Contrafactual

O pós-verdade não está só na Fox News, também está no “New York Times”

Bom dia, caro leitor.

Assume-se, e bem, que a Fox News é um veículo de narrativas trumpistas e do atual Partido Republicano, e que se vive ali no império do pós verdade. A partir daqui, a narrativa mais comum assume que os media liberais estão imunes ao problema pós-moderno da verdade. Mas isso é falso. Os media 'liberais' – o NY Times, a NPR, a CNN e mesmo fenómenos mais recentes como o Vice - também foram tomados por uma narrativa, o wokismo, que despreza factos, que censura, que deturpa. O negacionismo está nos dois lados da polarização mediática, não apenas na Fox News. De resto, não é por acaso que há um novo conjunto de órgãos de comunicação social (Free Press, News Nation, UnHerd) que está a tentar recuperar a essência do jornalismo contra os dois pós-verdades: o jornalismo não existe para fazer ativismo, à esquerda ou à direita, porque isso destrói o respeito pelos factos, que desaparecem quando não dão jeito ou que são inflacionados quando dão jeito; o jornalismo existe para reportar a realidade com curiosidade e sem ideologia, mesmo quando essa realidade é desagradável e sobretudo quando destrói narrativas socialmente hegemónicas.

Nos últimos tempos, um número crescente de jornalistas têm denunciado a partir de dentro a decadência do jornalismo liberal mainstream. São "whisteblowers" que têm de ser ouvidos, porque estão a denunciar um problema tão ou mais grave do que a Fox News.

I. FACTO DO CONTRA

O NY Times faz uma censura igual à da Fox News

Através da história pessoal de Bari Weiss, já conhecíamos o clima censório que se respira no NY Times. Agora, a sua mulher e colega na Free Press, Nellie Bowles, conta ainda mais detalhes sobre o NY Times no livro "The Morning After the Revolution". As descrições que Nellie Bowles faz do funcionamento interno do NY Times são claras: este jornal usa "fake news" quando dá jeito às narrativas da esquerda radical; não há fact check quando a narrativa (falsa) encaixa logo nos preconceitos. E há uma história particularmente triste e reveladora sobre esta captura ideológica desta redacção, outrora uma instituição; é uma história que mostra como o NY Times faz censura e ativismo, e não jornalismo livre: em 2020, no pós George Floyd, rebentou uma onda de violência em muitas cidades americanas; a violência estava a ser praticada por gangues de negros e por anarquistas, os Antifa. A onda de violência era brutal, mas foi silenciada pela CNN e pelo NY Times e demais liberal media. Repórter do NY Times, Nellie pediu para ir ver o que se passava, porque só estava a ver os dois extremos a contar a história: de um lado, a Fox News estava a descrever o fim do mundo, e do outro lado os sites mais à esquerda diziam que eram apenas "protestos pacíficos". Ela foi, viu que era grave e disse aos editores que era preciso contar a história, porque muitas cidades estavam a ser varridas por uma violência brutal e era preciso fazer uma reportagem equilibrada, algo que a Fox News e a CNN não eram capazes de fazer. Aliás, há um momento tristemente cómico na CNN nestes dias: o repórter está a dizer que nada se passa quando na verdade tem atrás de si uma cidade a arder. Num momento à ministro iraquiano da informação, afirmou que eram protestos "fogosos mas pacíficos" (“fiery but peaceful”). É um dos momentos mais reveladores do pós-verdade no centro liberal dos EUA: o repórter não consegue aceitar a realidade que tem à sua frente, entrando uma negação cómica da mesma.

Repare-se: sendo uma lésbica casada com outra lésbica, ambas 'liberais' no sentido progressista americano, Nellie iria abordar esta realidade através de uma sensibilidade diferente da da Fox News. Mas os editores disseram-lhe que esta realidade simplesmente não estava a acontecer. Não era para ver a realidade a partir de outro ângulo, era para negar a realidade, pelo menos até às eleições daquele ano. Ou seja, os mainstream media liberais dominaram a narrativa através da censura e do silêncio, não contando uma história decisiva.

