União Europeia

Eleições europeias: imigração “não é o problema principal para a maioria dos eleitores, na maior parte dos países"

“As pessoas enganam-se ao pensar que a melhor forma de vencer a extrema-direita é imitar as suas políticas em matéria de migração", conclui o novo estudo do European Council on Foreign Relations, a menos de três meses das eleições para o Parlamento Europeu. Perante o risco de Donald Trump ser eleito Presidente, o que importa é mobilizar os eleitores para a natureza das “fronteiras europeias - militares, económicas e humanas”

Desembarque de migrantes no porto de Granada, Espanha
Alba Feixas/EPA

Chama-se “Guia para entender as eleições para o Parlamento Europeu”, e é uma espécie de livro de receitas rápidas para os líderes dos partidos pró-União Europeia (UE) conduzirem a campanha para as eleições que se realizam nos 27 Estados-membros entre 6 e 9 de junho, num momento em que a eventual ascensão dos partidos de extrema-direita é um quebra-cabeças para os defensores das políticas de Bruxelas.

Este novo estudo do European Council on Foreign Relations (ECRJ) que abarca 12 países, incluindo Portugal, conclui que a extrema-direita “não é vista como um fenómeno unitário, com alguns partidos a desintoxicarem-se com êxito, enquanto outros são vistos como radicais e perigosos, mesmo em questões fundamentais relacionadas com a adesão à UE". Dito de outra forma, o último estudo do ECRJ – divulgado esta quinta-feira – defende que “o movimento anti-europeu está dividido nos seus objetivos e ambições”.

De acordo com este think-tank que se apresenta no seu site como “um grupo de reflexão internacional que produz investigação independente sobre a política externa e de segurança europeia, os líderes dos partidos de extrema-direita só são reconhecidos pela maioria do eleitorado “como defensores da saída do seu país da UE” em quatro países: Alemanha (55%), Áustria (58%), Países Baixos (63%) e Suécia (59%).

Em todos os outros, com destaque para Itália, poucos acreditam que o partido no poder, liderado por Giorgia Meloni, defenda a rutura do país com Bruxelas. Recorde-se que os Irmãos de Itália (partido de Meloni) no Parlamento Europeu, pertencem ao grupo Conservadores e Reformistas Europeus, ou seja, a família política diferente da Identidade e Democracia de Matteo Salvini e de Marine Le Pen (entre outros).

As previsões para a votação nos partidos populistas anti-europeus são menos drásticas do que as divulgadas pelo ECRJ em janeiro deste ano, quando as sondagens analisadas por este think-tank os colocavam “em primeiro lugar nas eleições europeias de junho em nove dos 27 Estados-membros da União Europeia”.

Europa do Sul teme emigração (saída de nacionais)

O medo da imigração está a ser sobrevalorizado, na opinião do ECFR: só 15% dos cidadãos dos 12 países inquiridos veem a “imigração como a principal crise da última década, em comparação com os 21% que selecionam a turbulência económica global, os 19% que apontam a pandemia de covid-19, os 16% que referem as alterações climáticas e os 16% que mencionam a guerra na Ucrânia".

Ao contrário dos eleitores alemães e austríacos, cuja principal preocupação é a imigração de trabalhadores estrangeiros, os eleitores da Roménia, Itália, Espanha, Grécia… e até da Hungria estão mais preocupados com a saída de nacionais – muitas vezes jovens qualificados – que buscam trabalho noutros países.

Em janeiro, a imigração dominava as preocupações dos eleitores na Alemanha (31%). Dois meses depois, o último estudo do ECRJ diz que esta é a maior preocupação dos eleitores dos Países Baixos (63%), Áustria (53%), Alemanha (44%) e Suécia (42%), e a menor da Roménia (14%) e da Grécia (19%), dois países do Sul da Europa.

Preço da energia conta para decidir o voto

Quarenta e cinco por cento dos cidadãos da UE receiam que os líderes partidários pró-europeus dos seus países defendam a entrada de migrantes e refugiados, e aumentem os “preços da energia para combater as alterações climáticas (43%) e transferir os poderes políticos do seu país para Bruxelas (33%)”.

