Bom dia, caro leitor.
O tema da transsexualidade e da transição passou a ser rapidamente um tabu à esquerda. Sim, um tabu: é uma narrativa tão dominante que questioná-la é um tabu mesmo quando as pessoas que o desafiam têm do seu lado a objetividade evidente dos factos, da ciência, da biologia, da medicina. Felizmente, na Europa os colégios de pediatria já começam a reagir contra a ideia de forçar a transição em menores de idade. Mas, nos EUA, isso ainda é complicado: desafiar a ideia de que podemos e devemos mudar o sexo de uma criança (uma criança, repito) ainda é tabu, ainda destrói carreiras. Um cirurgião que recusa fazer mudanças de sexo em menores de idade e que denunciou transições feitas às escondidas está neste momento em risco de ser preso. As pessoas que garantem que as clínicas de transição de sexo têm imensos problemas e falhas grosseiras (para usar um eufemismo) são colocadas de parte e as suas histórias não ganham tracção, apesar de estarmos a falar de testemunhos de quem trabalhou nessas clínicas.
Também é tabu falarmos das pessoas que se arrependeram de fazer a transição, porque estes "detransitioners" são em si mesmo grandes histórias no sentido literário e porque nos deixam uma forte hipótese: e se tudo isto for sobretudo uma moda ideológica criada nas bolhas da internet woke onde se aprende que “é mau seres uma rapariga branca cis heterossexual”? E se tudo isto estiver relacionado com a grande crise de saúde mental provocada pela net na juventude de hoje, como tem salientado Jonathan Haidt? Mais: Papers académicos que provam o contrário desta ideologia trans também são atacados ou mesmo apagados depois de terem sido publicados segundo todas as regras do método científico. O negacionismo e o obscurantismo anti científico vêm dos dois lados do espectro político. Aliás, o que está aqui em causa é a própria ideia de medicina, pois professores de medicina têm medo de dizer as palavras “masculino” e “feminino”, “macho” e “fêmea”. Isto é gravíssimo por várias razões. Dou apenas uma a título de exemplo: no autismo, há diferenças enormes entre menino e menina e, precisamente por não se ter em atenção essa diferença, muitas meninas ficam por diagnosticar; havia e ainda há um viés masculino ou mesmo machista. Ora, este viés machista que não via o feminino na medicina não pode ser agora substituído por um viés trans que de novo recusa ver o feminino.
I. FACTO DO CONTRA
Um homem que fez a transição para mulher tem uma vantagem injusta no desporto feminino
À direita, muitos negam a química (os anti-vacinas) ou a astronomia (terra é plana); à esquerda tornou-se moda negar evidências da biologia. Contra isso, é preciso dizer que o sexo é binário. Não se pode confundir "sexo", um facto biológico, com "género", uma construção social. Nós podemos reconstruir social e moralmente os papéis familiares e sociais que se esperam do pai/homem e da mãe/mulher. Eu acabei de publicar um romance que tem no subtexto a reconstrução da tal "masculinidade tóxica"; desafio ali os códigos de conduta machistas que aprisionam o rapaz e o homem. No meu trabalho como "jornalista" e colunista, estou há anos numa luta contra a "motherhood gap" que prejudica as mães/mulheres e que tem como causa o seguinte: os homens/pais recusam o trabalho doméstico, sobretudo o de cuidador de crianças e velhos. Mas defender isto na cultura não implica destruir a verdade objetiva da biologia e da medicina. Nós não somos só a nossa biologia, sim, mas temos uma biologia de base. Não somos só vontade e construtivismo. Há limites geográficos, políticos, económicos e obviamente biológicos à nossa vontade. O "eu", o ego, não é todo-poderoso. O "eu" não pode recriar a realidade à sua medida. Mas vivemos de facto nessa distopia egocêntrica, porque quer a direita neoliberal quer a esquerda pós-moderna - as duas forças mais poderosas no último meio século - trabalharam nesse sentido.
Ora, um homem que passa a ser mulher através da transição não deixa de ter uma estrutura muscular, óssea, pulmonar e cardíaca mais forte e mais rápida do que as mulheres de raiz e, portanto, colocar uma mulher trans (um ex-homem) a competir com mulheres é uma evidente batota. O desporto feminino não pode ser adulterado desta forma. Vemos muitas vezes as mulheres trans a dizer que ficam muito ofendidas por não conseguirem competir como mulheres e que isso é ofensivo e “transfóbico”. Não é. Um indivíduo é mais importante do que cem? O homem que se transforma em mulher é de repente, só por causa dessa transformação, mais importante do que cem mulheres com quem vai competir? Não. Não tenho nada contra as pessoas trans se for essa a sua escolha adulta e consciente. Mas tenho muito contra a ideia de que, por causa das pessoas trans, não podemos dizer "mulher" mas sim "pessoa com ou sem útero"; e sobretudo sou contra esta evidente batota desportiva.
Ou seja, a agenda trans pode ser profundamente anti-feminista.
Como diz o professor David Marçal, a diferença muscular entre atletas masculinos e atletas femininas pode ir até aos 30%. A superior massa muscular dos homens resulta de uma realidade biológica indesmentível: a testosterona, que, durante a puberdade (a “puberdade” é um conceito biológico muito diferente do conceito social que é a “adolescência”), aumenta a capacidade muscular, pulmonar e cardíaca, reduz a percentagem de gordura corporal, aumenta a concentração de hemoglobina (que transporta o oxigénio no sangue). Os níveis de testosterona num rapaz na puberdade aumentam 20 a 30 vezes, sendo 15 vezes mais elevados do que os existentes numa mulher adulta. O que está aqui em causa é uma aula de biologia normal. Até aos dez anos, a rapariga pode nadar mais rápido do que o rapaz, mas a partir dos dez anos, com a alteração da puberdade, o rapaz fica inevitavelmente mais rápido.