E isto não é só uma ofensa à liberdade e um suicídio do jornalismo, é também um erro político. Os editores fizeram esta censura com medo que a reportagem da violência favorecesse Trump contra Biden. Mas isto é um absurdo. Em primeiro lugar, a Fox estava a reportar a violência, as pessoas podiam ver; portanto, restava contextualizar e reportar a situação com outros olhos. Em segundo lugar, os indecisos e independentes das zonas afectadas pela violência só podiam achar bizarro o silêncio 'liberal' sobre a violência devastadora que tinham à sua porta - e não por acaso a venda de armas subiu nessa época. Mais: este aumento da venda de armas também é contemporâneo do slogan - agora escondido - que a esquerda radical lançava nas ruas em 2020: "defund the police". Agora, até os mais radicais estão calados sobre o assunto e fingem que esse slogan não esteve no centro da esquerda americana encabeçada pelo radicalismo do Black Lives Matter e do Antifa. Mas, como recorda Nellie Bowles, esta loucura foi mesmo o centro da esquerda americana e era bom que os seus ideólogos fizessem mea culpa; seria um ato de honestidade intelectual e politicamente ajudaria Biden em 2024.


Michael Moynihan conta uma história em tudo semelhante sobre o Vice, um jornal online que tinha imensa tracção, mas que agora caiu na falência devido precisamente ao fanatismo woke. Mas deixemos o "go woke go broke" para depois. Hoje quero apenas salientar o clima de pós-verdade e de absoluto fanatismo dentro da redacção. Por exemplo, há um tiroteio que vitimiza uma comunidade asiática; de imediato, a cúpula do jornal vê ali uma manifestação de racismo do supremacismo branco e demonstra interesse, mas, quando se descobre que o atirador é um emigrante asiático, o interesse desaparece. No mesmo sentido, quando rebenta um tiroteio num bairro negro de Nova Iorque, a direcção demonstrou interesse em fazer mais uma demonstração de anti racismo, mas, quando se descobre que o atirador é negro, o interesse desaparece de novo. Os tiroteios só têm interesse quando os atiradores são brancos. Isto é a desonestidade intelectual do politicamente correto (agora apelidado de woke) na prática. E Michael Moynihan revela situações ainda mais perversas: o dinheiro só passou a ser investido em jornalistas negros ou trans ou gays comprometidos com a desintoxixação da sociedade em relação aos brancos heterossexuais. Por exemplo, um escritor gay negro faz um lamento: diz que só sente atracção por homens brancos e, vai daí, escreve um texto sobre a necessidade de "descolonizar o seu desejo". Pergunta: porque é que sentir atração por homens brancos tem de ser um problema? Não é isso a forma mais básica e visceral de racismo, ter nojo de ter sexo com pessoas de outra cor? O que aconteceria a um autor branco se dissesse que não quer ter desejo por mulheres ou homens negros e que tem de fazer uma terapia de correção desse desejo?

Além da pobreza intelectual e do preconceito assumido, este tipo de história tinha um problema: ninguém lia, não gerava interesse no público.

Para terminar, Michael Moynihan conta outra história que está para lá da imoralidade, mas que foi e é defendida pelo wokismo: num dado momento, é preciso fazer um lay off de mais de cem jornalistas; nessa centena e tal de jornalistas, há dois trans; surge logo uma saraivada de petições internas para se salvar o emprego desses dois jornalistas trans. Quando alguém questiona a moralidade dessa decisão - porque é que aqueles dois são mais importantes do que os outros cem?; essas pessoas não estão a ser escolhidas com base no mérito - podem imaginar o que aconteceu: essa pergunta foi rotulada de "transfóbica".


