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A imigração pode até reduzir a criminalidade

Olá, boa noite!

I

MITO: A IMIGRAÇÃO AUMENTA A INSEGURANÇA

FACTO: AS COMUNIDADES IMIGRANTES CRIAM SEGURANÇA

Há talvez quinze anos, Londres viveu uma onda de motins. Quais foram as válvulas de segurança e proteção durante aqueles dias caóticos? Os imigrantes e filhos de imigrantes que defenderam as suas lojas, cafés e comunidades. Ou seja, a criminalidade autóctone foi parada por imigrantes. Esta história podia ser rara e podia ser assim uma forma bem-intencionada, mas falsa de abordar o tema da imigração. Mas não é rara. Esta história é um exemplo paradigmático de uma tendência; está factualmente suportada pelos dados, tal como mostra o livro agora publicado pela Temas e Debates: “Como Funciona Realmente a Migração”, de Hein de Haas, a base da newsletter desta semana.

Neste paper académico sobre Inglaterra, encontramos as bases daquilo que acabei de descrever: num bairro onde os imigrantes compõem entre 20% a 30% da população, a criminalidade cai de forma significativa.

Nos EUA, Cenk Uygur expõe aqui factos semelhantes: os americanos autóctones – brancos ou negros – são quatro vezes mais propensos ao crime do que um imigrante documentado e duas vezes mais do que um imigrante ilegal. Por outro lado, também se deve dizer que não há uma invasão de gangues (o famoso MS-13): das pessoas que entram nos EUA pela fronteira sul, só 0,09% pertence a gangues.

A verdade é que os bairros com comunidade imigrantes ficam mais seguros, porque criam um sentido de comunidade e família que até pode ser mais forte do que o sentido comunitário e familiar dos locais. Um bairro de “white trash”, por exemplo, tem um potencial de delinquência superior a um bairro de migrantes asiáticos (coreanos/chineses/vietnamitas ou indianos), porque estes são mais conservadores, têm mais controlo social, mais família, mais negócios de família, mais devoção aos estudos enquanto ascensão social. Com dados referentes ao período 1980-2010, dois investigadores perceberam que a chegada de famílias migrantes diminuiu os índices de criminalidade nos EUA. E, como salienta outro investigador, isto é ainda mais verdade quando falamos de crimes violentos. Podemos encontrar imigrantes pobres a roubar carros, mas é mais difícil encontrá-los nas listas de homicídios, violação, agressão.

É assim em todas as regiões. No Texas, imigrantes legais têm uma taxa de criminalidade 66% abaixo dos locais. Não,não é erro: sessenta e seis. A taxa dos imigrantes ilegais está 50% abaixo dos locais. Cinquenta. Na Flórida, podemos ver que os imigrantes hispânicos ou das Antilhas têm uma taxa de homicídio mais baixa do que os locais e que essa mesma taxa baixa à medida que a comunidade cresce. É por isso que é fundamental salientar este ponto comunitário e até conservador no sentido correto do termo: os “corpos intermédios” de Tocqueville são fundamentais na integração. Como defende o criminologista Robert Sampson, ao criarem comunidades tocquevillianas, os imigrantes conseguem um efeito secundário: baixam as taxas de criminalidade, porque os jovens, sobretudos jovens de sexo masculino, estão integrados na família, numa igreja, numa comunidade, numa empresa de cariz familiar; cada comunidade tem um ethos, uma partilha de valores comuns. Na população de Chicago, os hispânicos têm menos 45% de probabilidades de entrar no crime ou delinquência do que os locais brancos ou negros. E também é por isso que as deportações não têm um efeito nas taxas de criminalidade.

Tudo isto revela-nos uma situação irónica: a esquerda é mais pró mais imigração, mas são valores normalmente associados à direita (família, negócio de família, comunidade e igreja) que permitem uma integração dos imigrantes; já a direita, por ser mais anti imigração, corre o risco de não perceber que os seus valores tradicionais estão na base de uma integração de sucesso do imigrante. São as tais ironias da história que não cabem nas narrativas ideológicas.

Na Alemanha, investigadores apuraram o mesmo: a grande vaga de imigrantes do tempo de Merkel teve um efeito residual ou nulo na taxa de criminalidade.

