Legislativas 2019

Escutas e Tancos, Amália ou Lorenzo (vários percalços que perturbaram campanhas)

Desta vez, se o Lorenzo for duro nos Açores, Marcelo não apanhará Costa de surpresa. O líder socialista já mudou o programa da campanha para o caso de ter que ir à Região. Mas não é a primeira vez que uma campanha é invadida por casos e percalços. Guterres teve a morte de Amália. Santana a morte da irmã Lúcia. E houve quem levasse com um thriller sobre escutas entre Belém e S. Bento. Sobressaltos da vida de um candidato.
TIAGO MIRANDA

Desta vez, se as sequelas da passagem do furacão Lorenzo no arquipélago dos Açores justificarem a presença das cúpulas do Estado no local, o Presidente da República terá companhia. Marcelo Rebelo de Sousa, para já, apenas pôs na sua página oficial que está "a acompanhar a evolução do furacão Lorenzo, que segundo as previsões metereológicas se está a dirigir da Região Autónoma dos Açores". Mas o primeiro-ministro já mudou o programa eleitoral que tinha previsto para estes dias, admitindo ter que se deslocar aos Açores na quarta-feira.

Ainda sem confirmar se vai ou não - só entre a noite desta terça-feira e a manhã de quarta é que se vão perceber os efeitos do furacão cuja intensidade tem vindo a diminuir embora se prevejam ventos de 200 km/hora - o líder socialista traçou um plano preventivo. Antecipou para esta terça feira uma visita às obras do IP3 que estava prevista para amanhã. E deixou o dia de quarta livre, para o que der e vier.

Se o Lorenzo apertar, Costa estará nos Açores precisamente no dia em que os líderes parlamentares se reúnem em Lisboa, na Assembleia da República, para decidirem se convocam ou não uma reunião extraordinária para discutir o escaldante caso de Tancos. Se não, ver-se-á que plano B arranjará o líder socialista para competir mediaticamente com o que estará a acontecer no Parlamento.

Não é a primeira vez que um candidato cancela parte do seu programa de campanha por causa de casos ou precalços imprevistos. Precisamente há 20 anos, dois dias das legislativas de 1999, a morte da fadista Amália Rodrigues caiu em plena campanha eleitoral e embora nenhum partido tenha chegado a suspender as ações de rua, houve alterações nos programas (ao mesmo tempo, viva-se a comoção da crise de Timor-Leste que também se sobrepunha à agenda eleitoral).

PSD, CDS e PCP mandaram calar a música em todos os eventos de campanha, mas o BE organizou um evento musical no dia a seguir à morte de Amália com bombos e gaitas de foles. António Guterres, então primeiro-ministro, manteve a comitiva em andamento mas também suspendeu a música e cancelou a visita à Lota de Matosinhos, um dos momentos altos das campanhas socialistas

Um ano antes, nas europeias de 1998, tinha sido precisamente na Lota de Matosinhos que Sousa Franco, o cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu, morreu de ataque cardíaco fulminante. E nas legislativas de 2005, foi a vez da morte da irmão Lúcia interromper a campanha do então primeiro-ministro e candidato do PSD, Pedro Santana Lopes. O líder social-democrata decretou luto nacional e cancelou todas as ações de campanha até ao funeral, no que foi seguido pelo CDS de Paulo Portas.

Essas legislativas seriam ainda marcadas por um caso judicial na última sexta-feira antes da ida às unas: uma manchete de O Independente a dizer que Sócrates era suspeito no caso Freeport - e que ele apelidou de "campanha negra". Não teve qualquer efeito, pelo menos no imediato: Sócrates teve maioria absoluta perante o PSD desvalido de Santana, mas o caso havia de continuar como uma sombra sobre o então líder socialista (que só seria ilibado em abril de 2004).