Na Polónia, 66% dos apoiantes do PiS, teme que esta seja uma prioridade dos líderes do seu país. O mesmo acontece na Alemanha com 57% dos eleitores da AfD, e na vizinha Espanha com 53% dos votantes no Vox.

O estudo do ECRJ revela ainda que, no momento em que ele foi elaborado, “estas perceções não se limitam aos eleitores dos partidos eurocéticos. Por exemplo, 28% dos eleitores da CDU/CSU [na Alemanha] pensam que Olaf Scholz quer, “acima de tudo, aumentar os preços dos combustíveis e da energia para ajudar a combater as alterações climáticas”.

Curiosa e paradoxalmente, “24% dos eleitores da oposição de centro-direita em Portugal e Espanha pensam o mesmo sobre os líderes dos governos de esquerda dos seus países”, o que sugere que parte do eleitorado teme um aumento de preços da energia decidido pelo poder vigente no seu país.

Espanhóis (42%) e portugueses (56%) são os cidadãos europeus que mais reconhecem o trabalho de Bruxelas no combate à pandemia da covid-19. Este ratio cai para 24% na Alemanha e na Áustria, e 20% na Roménia, o país que pior classifica as políticas europeias nesta matéria.

Ambiente e Ucrânia dividem

O papel da UE é visto de forma negativa por uma média de 37% dos inquiridos. As únicas exceções são a "Suécia, Portugal, Países Baixos e Polónia, onde prevalece a opinião (41%, 39%, 37% e 34%, respetivamente) de que o papel da UE foi positivo.

Mas se falarmos de dinheiro, economia e crise financeira, apenas 20% dos inquiridos em todos os 12 Estados analisados, "pensam que o papel da UE foi positivo, contra 41%", que o veem como negativo.

Uma média de 41% dos inquiridos prefere evitar um aumento da energia, “mesmo que isso implique o não cumprimento dos objetivos em matéria de emissões de carbono”, enquanto uma média de 25% preferem uma solução mais amiga do ambiente. À semelhança do que já acontecera com as respostas sobre a Ucrânia, a Suécia e Portugal voltam a alinhar na “opinião (37% e 31%, respetivamente) de que os governos europeus devem fazer tudo o que for possível para atingir os objetivos em termos de emissões de carbono”.

Há cinco anos, nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, “os pró-europeus colocaram em votação a sobrevivência da UE – mas isso será muito mais difícil em 2024 e poderá acabar por ajudar os eurocéticos em muitos países”.

Dicas práticas para os partidos europeístas

Assim, para evitar o crescimento do apoio à extrema-direita, “os líderes europeus devem seguir estratégias de polarização em países onde estes partidos são vistos como extremos fora da sua própria base eleitoral”. É o caso da Áustria, França, Alemanha e Polónia, “onde 20% ou mais consideram a saída da UE como uma medida prioritária para o seu principal partido anti-europeu”. O relatório do ECRJ avisa que é “pouco provável que os eurocéticos mudem de campo político, mas podem ser dissuadidos de comparecer às urnas no dia da votação – em especial se não subscreverem determinados elementos”.

Traduzido por miúdos, uma abstenção maior por parte dos eleitores que são tendencialmente eurocéticos, mas têm dúvidas, pode favorecer as famílias políticas pró-UE.

Como diz Ivan Krastev, coautor e presidente do Centro de Estratégias Liberais, na capital da Bulgária – os “líderes europeus não devem fazer deste ato eleitoral umas eleições sobre migração, mas sim sobre a natureza das fronteiras europeias – militares, económicas e humanas. Não devem mobilizar as pessoas em prol de uma solidariedade com a Ucrânia, mas sim movidos por uma preocupação com a soberania e a segurança europeias. Perante a incerteza da política norte-americana e a agressividade de Putin, devem argumentar que estamos num momento em que, se a UE não existisse, teria de ser inventada”.

Recorde-se que o ECRJ tem divulgado, em média, um novo estudo por mês desde novembro. Aguardemos o próximo para medir a temperatura e os interesses dos eleitores que vão votar para o Parlamento Europeu nos 12 países analisados: Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia, Roménia, Polónia, Hungria, Áustria, Alemanha, Países Baixos e Suécia.