A vida é vil

Quem é o candidato de Passos Coelho?

Ventura diz que Passos era o seu candidato preferido a Belém e Passos diz que não ficou incomodado. Agrada-lhe fazer mossa neste PSD ou já deu de barato que o senhor que se segue à direita é o líder do Chega?
TIAGO MIRANDA

Caro leitor
Enquanto José Sócrates não regressa da pausa "académica" no Brasil com que "deliberou" (a expressão é sua) empurrar com a barriga a etapa mais hard do seu espaventoso julgamento, cá nos vamos entretendo com eleições.

Viciámo-nos nisto, ir a votos e ver Ventura crescer. E embora o homem não chegue para as encomendas (o chumbo por faltas na Câmara de Moura são pipocas) estamos condenados a levá-lo a sério. As autárquicas já são o menos, nas legislativas fiará mais fino e nas presidenciais quase tudo depende dele. Sem ele, a dúvida era Mendes ou Seguro contra Gouveia e Melo. Com ele, a dúvida é quem irá à segunda volta e o que fará a direita decente.

E foi precisamente para alvoroçar a direita decente que Ventura se apresentou à pátria com um nome debaixo da língua, Pedro Passos Coelho, o seu ás de trunfo contra o PSD, contra Montenegro, contra o Governo da AD, contra os que não aceitam vê-lo a liderar este lado do jogo, e contra Luis Marques Mendes, que não é só, mas também é, o rosto do PSD na corrida que se segue.

Passos diz que não ficou incomodado por Ventura o usar contra a sua família política, mas se não ficou incomodado devia ter ficado. O líder do Chega arrumou-o na prateleira dos líderes indisponíveis, quando disse 'podia ser ele o candidato presidencial da direita, eu queria-o a ele, mas se ele não quer, vou eu'.

Não sendo crível que Passos não tenha percebido o alcance da jogada, de duas, uma: ou acha mesmo que André Ventura é o líder certo para a direita e antecipa, sem reservas, que ele acabará por chegar onde quer sendo Belém um mero trampolim; ou está tão frustrado com o rumo do montenegrismo e com a respetiva escolha presidencial que não poderão contar com ele senão para ambiguidades. Não está obrigado a nada, mas se escolher ser ambíguo, faz mal. O que se joga nestas presidenciais é muito mais do que a escolha de um melhor ou pior sucessor de Marcelo. Joga-se reforçar ou romper com o equilíbrio de um sistema que, tal como Marcelo, não é defeito, é feitio. E o que espreita não é coisa boa.

André Ventura propõe-se "desabar o sistema", seja a partir de São Bento, de Belém, ou das galerias do Parlamento e se chegar a Presidente da República vê-se à mesa do Conselho de Ministros e a aterrar em Madrid para exigir a prisão de Pedro Sanchez (Passos gosta disto?). Gouveia e Melo diz que vem para fazer diferente mas que está entre o socialismo e a social-democracia e assume ter-se sentado à mesa com o líder do Chega à procura de "posições mútuas" que segundo consta não encontrou (e isto, agrada-lhe?). António José Seguro vai ser o candidato do Partido Socialista (o voto é secreto, mas PPC não pode apoiá-lo publicamente). E Marques Mendes é o candidato do partido de Passos (não o entusiasma, percebe-se). Mas Passos Coelho também nunca foi fácil de entusiasmar com candidatos presidenciais.

Faz agora 10 anos, andava Marcelo num desassossego rumo a Belém, quando ele escreveu na pedra que a Presidência da República não merecia "um catavento mediático". Na hora da verdade, lá engoliu o sapo e acabou por manifestar o apoio ao "Dr Rebelo de Sousa", por razões que vale a pena revisitar. Embora reconhecendo terem maneiras de ser muito diferentes, Passos relevou o facto de Marcelo ter “da função presidencial uma noção institucional que não difere, na sua natureza, daquela que tem sido a interpretação do professor Cavaco Silva”. Cavaco era um exemplo.

Ora o professor Cavaco Silva, um caso de resistência na intervenção política como ex-Presidente, tem um guião para oferecer a Passos Coelho. Escreveu no Expresso que convém os eleitores pensarem bem antes de escolherem o senhor que se segue - “escolha muitíssimo importante para o futuro” -, alertou que uma “eventual falta de qualificações específicas” para o exercício do cargo pode “lesar” o interesse do país e defendeu um Presidente com experiência política, incluindo em “tarefas da governação". O filtro que deixa é um 'chega para lá' a Ventura e ao almirante e, sendo impossível vê-lo a apoiar o candidato do PS, fica o apoio a Mendes, cujas contas se complicaram com a entrada em cena do líder do Chega e do ex-líder da IL.

Cotrim Figueiredo saltou da liderança do partido para o Parlamento Europeu, agora tenta resgatar a IL do mau resultado nas legislativas (é a Catarina Martins da direita), e para dar a mão à sua gente arrisca ajudar Ventura, Gouveia e Melo ou mesmo Seguro. Com tração junto dos jovens, Cotrim não encaixa no perfil de Rui Moreira, que desistiu da corrida e apoiou Mendes.

E por estas e por outras, é irresistível perguntar quantas saídas públicas tem Pedro Passos Coelho na agenda daqui até janeiro. Porquê? Porque sabemos que ele não dá entrevistas mas nunca perde uma das suas raras aparições, seja o lançamento de um livro ou a presença numa conferência para, sem precisar de agências de comunicação, fazer das suas. Também sabemos que Passos nunca quis as presidenciais, nunca diz nunca à política, partilha com o líder do Chega uma predileção pelo cargo de primeiro-ministro, está chateado com o PSD e lá terá as suas razões para acusar o partido de não ter sabido gerir Ventura. Mas não há volta a dar. Esse tempo é chão que deu uvas, André Ventura já abanou isto tudo e a escolha agora é estar com ele ou combatê-lo.

Um Chega maior do que o Partido Socialista e a morder os calcanhares ao PSD deveria motivar Passos a dizer o que prefere. Um 'Venturito' (Isaltino bem pode registar o título) que quer "desancar o sistema"; o regresso a um PR militar em versão confusa, que enxota partidos mas põe Rui Rio à sua direita, Isaltino à esquerda e potenciais "interceções" com o Chega sob observação; um ex-líder do Partido Socialista com quem o próprio Passos se entendeu nos bravos tempos da troika e que hoje regressa para se vingar do PS; ou um ex-líder do PSD que joga na preservação da espécie, com longa e consistente experiência política e a benção de Cavaco.

Se escolher manter-se ambíguo, Pedro Passos Coelho desistiu deste PSD. Resta saber se intuiu que, com Ventura no podium, já desistiu de si próprio.

Até para a semana.

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