“Eu ia-lhes a dizer para terem calma, para não se confrontarem com situações de violência e, de repente, deram-me um murro na cara, que me desequilibrou. Depois, veio um jovem pelas minhas costas e deu-me um murro na cabeça, de cima para baixo, com bastante força. Depois ainda apanhei uma paulada, que é o que me dói mais”. Foi com estas precisas palavras que Mário Soares descreveu a cena da Marinha Grande, onde foi alvo de uma agressão, durante a primeira volta da sua campanha presidencial, no dia 15 de janeiro de 1986.
Pouco antes de chegar ao que estava a deixar de ser o bastião vidreiro e autarquia comunista mais a norte do país, Soares foi avisado pelo seu mandatário que não seguisse, uma vez que centenas de elementos aparentemente ligados ao PCP estavam lá para o boicotar e talvez para o agredir.
Soares, com a sua calma desconcertante e também com a coragem física que o caracterizava, respondeu:
“Era o que faltava não poder circular livremente pelo meu país”.
E mandou o carro ir em frente.
O mandatário não exagerara. Uma enorme concentração de militantes de esquerda esperava Soares com palavras de ordem agressivas. Basicamente, os salários em atraso que se faziam sentir na terra eram o principal mote.
Soares sai do carro, sempre acompanhado pelo então subchefe Paulo, destacado pela PSP para segurança a personalidades, e avança na direção da Fábrica dos Irmãos Stephens. É nessa altura que tudo acontece. O momento exato existe numa feliz fotografia de Rui Ochoa que também cobria a campanha. O chefe Paulo consegue interpor, corajosamente, a sua cabeça entre um vigoroso golpe de varapau que se ia abater sobre a cabeça do candidato. Tal valeu-lhe um lanho na cabeça que sangrou abundantemente, mas desviou a paulada para o ombro e pescoço de Soares – o que mais lhe doeu, segundo ele confessaria.
Os apoiantes de Soares e os jornalistas conseguem entretanto recuar para a fábrica Stephens, onde depois de conseguirem fechar os portões, ficam mais ou menos a salvo.
Muita tinta correu sobre este episódio. Houve quem acusasse Soares de encenação e quem dissesse que tinham sido os seus seguranças a apontar pistolas. Para quem viu, nada disso é verdade. Como, na altura, Soares dizia havia duas esquerdas: a que sabia viver em democracia (o PS) e a que não queria nem sabia (o PCP). Na altura era assim. Hoje as clivagens são outras.