O momento do dia:
Ao fim da tarde de terça-feira António Costa visitava as obras do IP3, uma ação de campanha que estava prevista para esta quarta-feira. A antecipação serviu para limpar agenda de hoje de Costa, para que possa vestir o fato de primeiro-ministro e acompanhar a situação do furacão Lorenzo, nos Açores. Perde a campanha, mas ganha Costa com o cargo de PM - eis um argumento que mais nenhum líder partidário pode usar por estes dias.
A frase:
“É um grande sinal de rejuvenescimento do PSD. Nada como partidos que se abrem e rejuvenescem.”
António Costa, comentando o anúncio de que Arlindo Cunha, que foi ministro da Agricultura com Cavaco, voltará ao cargo se Rui Rio formar Governo
O personagem:
Em Aveiro, o cabeça de lista Pedro Nuno Santos esmerou-se. A distrital que já liderou não poupou nos autocarros para encher, e ultrapassar a lotação, do grande auditório do centro cultural e de congresso, com 730 lugares. Foi uma prova de força para as eleições de domingo, mas também para a outra corrida em que Pedro Nuno está empenhado, para a sucessão de Costa, quando quer que aconteça.
A fotografia:
Em Aveiro, Pedro Nuno Santos joga em casa. é o seu distrito, onde lançou a sua carreira política, primeiro na Juventude Socialista, depois no PS. Aveiro continua a ser a sua base, a JS continua a ser a sua tropa e, por isso, nos comícios com que fecham todos os dias da campanha socialista, nenhum outro cabeça de lista se mostrou tão integrado com a JS - mas também nenhum outro liderou a organização ou conta com ela como rede para um projeto de conquista do partido.
Na distrital que Pedro Nuno já liderou e ainda controla, pelo menos cinco autocarros garantiram sala cheia - com audiência bastante sénior, só equilibrada pela forte e ruidosa presença da JS. Pedro Nuno Santos estava mais enturmado com os seus “jotinhas”; mas para os mais velhos não faltou também um governante à medida - José António Vieira da Silva. O ministro do Trabalho e da Segurança Social não é candidato às legislativas, nem nunca foi candidato por Aveiro, mas foi a vedeta convidada para este comício, fosse para falar num distrito que tem bons indicadores de emprego, fosse para que António Costa não tivesse de dividir as atenções apenas com o jovem turco que lhe quer suceder.
O próprio Costa fez questão de por ambos no mesmo plano - “É mesmo um luxo poder ser primeiro-ministro de um Governo que pôde contar nestes 4 anos com o José António Vieira da Silva e o Pedro Nuno Santos”. a grande diferença é que um anunciou que se vai reformar, o outro “felizmente está aqui fresquinho da costa para muitos e bons anos ao serviço do PS e de Portugal”.
O discurso ideológico do “fresquinho”
O “fresquinho da costa” não perdeu muito tempo com o que tem sido um dos pratos fortes dos cabeças de lista, os elogios a António Costa e, boa parte das vezes a Mário Centeno. Sobre Centeno, nem uma palavra; sobre Costa a constatação da sua capacidade de liderança. E daí passou para o que lhe interessava falar.
Pedro Nuno Santos deu uma espécie de palestra sobre ideologia aplicada, marcando as diferenças entre esquerda e direita - ou, no exemplo prático, entre apoiar o PS ou apoiar o PSD ou o CDS. Estabeleceu duas visões do mundo - uma dominada pelo individualismo e a competição, a outra pela solidariedade e cooperação - e encaixou nessa mundividência as grandes decisões este Governo: com medidas como o aumento do salário mínimo, o fim da sobretaxa, a maior progressividade do IRS, o aumento do abono família, o aumento das pensões e do complemento solidário para idosos, os manuais escolares gratuitos, ou a redução propinas, “reforçámos a nossa comunidade”.
O mesmo com “reformas” como a redução do preço dos passes, “a prioridade à ferrovia” (sic), o descongelamento das carreiras da administração pública, ou a nova geração de políticas de habitação. “Estas são as nossas reformas, não são as deles [da direita], são as reformas de que nos orgulhamos”, sublinhou Pedro Nuno, notando o seguinte: “Agora o PSD e o CDS já defendem algumas destas medidas, mas só as defendem porque nós fomos capazes de ganhar o debate ideológico.”
Na separação de águas entre esquerda e direita, não faltou a referência à eterna promessa da direita de um “choque fiscal”. “Quando o PSD e o CDS defendem uma redução agressiva de impostos, o que eles não dizem é que para que não haja desequilíbrio das contas públicas terão de pôr os portugueses a pagar os cuidados de saúde ou de educação. É esse seu verdadeiro programa”: reduzir impostos e subfinanciar os serviços públicos “para que amanhã tenham justificação para entregar aos privados”.
Desemprego em metade do previsto
Antes de Pedro Nuno, já Vieira da Silva tinha agitado o papão da fúria privatizadora da direita em relação à Segurança Social, “primeiro com pézinhos de lã, depois com murros na mesa”. E, a seguir, também António Costa pegou na deixa. Na Segurança Social ou na Saúde, as “reformas” que a direita reclama continuamente escondem uma agenda privatizadora. Na saúde, acusou Costa, “desta vez nem tiveram o cuidado de esconder que o que verdadeiramente sonham” - e deu o exemplo dos cuidados primários saúde, tema sobre o qual o programa do PSD defende “claramente abrir à gestão privada os centros de saúde” - uma espécie de “PPP dos centros de saúde”, denunciou o líder do PS.
Com Vieira da Silva na sala, o homem a quem o PS imputa a autoria da verdadeira reforma da Segurança Social, não podiam faltar as referências aos 600 milhões de euros que PSD e CDS diziam há quatro anos que seria preciso cortar no sistema público de Previdência. Os anos passaram, mas essa munição ainda não.
“Ao contrário dos que propunham um corte de 600 milhões de euros, a nossa prioridade foi criar 350 mil novos postos de trabalho, que aumentaram as contribuições para a Segurança Social”, resumiu Costa. Quanto a Vieira da Silva, frisou que a direita deixou de falar desse valor. “Onde está esse corte? Esqueceram-no? Já não é preciso?”. Das duas, uma, respondeu: continuam a acreditar que é necessário, e estão a escondê-lo nos seus programas, ou, se acham que já não é preciso, “isso é um elogio ao trabalho do governo do PS”.
Mas Vieira da Silva não deixou para outros o elogio que podia fazer ao seu próprio desempenho. Num distrito que tem dos melhores indicadores de desemprego ao nível nacional, puxou dos galões em relação à criação de emprego nos últimos quatro anos. Para isso, comparou o que PSD e CDS previam no final da legislatura, e o que aconteceu. Pelos cálculos enviados para Bruxelas pelo governo de coligação, em 2019 o desemprego em Portugal estaria nos 11,1% - na realidade, está nos 6,2%. "Não é pequena a diferença entre as promessas do PPD e do CDS e a realidade que o país construiu sob liderança do PS."
“Uma surpresa muito desagradável”
Não há comício sem apelo ao voto, e António Costa voltou a fazê-lo na parte final do seu discurso. Em dia de mais duas sondagens, sempre com a previsão da vitória do PS, apesar da vantagem para o PSD continuar a estreitar, Costa voltou a apelar à mobilização, pois ainda nada está ganho. “Não se ponham fazer contas base nas sondagens porque arriscam-se a acordar no outro dia de manhã com uma surpresa muito desagradável.”