Mesmo quando se submetem a tratamentos de transição com base no estrogénio, os homens que passam a ser mulheres não perdem a base muscular e continuam a ser mais rápidos e mais fortes do que as fêmeas biológicas de raiz; a vantagem fisionómica do homem não é reversível com terapia hormonal; a biologia não é tabula rasa à disposição dos nossos desejos. Um homem antes da transição tem entre 15% a 30% de vantagem no desempenho; após esse tratamento hormonal da transição, a vantagem diminuiu mas não desaparece e fica perto dos 10%.
Os factos são factos e não podem ser tabus.
Se a ideia é fazer mudanças com um sentido de justiça desportivo, porque não mudarmos para uma única competição unissexo todos os desportos que só dependem de inteligência e perícia, e não da força bruta? Por exemplo, porque é que as disciplinas de tiro continuam separadas entre homens e mulheres? Desconfio porquê: as mulheres são melhores do que os homens no tiro. Portanto, repare-se nesta contradição que prejudica as mulheres: há uma tremenda pressão pública para que homens que se transformam em mulheres possam competir no desporto feminino de cariz físico, para assim beneficiarem de uma vantagem biológica injusta; ao mesmo tempo, não há pressão pública para que as mulheres possam competir com os homens numa categoria unissexo nos desportos que dependem apenas da perícia. Dá que pensar, ou não? Neste momento, o desporto feminino corre o risco de ser transformado numa charada que faz lembrar aquele velho adágio do futebol alemão: o desporto feminino são 11 contra 11 e no final ganha um homem?
É por isso que começam a surgir os primeiros processos legais de mulheres contra a entrada de trans nas competições femininas. Estas nadadoras, por exemplo, processaram a NCAA (a confederação do desporto universitário dos EUA) por duas razões. Em primeiro lugar, está em causa o direito constitucional à igualdade das mulheres que uma "mulher" trans destrói a partir do momento em que entra no desporto feminino; estas raparigas e mulheres treinam durante anos e anos com os seus pares e depois, num ápice, são ultrapassadas pela concorrência desleal de um homem que mudou de sexo. Gostava de destacar um caso que é representativo desta brutal injustiça: Lia Thomas; entre 2017 e 2020, este nadador homem competiu entre homens, mas nunca chegou às finais universitárias. Era mediano. Depois de dois anos de tratamento hormonal para passar a ser mulher, mudou para a natação feminina. Adivinhem o que aconteceu? Passou a ganhar facilmente, esmagando as rivais femininas na velocidade e na resistência. Lamento, mas isto até parece uma piada. Se eu tivesse de pensar numa piada para gozar com o machismo que encontra sempre maneira de tramar as mulheres, seria esta. Em segundo lugar, está em causa o direito à privacidade e recato no balneário; de repente, entram no balneário feminino pessoas que são biológica e genitalmente masculinos.
Para terminar, como seria de esperar, os intelectuais públicos que defendem a realidade contra o ativismo trans mais radical são atacados e cancelados pelo fanatismo woke. Um exemplo é Kathleen Stock, que vê no radicalismo trans uma óbvia ameaça ao feminismo. E, não por acaso, encontramos autoras que, partindo da esquerda, estão a entrar na direita; preferem votar na Le Pen do que em Macron ou na esquerda, porque quer o centro liberal quer a esquerda são incapazes de defender com firmeza a mulher contra esta ideologia trans. Quando as pessoas se questionam sobre o porquê da ascensão da extrema direita, deviam pensar sobre este tipo de radicalismo woke que tem um potencial de irracionalidade que assusta os eleitores.
II. CONTADO NÃO SE ACREDITA
O suicídio feminino está a subir em flecha
No ocidente, o suicídio foi sempre uma história masculina. Está a deixar de ser, porque a crise de saúde mental provocada pelos telemóveis e redes sociais está a aumentar o suicídio nas raparigas, que são mais vulneráveis às redes sociais do que os rapazes (mais vulneráveis ao gamming). Este gráfico de Jonathan Haidt é claro. Os números são avassaladores: um terço das raparigas já pensou em suicídio. A hospitalização devido a automutilação aumentou 140%.
Por outro lado, é impossível não detetar falhas na tese de Haidt. Quando abrimos o leque da história, percebemos que o índice de suicídio feminino nos EUA está em 2024 mais alto do que em 2000, mas está nos níveis dos anos 1970. Não havia net e telemóveis nos anos 70, Dr. Haidt! E, em França, os níveis de suicídio feminino não subiram e estão muito longe do pico vivido nos anos 80 - a realidade por vezes é demasiado complexa para ser captada por uma teoria explicadora?
III. A LENTE DA ARTE
A transição forçada
A RDA comunista era perita na batota desportiva, sobretudo no campo feminino: as autoridades dopavam as atletas de forma tão brutal, que algumas acabaram por se transformar em homens à força. Na série alemã “Irmão e Inimigos” (disponível na RTP2), o brilhante Oliver Hirschbiegel conta essa história do dopping que acaba por mutilar o corpo de uma rapariga nadadora, que começa a ter sinais de uma masculinidade forçada. No livro “O Mundo Perdido doComunismo” (Bertrand), Peter Molloy descreve em detalhe esse programa desportivo da RDA através de uma das suas vítimas, Andreas Krieger.
Até para a semana.