União Europeia

Migrações e asilo: o dia "histórico" do "Pacto possível"

O parlamento europeu aprovou o novo Pacto para a Migração e Asilo. As novas regras vão reforçar os controlos nas fronteiras externas da União, acelerar os procedimentos de asilo e também os retornos dos que não forem considerados refugiados. Uma luz verde final conseguida numa votação apertada e marcada também por muitas críticas

Johanna Geron/Reuters

"Votem não, este Pacto mata", ouviu-se nas galerias do Parlamento Europeu, em Bruxelas, assim que arrancou, esta quarta-feira, a votação das várias peças legislativas do Pacto de Migração e Asilo. As vozes, sobretudo de jovens, foram aplaudidas por alguns deputados da esquerda radical, mas não agradaram à presidente do Parlamento Europeu. Roberta Metsola pediu respeito pela votação e acabou por suspender os trabalhos durante alguns minutos.

A diferença entre o "sim" e o "não" foi curta em vários pontos, mas o resultado não seguiu os protestos de última hora. Os dez textos legislativos que estabelecem novas regras para gerir fluxos migratórios e processos de asilo foram todos aprovados. Foi a luz verde final dos eurodeputados a que se deverá somar agora o carimbo positivo dos governos dos 27.

Só que o debate final no Parlamento Europeu mostrou que a reforma da Política de Migração e Asilo está longe de ser perfeita, com as críticas a ouvirem-se também nas bancadas que contribuíram para a aprovação de alguns dos regulamentos. "Este não é o meu Pacto, penso que não é o Pacto de quase ninguém. É o Pacto possível". Isabel Santos admite um "travo amargo" e fala numa solução "aquém do que a defesa dos valores europeus exige". A eurodeputada socialista assume "uma derrota" e culpa a subida "da extrema direita xenófoba e instigadora do medo e da divisão". Para o futuro, defende que é preciso fiscalizar a implementação das regras.

Para trás ficam oito anos de duras negociações entre eurodeputados e Governos. Em dezembro do ano passado chegou-se finalmente a um entendimento. A holandesa Sophia In 'T Veld, não se mostra particularmente orgulhosa do resultado obtido, mas argumenta que "se for rejeitado, fica o vazio" e que neste momento "não há uma melhor alternativa". Com as eleições europeias à porta, entende que não se pode chegar às urnas com um falhanço na política migratória.

In'T Veld foi relatora de um dos textos legislativos, a diretiva sobre as condições de receção. É lá que está um dos pontos mais polémicos e que o Parlamento não conseguiu fazer cair na negociação com os Governos: a possibilidade de crianças ficarem em centros de detenção após entrarem ilegalmente na UE, enquanto esperam pelo procedimento de asilo. Em plenário, a holandesa tentou justificar e garantir que se se trata de uma "exceção absoluta".

"Assegurámos um representante legal para todas as crianças não acompanhadas que chegam à UE. Garantimos que a detenção de crianças é a exceção absoluta e apenas com autorização judicial", afirmou. Fez ainda um "meo culpa" à falta de escrutínio da Comissão Europeia nos últimos cinco anos e prometeu um maior controlo do trabalho da Comissão, sobretudo no que diz respeito à implementação das regras.

Verdes e Esquerda Radical votaram contra

O novo Pacto quer reduzir drasticamente as entradas ilegais na UE, sobretudo por mar, reforçando os controlos nas fronteiras e o processo de triagem e de recolha de dados biométricos, como imagem facial e impressões digitais, incluindo por questões de segurança. O objetivo é acelerar os procedimentos de asilo, não só a favor dos que têm direito a proteção internacional, mas também para tornar mais rápidos os retorno aos países de origem - ou países terceiros a que tenham um vínculo - dos migrantes económicos que não forem considerados refugiados.

Internamente é também criado um "mecanismo de solidariedade obrigatória". Em caso de pressão sobre os países de primeira linha, como Itália, Grécia ou Malta, os restantes são obrigados ou ajudá-los no acolhimento de refugiados, ou a participarem nesse esforço com meios e financiamento.

