ano e meio, dois dias depois de o preço grossista ter registado o preço mais baixo em cerca de cinco meses. A Megasa prevê retomar a laboração esta sexta-feira, mas fará uma avaliação diária que pode determinar novos cortes. A volatilidade é um dado adquirido e deverá continuar a ser uma característica intrínseca do mercado elétrico.
No caso da Megasa, a empresa garante que “tem ativamente procurado soluções para desligar o seu custo de eletricidade do custo do gás natural”, nomeadamente apostando em “autoconsumo renovável”, mas nota que os projetos que tem no Seixal estão ainda dependentes da aprovação de autoridades públicas. E esse é, hoje em dia, um desafio comum aos agentes económicos que vêm trabalhando em projetos de descarbonização.
Também esta semana a McKinsey veio alertar que Portugal “não está a aproveitar todo o potencial para reindustrializar a sua economia”. A consultora apresentou um “Índice de industrialização e transição energética” que indica que o nosso país tem estado no bom caminho na transição, mantendo preços “acessíveis” para clientes domésticos e “competitivos” para a indústria, mas sem conseguir na prática reforçar a industrialização da economia.
Ainda recentemente a associação representativa das indústrias eletrointensivas alertava para “fortes distorções” que estão a tirar competitividade a Portugal, nomeadamente porque outros países concedem às respetivas indústrias apoios mais robustos.
Os indicadores disponíveis mostram que Portugal e Espanha já têm uma razoável competitividade nos preços da eletricidade face aos preços médios na União Europeia. E isso está, em grande medida, associado ao mix de produção que a Península Ibérica tem, com elevada exposição a recursos renováveis (a água, o vento e, cada vez mais, o sol), que permitem reduzir o número de horas em que o sistema elétrico precisa de recorrer a centrais termoelétricas, diminuindo o risco de ver as centrais a gás a marcar preços incomportáveis para consumidores eletrointensivos. Essa abundante energia renovável contribui para encolher o preço da eletricidade no mercado grossista, mas este fenómeno requer dos agentes económicos um cuidado redobrado no desenho dos projetos renováveis, para evitarem o risco de que uma total exposição dos novos produtores ao mercado spot reduza a zero ou perto disso as suas receitas (o armazenamento poderá ser a chave de uma gestão equilibrada destes investimentos).
O novo Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) não define preços e custos para o futuro. Deixa uma ampla margem de execução para os governantes, mas com o desígnio de reforço da potência verde na eletricidade e da busca de soluções de descarbonização. Pelo caminho, Portugal e o resto da Europa terão de fazer a sua própria aprendizagem, assumindo que no curto prazo há uma vantagem clara em recorrer à escala e baixo custo da China enquanto fornecedor dos equipamentos críticos para a transição energética. Aliás, há dias, no Eco, João Galamba escrevia que “se não era viável hostilizar e marginalizar a China quando Biden era presidente, muito menos o será com Trump”. E também vale a pena ler a reflexão de Ricardo Reis no Expresso sobre “os falhanços da política industrial”.
O problema não está na carga de ambição que o PNEC carrega para descarbonizar o nosso consumo de energia, ainda que a demonização da aposta nas renováveis seja um objeto recorrente no espaço público. Naturalmente, essa aposta deverá ser temperada com equilíbrio e debate (que existe: a plataforma Participa.pt é um bom espaço de exercício da cidadania). O problema não está em projetar um crescimento adicional da capacidade fotovoltaica ou eólica no país. Será importante, todavia, garantir que ela acontece, com custos comportáveis para famílias e empresas. Mas a grande questão será ultrapassar toda a carga burocrática que ainda vai travando o progresso, desde a criação de comunidades de energia à construção de centrais solares de maior dimensão. Conta um promotor de energias renováveis que uma Câmara Municipal chegou a pedir dados da “área da sombra dos painéis solares” para cobrar taxas a uma central fotovoltaica, ao que o promotor terá respondido que à noite são zero metros quadrados. O caminho entre a anedota e a concretização da transição energética é penoso. Precisamos de uma outra forma de lá chegar. E não, o nosso problema não é o custo da eletricidade.
DESCODIFICADOR
Eletrointensivos. O Decreto-Lei 15/2022, que veio fazer uma revisão da lei de bases do sector elétrico, criou o Estatuto do Cliente Eletrointensivo, regulamentado numa portaria aprovada também em 2022, e conferindo a grupos ou empresas com elevados consumos de eletricidade (os chamados “eletrointensivos”) o direito a alguns apoios, como a redução do encargo com custos de interesse económico geral (CIEG) e o acesso a um mecanismo de cobertura de risco. Entretanto, o atual Governo aprovou em outubro um Decreto-Lei que visa melhorar a legislação existente, fixando em 75% a 85% o desconto sobre os CIEG para empresas que adquiram pelo menos 50% de eletricidade renovável. Essas alterações estão a aguardar promulgação do Presidente da República. O Governo estima que possam beneficiar cerca de 300 empresas.
E VALE A PENA LER
Para agilizar o licenciamento de projetos de energias renováveis o Governo criou a estrutura de missão EMER2030, que produziu um relatório resumindo as principais dificuldades reportadas durante uma consulta pública, ao nível do licenciamento elétrico, ambiental e municipal. O documento pode ser consultado aqui.
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