A viver há 15 anos recluso em casa dos pais, de máscara no rosto, Richard Norris pode voltar a sair à rua sem pudor, depois de ter sido sujeito ao mais extenso transplante completo de rosto alguma vez realizado. Veja a fotogaleria e o vídeo
.Durante 15 anos da sua vida, Richard Lee Norris, de 37 anos, viveu enclausurado em casa dos pais, numa zona rural dos EUA. Agora, graças a um transplante facial, a vida do ex-soldado mudou e já pode deitar fora a máscara para tapar o rosto durante as raras saídas à rua.
Richard foi vítima de um acidente com uma arma em 1997, ficando completamente desfigurado. Hoje, após 15 anos, vai poder destapar a cara, depois de ter sido sujeito ao mais extenso transplante completo de rosto alguma vez realizado. A operação demorou 36 horas e foi um processo que lhe devolveu cara, nariz, dentes e maxilar. Os médicos dizem que está a ter uma boa recuperação e, apenas uma semana após a intervenção cirúrgica, já consegue escovar os dentes, fazer a barba e identificar cheiros.
Seis vidas salvas por um único doador
Um único doador de órgãos salvou a vida de seis pessoas, tendo cada uma delas recebido um transplante do mesmo corpo. Uma destas operações pode, porém, ser considerada especial, já que a família do doador anónimo consentiu o transplante facial. Consequentemente, nos dias 19 e 20 de março, os médicos da Universidade de Maryland, nos EUA, reconstruíram de forma incrível o rosto de Richard Norris. Foi o primeiro transplante facial completo, em que nada do antigo rosto permaneceu após a cirurgia. Agora, Richard pode recomeçar a sua vida.
Foi em 1997 que o ex-soldado, de Hillsville, Virgínia, foi alvejado na cara, tendo perdido o nariz, os lábios e quase todos os movimentos da boca. Poucos detalhes sobre as circunstâncias do acidente do então soldado da Marinha são conhecidos. Mesmo após muitas cirurgias de reconstituição, Norris não voltou a ter uma aparência normal. Fechou-se em casa dos pais e desde então não voltou a ter um trabalho a tempo inteiro por caso do seu aspeto. A verdade é que, nos últimos 15 anos, Richard saía raramente à rua, fazendo todas as suas compras à noite. O rosto estava sempre tapado com uma máscara.
Refém do seu próprio rosto desfigurado, Richard Norris viu a vida mudar quando foi escolhido entre cinco possíveis candidatos para ser submetido a um transplante facial. O cirurgião Eduardo Rodriguez, líder da equipa da operação, disse que esperava que o transplante "devolvesse a vida a Norris".
"É uma experiência surreal olhar para ele", afirmou o médico à agência Reuters. "É difícil não ficar especado. Antes, as pessoas fixavam o olhar em Richard porque ele usava uma máscara, e elas queriam ver o rosto deformado. Agora têm outra razão para olhar."
Cem médicos envolvidos no processo da mega cirurgia
Segundo os médicos da Universidade de Maryland, o caso do ex-soldado encontrava-se em processo de análise desde 2005, ano em que a França realizou o primeiro transplante facial. No passado dia 19 de março, Richard Norris entrou na sala de operações para uma cirurgia que durou 36 horas. Todo o processo juntou cerca de cem médicos, cientistas e outras especialistas da Universidade de Maryland. A intervenção cirúrgica foi financiada pela Marinha dos EUA, com a intenção de ajudar na evolução técnica destas operações, para que num futuro próximo, seja possível o tratamento de vários soldados.
Na operação - a mais extensa em transplantes faciais - foram utilizados procedimentos modernos para substituir o delicado conjunto de músculos e nervos que determinam as expressões faciais, os movimentos e os sentidos. Isso sem falar na implantação da língua para que Richard pudesse falar corretamente, dos dentes para mastigar de forma normal, do maxilar e de tecido para a reconstituição da pele do pescoço.
Quando acordou após a cirurgia e abriu os olhos, Rchard pegou num espelho, viu o seu reflexo e abraçou o médico que liderou a operação, Eduardo Rodriguez. Apesar de ter recebido o rosto de um doador anónimo, Richard não ficou parecido com ele, granate o médico que chefiou a equipa. "É uma combinação de dois indivíduos, uma verdadeira mistura." O chefe de cirurgia plástica reconstrutiva da Universidade de Maryland espera agora que o seu paciente possa ter uma vida normal: "o nosso objetivo é restaurar as funções motoras e ter resultados estéticos satisfatórios".
Ainda hospitalizado, Richard Norris já revela uma evidente recuperação. O ex-soldado da Marinha é capaz de escovar os dentes e de fazer a barba. Também recuperou a capacidade de identificar cheiros.
Medicado para o resto da vida
O antigo soldado não foi escolhido ao acaso para o transplante facial. "O dador tem de ser compatível. Têm de existir semelhanças na raça, cor de pele, tamanho do rosto", explicou ao Expresso o cirurgião plástico João Anacleto.
Segundo um dos médicos da equipa da Universidade de Maryland, Rolf Barth, apesar da compatibilidade com o dador, Richard Norris vai ter de tomar imunossupressores para o resto da vida, de forma a evitar qualquer tipo de rejeição do corpo ao transplante facial. Porém, os imunossupressores podem levar ao desenvolvimento de algumas doenças. "São um medicamento que pode causar doenças graves, como a diabetes ou insuficiência renal", explicou o cirurgião João Anacleto, concluindo: "para mim, este tipo de transplante apresenta algumas reservas".