II CONTADO NÃO SE ACREDITA

A transformação da NPR num sistema de propaganda woke

O que está aqui em causa é demasiado importante. Tem tanto de importante como de silenciado pelos tais liberal media. Por isso, o Contado não se Acredita desta semana mantém o tema da primeira secção, porque de facto aquilo que o wokismo fez às grandes instituições jornalísticas parece mentira. Mas não é. Uri Berlinder conta a mesma história chocante sobre a NPR, que através da desonestidade woke foi perdendo credibilidade junto do público; foi ficando com ouvintes apenas da franja radical da esquerda, perdendo ouvintes conservadores, claro, mas também os liberais democratas clássico, a esquerda clássica. A NPR era um exemplo de moderação centrista, era ouvida por todos. Agora é um silo woke.

O momento de transformação foi a emoção gerada pelo assassínio de George Floyd. E aqui Berlinder diz o mesmo que Roland Fryer: um vídeo emocional de um momento emocional não pode substituir a cobertura factual da realidade e das tendências objetivas a realidade. Não, na questão dos tiroteios, a polícia não é racista, não dispara mais sobre negros do que sobre outras comunidades.Mas a direção da NPR, uma redação noticiosa e de investigação, decidiu que não era preciso fazer jornalismo, mas sim ativismo para se acabar com o tal "racismo sistémico". A redação perdeu a curiosidade e passou a ser uma linha de montagem de peças ideológicas sempre com os mesmos temas: o racismo é sistémico e nada mudou; tudo é transfóbico; Israel é sempre o vilão; nada pode prejudicar o candidato democrata (daí a ocultação do caso Hunter Biden); a obsessão com o "racismo" impede a crítica à ditadura chinesa e o desenvolvimento da tese muito verosímil que diz que a Covid teve origem num laboratório chinês. A lista da bizarria woke na NPR é imensa: o nome "The Beatles" é racista; justificação de pilhagens; qualquer preocupação com crime é "racista"; é proibido falar em biologia (porque incomoda a tese trans); os asian americans que se opunham à affirmative action (porque acreditam no mérito) só podiam estar a ser manipulados pelos brancos conservadores. Este nível de desonestidade esteve e está no centro de uma das grandes instituições jornalísticas dos EUA. Parece mentira, mas é verdade. Chegou-se a este nível de fechamento mental, porque, enquanto se mantém o fogo de artifício da diversidade de pele e sexo (as políticas DEI exigem a contrataçãp de negros, trans, gays, hispânicos, tenham eles mérito ou não), há um ataque deliberado à diversidade de pensamento: no escritório de Washington DC, Uri Berlinder encontrou 87 democratas registados e 0 (zero) republicanos. Isto é um óbvio problema estrutural do jornalismo contemporâneo e não apenas da NPR. Uma organização, ainda para mais com a responsabilidade de reportar a realidade, não pode ter este viés brutal para um dos lados.

Em conversa com Cuomo na News Nation, Uri Berlinder traça o cenário que esta newsletter tenta desenvolver todas as semanas: as pessoas estão fartas das narrativas dos dois lados, estão fartas dos média conservadores e estão fartas dos média liberais, e querem verdadeiro jornalismo que assenta em duas coisas: sacralidade dos factos, sacralidade do pluralismo de posições sobre esses factos. Ninguém pode dizer que um fato é um tabu.


III. A ARTE COMO LENTE

Israel e Palestina

Eu já ouvia a banda sonora, agora vi o filme: "Oslo" (HBO) conta a história improvável dos acordos de paz de 1993 entre israelitas e palestinianos. É bom a muitos níveis. Eu destaco o seguinte: revela o carácter tantas vezes implausível da realidade. É uma história que parece mentira, parece um conto de fadas atabalhoado, mas foi mesmo assim. A paz nunca esteve tão perto devido a uma história inverosímil mas absolutamente verdadeira. Se um ficcionista tivesse inventado esta história, toda a gente iria considerá-la fraca e implausível.

Até para a semana.

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