Quer isto dizer que não há problemas relacionados com imigração? Não. Há problemas, mas, dentro desses problemas, temos de olhar para duas coisas: a classe social e a masculinidade tóxica.

Quando um imigrante comete um crime, isso está ligado à sua pobreza e desproteção social, tal como os crimes dos seus filhos, os imigrantes de segunda geração. A delinquência de imigrantes de segunda geração não é causada pela sua raça, mas pela sua pobreza e ausência de esperança na melhoria de vida – e aqui são iguais ao “white trash” americano e à ex-classe operária da Europa. A explicação é a classe social, não a raça. Porque a integração acontece quando há meios para um caminho de estudos e boa formação profissional.

Por outro lado, como salienta, Hein de Haas, há uma evidente diferença entre a imigração de famílias – como já vimos – e a imigração solitária de jovens adultos do sexo masculino. O que leva à questão fundamental. Quando se trata de colocarmos filtros à entrada de pessoas, o que parece ser importante não é a cor das pessoas ou a sua religião, mas sim se entram em família ou sozinhos. A emigração de famílias parece ser uma situação de win win, porque as famílias formam as comunidades que têm o efeito positivo já discutido. Mas a imigração apenas de jovens adultos do sexo masculino não tem o mesmo efeito por razões óbvios. Vinte jovens do sexo masculino - juntos num bando, sem família e sem laços ao sítio onde passaram a viver - têm obviamente um potencial disruptivo, sejam eles brancos, negros, castanhos ou azuis. É uma questão que nos leva à masculinidade tóxica, não à etnia.

II

CONTADO NÃO SE ACREDITA

Não vou pra cama contigo porque és de direita

Às vezes, o facciosismo da nova geração woke parece mesmo mentira. No Tinder, parece que ser judeu ou defensor de Israel é um enorme problema. “Se fores sionista não quero ir pra cama contigo” é uma das tendências desta rede social sexual. Mas porque é que o amor e o sexo têm de seguir linhas ideológicas? Isto esconde uma enorme desumanização do “outro” feita pela esquerda. O outro, aquele que pensa de forma diferente, é encarado com nojo, um nojo primário e visceral. O que faz lembrar uma sondagem que mostrava o seguinte: 41% dos jovens americanos afirmou que mudaria de médico caso descobrisse que ele tinha opiniões diferentes das suas. Este é um grau de fanatismo para lá de preocupante. Mais: quando Elon Musk passou a ter opiniões consideradas republicanas, a venda de Tesla para consumidores democratas baixou 60%. Os democratas, que são os grandes consumidores de carros elétricos, deixaram de comprar carros elétricos. E, de facto, a Tesla nos últimos tempos está a ter dificuldades.

III

FACTO ESCONDIDO

450 mil carros a mais

Na última edição do Expresso quero destacar esta peça de Raquel Albuquerque e Jaime Figueiredo: em 2024 Portugal tem mais 450 mil carros a circular do que em 2019.

Em cima destes números, quero fazer duas perguntas. Não é este um dos efeitos dos confinamentos e do medo gerado pelo #ficaremcasa, que afastou as pessoas dos transportes públicos?

Porque é que se vê tantos jovens adultos a chegar à faculdade ou local de trabalho de TVDE e não de transportes públicos, quando sabemos que os transportes hoje em dia, apesar de todos os seus defeitos, são melhores do que há vinte anos? O Metro hoje em dia chega à Amadora e a Odivelas e há comboio para a outra banda.

IV

A ARTE COMO LENTE

A nascente do pós-verdade: Fox News

Como é que surgiu a mentalidade securitária na direita americana, que está a montante do mito desta semana? A série “Loudest Voice” conta bem essa história. Russell Crowe é aqui Roger Ailes, o fundador da Fox News e líder de facto do Partido Republicano a partir do 11 de Setembro. A série explica bem como um clima de medo e paranoia acabou por criar a Fox News e todo um mundo paralelo, um Pravda no coração da grande democracia; um Pravda que anula factos e evidências como aquelas que mostrei no ponto I.

Até para a semana!

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