Legislativas 2019

Cristas em modo 'popstar', embalada por Tancos

O PS reconheceu, finalmente, a existência do CDS e Cristas aproveitou: graças ao caso de Tancos, a líder parece ter ganho fôlego. A agenda do dia, passada a jogar em casa, também ajudou: em Aveiro, as feirantes emocionaram-se ao cumprimentar "a São"

O momento do dia:

A passagem de Assunção Cristas pela Feira da Palhaça, em Aveiro, em modo popstar. Ele eram beijos, abraços, elogios... tudo coisas boas que a líder torce para que se transformem em votos. Teve alguns indicadores positivos, como a conversa com uma senhora que admitia: "Eu era do PSD, mas agora vou mudar porque gosto muito de si".

A frase:

"Eu sei que há a velha máxima de que quem se mete com o PS leva. Mas aqui no CDS não há medo de dizer as verdades"
Assunção Cristas em resposta a Augusto Santos Silva, que a acusou de "afundar o nível do debate político e democrático" com os ataques ao Governo sobre o caso de Tancos

O personagem:

O dia foi de Assunção Cristas, que neste momento navega a maré de Tancos à espera que isso valha dias (e sondagens) melhores ao CDS. Mesmo que não seja propriamente a sucessora do 'Paulinho das feiras', foi recebida calorosamente nas feiras de Aveiro - jogava em casa - e aproveitou para continuar a colocar-se como a oposição "corajosa" com o PS a propósito do caso do momento (quanto mais durar, mais os centristas poderão mostrar-se relevantes e liderantes num jogo que aparentemente já estava decidido).

A fotografia:

Perto das nove da manhã, à porta da Feira da Palhaça, em Aveiro, o despique já é audível. De um lado ouve-se assim: “Paz, pão, povo e liberdade, todos sempre unidos no caminho da verdade…”. De repente, uma sobreposição: é a voz de Dina, que aparece agora vinda de um altifalante para cantar sobre “o orgulho de nascer português”.

Quem for versado em congressos e comícios políticos percebe o que se passa aqui: a pouquíssimos metros de distância, as carrinhas de campanha de PSD (a nível local) e CDS (com Assunção Cristas em campo) preparam-se para entrar em ação e começar mais uma distribuição intensa de canetas e folhetos. (A Feira da Palhaça é de facto concorrida: também lá passa este domingo a campanha do PS, e quando o Expresso volta ao carro até já tem um panfleto do PURP no pára-brisas).

Apesar de se antecipar que clientes e feirantes possam estar fartos das mesmas abordagens (muda a cor das ofertas, cor de laranja ou azuis consoante quem distribui), assim que Assunção Cristas entra na feira isso passa a não importar. É sempre difícil perceber se uma boa receção significa que o partido se vai dar bem nas urnas - como diz a própria líder, espera-se que essa “força” que lhe prometem nos corredores da feira “apareça no dia das eleições” - mas em Aveiro, distrito que o CDS elege como sua “capital” e onde quer segurar os dois deputados que elegeu em 2015, pode ser bom sinal.

As interações entre quem passa e a centrista podiam ser resumidas a um conjunto de mimos que se repetem uma e outra vez. A vencedora é, sem dúvida, que Cristas “é mais bonita em pessoa. Mas o carinho não pára por aí - são constantes as abordagens de quem lhe garante que gosta muito “de a ver na televisão” e de quem se mostra genuinamente contente por a poder conhecer ao vivo.

Um exemplo: uma mulher que fura caminho por entre a comitiva para lhe pedir um abraço. “A minha menina! Venha cá! Ó meu amor de rosas!”. Outro: uma feirante que interpela um dos ‘jotinhas’ que aparentemente segura com pouco ânimo uma bandeira e o incentiva a mostrar mais empenho. “Não segures isso assim que tu ainda és novo! Assim é como fazem os velhos, vá lá! E que domingo corra bem!”.

Por onde passa, Cristas tem direito a beijos e um sem fim de elogios, normalmente mais relativos à sua aparência física e à simpatia que lhe reconhecem do que propriamente às habilidades políticas. “Deixa-me é dar aqui um beijinho ao CDS! Ah, CDS bom! Ah, que riqueza! Aquela cara do outro que lá está não presta!”. Uma feirante quase se junta à comitiva, ordenando a quem a rodeia que “vote CDS”; outra agarra-se às próprias bochechas, emocionada, enquanto comenta para o lado: “O que eu gostei de ver a São!”.

É certo que as feiras da Palhaça e das Colheitas, por onde Cristas passa este domingo, são terreno mais do que amigável (ambas se encontram no distrito de Aveiro). Mas não será esse o único fator de energia extra que este domingo anima a líder. No sábado, a campanha teve o que terá sido o seu auge até agora: com o anúncio da proposta para uma nova comissão de inquérito a Tancos e um jantar-comício forte em que o discurso de Cristas abafou os restantes, a perceção é de que a campanha animou. Pelo menos por enquanto, o CDS encontrou o tema a que se pode agarrar e manter-se na agenda do dia - e não está disposto a largá-lo.

Nova prova disso mesmo acontece quando a líder, já depois de ter pedalado no passadiço da ria de Aveiro junto da restante comitiva e da família (a filha mais pequena, Maria da Luz, lidera o pelotão na sua bicicleta vermelha), é questionada sobre as declarações de Augusto Santos Silva, que a acusou de “afundar o nível do debate político e democrático” com os ataques ao Governo no caso de Tancos.

"CDS não tem medo de dizer as verdades"

Para Cristas, tanto melhor: o primeiro-ministro tem insistido em ignorá-la ostensivamente, mesmo que esteja a liderar a ofensiva da oposição no que toca a Tancos. Desta vez, parece ter conseguido irritar o PS, que assim lhe atribui uma importância até agora negada e coloca sobre si os holofotes (no caso, os microfones). Responde a Santos Silva: “Eu sei que há a velha máxima de que quem se mete com o PS leva. Mas aqui no CDS não há medo de dizer as verdades”.

É o intensificar da narrativa que apresentou no discurso de Aveiro: o CDS quer posicionar-se como o partido que está a liderar “corajosamente” a oposição ao Governo, sem medo dos “recados” e pressões que recebe - e que Cristas recusou especificar, dizendo apenas que “andam por aí”. Depois do ataque aos socialistas por manterem Tiago Barbosa Ribeiro, a quem Azeredo Lopes terá admitido que sabia da operação de encobrimento em Tancos, como candidato a deputado, Cristas remata: as críticas que Santos Silva lhe faz “aplicam-se bem ao PS e devolvo-as ao ministro e candidato Santos Silva”. “Lembramo-nos bem de quando ele dizia que o jornalismo era jornalismo de sarjeta”, acrescenta.

Para quem a acusa de cavalgar um tema em que Justiça e Política se misturam, tem resposta pronta: “Mal seria se ignorássemos um assunto com tamanha gravidade política. Não estaríamos a cumprir o nosso mandato, estaríamos a trair as pessoas que confiam em nós”. Com o caso de Tancos e as cartadas que joga para se manter a voz da “coragem” contra o PS, Cristas cresce e endurece o tom. É assim que parte para a reta final, sem deixar que o caso se dilua. Talvez por ter uma convicção que anunciava este sábado perante os comensais de Aveiro: “Há eleições que mudam numa semana”. A ideia é mostrar que ainda há tempo para mudar a maré... e o “naufrágio” anunciado por Santos Silva.