Um mecanismo que não agrada a países como a Hungria ou a Polónia e que esbarrou também nos eurodeputados da extrema-direita. O francês Jordan Bardella, presidente do Rassemblement National (de Marine LePen), diz que "Bruxelas quer repartir" os migrantes, em vez de os "fazer partir". As bancadas eurocéticas da direita do hemiciclo deixam duras críticas ao Pacto, pedindo uma mão ainda mais firme para travar a entrada e o acolhimento de refugiados e migrantes.

Entre as exceções estão os eurodeputados do partido de Giorgia Meloni. A primeira-ministra italiana é a favor do Pacto e os Irmãos de Itália também alinharam, ao contrário de outros nas bancadas do grupo dos conservadores e reformistas eurocéticos.

A bancada da Esquerda Unitária Europeia (a que pertencem PCP e Bloco) e os verdes também votaram contra, mas por motivos diferentes. "Este continente da liberdade e da solidariedade implicava os honrar os princípios votar contra este Pacto", afirmou em plenário Anabela Rodrigues, eurodeputada do Bloco que substituiu Marisa Matias.

"Construir uma fortaleza na Europa, erguendo vedações, pagando aos senhores da guerra e normalizando práticas desumanas não vai impedir a migração", argumenta o presidente dos Verdes, Philippe Lamberts. "O Pacto reforçará os problemas existentes ao centrar-se desproporcionadamente na dissuasão, nomeadamente através da detenção generalizada de pessoas e crianças, reduzindo simultaneamente os seus direitos", considera ainda.

Von der Leyen e Metsola reclamam vitória

A dois meses das europeias, a presidente da Comissão Europeia que que quer continuar no cargo mais cinco anos, vê no acordo uma vitória. "Estou orgulhosa, por dizer que conseguimos uma solução europeia". Ursula von der Leyen convocou um ponto de imprensa - com direito a apenas duas perguntas - juntamente com a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e com o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, que tem atualmente a presidência rotativa do Conselho da UE.

Os três estavam alinhados ao defender a necessidade de novas regras. Para de Croo, há já o benefício de romper com a situação atual. "Vemos que as pessoas estão a ser sujeitas a atividades criminosas, a traficantes de seres humanos. Ninguém pode concordar com o status quo, espero. Este é um compromisso, mas é um compromisso que quebra o status quo".

Já Metsola fala num "dia histórico para a Europa" em que os eurodeputados "ouviram e atuaram sobre uma das principais preocupações dos cidadãos". A maltesa fala ainda num "novo sistema que é justo com os que precisam de proteção e firme com os que não precisam".

O Partido Popular Europeu, a que pertencem Metsola e von der Leyen, foi um dos grupos a garantir a aprovação do Pacto, juntamente com os liberais, os socialistas europeus e algumas delegações dos Conservadores e Reformistas. Em março, quando apresentou o Manifesto às eleições europeias de junho, o PPE foi até mais longe do que as regras agora defendidas no Pacto. A família de centro direita quer endurecer a política e não só travar a entrada de migrantes, mas também de refugiados.

Polónia contra Mecanismo de Solidariedade

A votação desta quarta-feira encerra o processo de aprovação do Pacto no Parlamento Europeu. Fica só a faltar a votação e validação no Conselho da UE, que reúne os Governos dos 27. A expectativa é que também validem o Pacto de Migração e Asilo.

No entanto, o primeiro-ministro da Polónia veio já dizer que não aceita o mecanismo de solidariedade obrigatória. "Encontraremos formas de protegermos a Polónia contra o mecanismo, mesmo que o Pacto entre em vigor de forma praticamente inalterada", disse Donald Tusk aos jornalistas, citado pela Reuters. Um dos argumentos é que a Polónia acolhe já um grande número de refugiados ucranianos.

O também ex-presidente do Conselho Europeu diverge do acordo, mas não da posição defendida pelo anterior Governo polaco. Aliás, se as novas regras de Migração e Asilo chegaram até aqui foi também contra a vontade de Budapeste e Varsóvia e porque a regra de votação aplicada foi a da maioria qualificada e não da unanimidade. A mesma regra continua a valer e, sozinhos, os dois países não conseguirão travar a aprovação final que poderá ainda acontecer este mês.