Três anos antes, nas legislativas de 2002, também houve um dia em que o candidato do PSD, José Manuel Durão Barroso, cancelou as ações de campanha durante uma tarde inteira, para surpresa dos jornalistas que não conseguiram ter informação sobre o motivo da paragem. No dia seguinte, a manchete do semanário O Independente noticiava que Durão tinha ido na companhia de Santana Lopes a uma reunião em casa de Manuel Vilarinho, à época presidente do Benfica, alegadamente para falarem de um perdão fiscal ao clube. Durão negou. Mas Vilarinho foi uma presença ativa num mega jantar organizado pela campanha de Barroso só com homens do futebol.

2009: um abalo à seriedade e uma grande conspiração

Na campanha de 2009, José Sócrates estava na rua para defender a sua maioria (dos ventos de uma crise económica e financeira que já se adivinhava) e enfrentava Manuela Ferreira Leite na liderança do PSD, que vinha com embalo de uma vitória nas Europeias - com a surpresa de Paulo Rangel na estreia como cabeça de lista em junho desse ano. Enquanto a líder do PSD tentava (em vão) colocar o tema da dívida pública na agenda (como se veria dois anos depois, tinha razão antes de tempo) era prejudicada pelo primeiro caso da campanha.

Ferreira Leite não era apenas uma 'Cassandra' nos temas económicos, apresentava-se ao eleitorado (como Rui Rio faz hoje) com um perfil de seriedade a toda a prova, mais o slogan do falar verdade - por contraponto a Sócrates e aos socialistas -, e cartazes onde se podia ver a sigla PSD-V (de Verdade). O primeiro caso a incendiar a campanha na primeira semana tinha como base esse ponto de partida: Ferreira Leite tinha o rótulo de honestidade, mas o seu braço direito era António Preto, nessa época conhecido como o 'homem da mala', investigado e arguido por alegadamente ter recebido dinheiro de construtores para a sua campanha para a distrital de Lisboa (seria ilibado em novembro de 2016 dos crimes de fraude fiscal qualificada e falsificação de documento).

Mas a Sábado publicaria uma investigação onde militantes do PSD o acusavam das piores práticas de caciquismo e de pagar quotas em massa e até de financiar a compra de votos - que outros dirigentes praticavam nas eleições internas do partido. António Preto nunca admitiria essas práticas. Mas fez estrondo.

A notícia caiu como uma bomba na campanha social-democrata e a líder remeteu-se a um silêncio invulgar em período pré-eleitoral, até que rebentou uma bomba maior que havia de remeter o caso anterior para uma nota de rodapé: as escutas de Belém, parte dois.

A 18 de setembro, a marcar a reta final da campanha, o Diário de Notícias publicou uma manchete com uma história que havia de fazer correr rios de tinta, suscitar muita conspiração e uma guerra institucional entre São Bento e Belém (e entre Sócrates e Cavaco): o jornal publicava um mail trocado entre dois jornalistas do Público onde se revelava que a fonte da primeira notícia era Fernando Lima - até ali o homem-forte de Cavaco Silva para a comunicação - e onde se provava que a informação sobre as suspeitas de o Governo estar a escutar ou a vigiar Belém provinham do próprio palácio e de um dos mais próximos colaboradores do Presidente.

Dez anos, depois é o caso de Tancos a motivar suspeitas de conspirações em plena campanha eleitoral. Com o seu ex-ministro da Defesa acusado, António Costa vê a campanha ficar dominada pelo tema, tenta fugir dele, mas no PS alimentam-se suspeitas de uma conspiração de dentro do Ministério Público contra o Governo. O Presidente da República também é apanhado pelo caso, com fugas de informação sobre o que o seu ex-Chefe da Casa Militar saberia da tramóia montada ilegalmente pela PJ Militar para descobrir as armadas roubadas. E o caso acabou por nublar as relações Belém/ S.Bento, com Marcelo Rebelo de Sousa a não desculpar as 24 horas de silêncio de António Costa perante as notícias sobre os homens do Presidente que saberiam "de tudo".

Tancos chegou para ficar. Esta quarta-feira domina as atenções no Parlamento - haverá conferência de líderes com Ferro Rodrigues que terá de decidir quando convoca a comissão permanente da Assembleia da República. Mas Costa talvez viaje para as ilhas. Marcelo também admite ir. Encontrar-se-ão?