Há o Farense-Olhanense, o Farense-Portimonense e, depois, há o Pontal-Pontinha. Os primeiros já tiveram melhores dias, quando os clubes algarvios andavam pela I Liga, o segundo teve vida muito curta. Na verdade foi uma vida que durou poucas horas, mas que tomou Faro de assalto. A razão não era menor. Ao longo de anos e anos, mas sobretudo na década de Cavaco Silva, o PSD fez do Pontal um acontecimento político maior. Todos os verões, o PSD tomava de assalto os jardins junto à doca de Faro para fazer a sua rentrée, com discursos importantes e carregados de notícias. O comício era tão importante que as televisões tinham por hábito fazer diretos do comício. E atenção que não havia canais de notícias: os diretos eram em plena noite de sábado, na RTP, SIC e TVI, no meio de um filme ou de um concurso. Nenhuma televisão falhava, os comícios tinha repercussão e até as audiências eram muito altas.
Em 1995 tudo mudou. O PS, muito seguro da sua capacidade de mobilização, anunciou que ia fazer um comício alternativo na mesma cidade e à mesma hora. Local: Pontinha. Em linha reta não estamos a falar de mais de dez minutos à pé. A provocação era evidente, mas o que estava em causa era medir forças a poucos meses das legislativas. Aquele Pontal era o último de Cavaco, que tinha deixado a liderança do país poucos meses antes para Fernando Nogueira, mas que ainda liderava o governo. António Guterres, apoiado numa máquina liderada por Jorge Coelho e Pina Moura, apostou no ombro a ombro e inventou um comício que nunca tinha existido, na zona da Pontinha, em Faro.
Convém explicar, para os menos habituados a estas andanças, que o verdadeiro Pontal não é em Faro, mas noutro sítio do Algarve, onde o PSD fazia originalmente a sua festa de Verão. Aliás, ainda hoje se continua a chamar Comício ou Festa do Pontal a um acontecimento que agora tem lugar no Calçadão de Quarteira (bem, o verdadeiro calçadão também fica no Rio de Janeiro, mas isso é outra conversa). E foi assim que com um Pontal importado e uma Pontinha arranjada à pressa que se deu o derby dos comícios dos anos 90. E nunca houve outro igual.
Nesse dia as televisões começaram os diretos logo à hora de almoço. De um lado José Apolinário, homem forte do PS algarvio, do outro Cabrita Neto, o todo poderoso do PSD nos tempos de Cavaco Silva. Digamos que não havia austeridade. Eram palcos a sério, bem equipados, bandeiras aos montes, autocolantes aos molhos, equipas muito profissionais. Cavaco chegou a guiar o seu carro, quando as televisões tinham helicópteros no ar, para ver quem tinha mais gente. A SIC fazia diretos exatamente a meio dos dois comícios, numa das pastelarias mais famosas da baixa de Faro. O dia foi levado a sério, com emissões parecidas com as do Porto-Benfica deste domingo.
A noite correu como se previa. Do lado do PSD, máquina muito bem oleada, vinda de três vitórias seguidas, duas delas com maioria absoluta, mas em perda eleitoral. Do outro uma equipa menos treinada, mas com uma convicção de vitória clara e um líder que sabia como estar em comícios. Guterres sabia colocar a voz sem esforço, tinha tido aulas de dicção e respiração e usava sempre a mesma técnica: colocava o olhar em alguém da multidão e discursava tendo em conta as suas reações e emoções. Além disso, fruto da sua técnica parlamentar, sabia bem quais eram as frases que iam ser notícia e levava-as bem pensadas.
O Pontal vs. Pontinha foi um empate em número de assistentes e entusiasmo. Mas quem já lá tinha estado em anos só de Pontal, percebia que os tempos estavam a mudar. A enchente da Pontinha não era apenas uma provocação. Era uma prova de força absoluta, de quem vai jogar ao terreno do adversário e nem pede licença. Entra, senta-se e faz a festa. O derby dos comícios durou poucas horas, uma manhã e uma tarde de aquecimento e uma noite em cheio. Depois acabou para sempre.