União Europeia

Papa lamenta "portas fechadas" na Hungria e alerta para "as consolações da tecnologia"

Com Orbán na missa, Francisco lamentou as "portas fechadas da indiferença para com aqueles que estão imersos no sofrimento e na pobreza; as portas fechadas ao estrangeiro, ao diferente, ao migrante, ao pobre". Já num encontro com universitários chamou a atenção para o impacto que a tecnologia pode ter nas relações humanas

Vatican Pool

O papa Francisco lamentou este domingo as "portas fechadas" aos migrantes, durante a homília que presidiu perante 50 mil pessoas na Praça Kossuth Lajos, em Budapeste. No seu último dia da visita à Hungria e na presença do primeiro-ministro, Viktor Orbán, que tem uma dura política contra a migração, o Papa defendeu perante milhares de pessoas que todos devem "acolher e a espalhar" o amor, tornando "o rebanho inclusivo e nunca exclusivo".

"Todos nós, sem exceção, somos chamados a sair das nossas comodidades e ter a coragem de ir ao encontro de todas as periferias que precisam da luz do Evangelho", sublinhou Francisco, citado pela agência de notícias EFE, reforçando que todos os cristãos devem "tornar-se, como Jesus, uma porta aberta".

"É triste e doloroso ver portas fechadas: as portas fechadas do nosso egoísmo em relação àqueles que caminham connosco todos os dias, as portas fechadas do nosso individualismo numa sociedade que corre o risco de se atrofiar na solidão", lamentou Francisco, que nesta viagem defendeu repetidamente o acolhimento e a caridade para com os migrantes.

No país que criou cercas de arame farpado para impedir a passagem de migrantes vindos da rota dos Balcãs e que praticamente não concede o direito de asilo, Francisco lamentou as "portas fechadas da indiferença para com aqueles que estão imersos no sofrimento e na pobreza; as portas fechadas ao estrangeiro, ao diferente, ao migrante, ao pobre".

Mas também criticou aqueles que, no seio da Igreja, fecham as portas aos que "não estão em ordem" ou "anseiam pelo perdão de Deus".

Aos leigos, aos catequistas e "àqueles que têm responsabilidades políticas e sociais, àqueles que simplesmente vivem a sua vida quotidiana, por vezes com dificuldade", o Papa argentino exortou-os a "serem portas abertas". Francisco regressará este domingo a Roma.

Novo apelo ao fim da guerra na Ucrânia

Já depois da missa, o Papa Francisco fez novo apelo ao fim da guerra na Ucrânia, exortando “os chefes das nações a construir a paz”. "Infunde no coração dos homens e dos dirigentes das nações o desejo de construir a paz, de dar às jovens gerações um futuro de esperança, não de guerra; um futuro cheio de berços, não de sepulturas; um mundo de irmãos, não de muros", disse o Papa durante a oração Regina Caeli, que rezou logo após a missa a que presidiu na Praça Kosuth Lajos, na capital húngara.

O sumo pontífice assumiu ainda ter pensado muito nestes dias "na causa da paz" e pediu à Virgem Santa para velar pelos povos que mais sofrem. "Olhai especialmente para o povo ucraniano, vizinho e atormentado, e para o povo russo, a vós consagrado", disse.

Por outro lado, o Papa chamou também a atenção para a tecnologia e o impacto dos algoritmos, que "podem representar mais um risco de desestabilização do humano".

Num discurso em que refletiu sobre as novas tecnologias, ao visitar a Faculdade de Ciências Informáticas e Biónicas da Universidade Católica "Péter Pázmány", em Budapeste, o líder da Igreja Católica advertiu que, por vezes, o uso da tecnologia pode levar "à falta de limites", na lógica do "pode ser feito, logo é lícito".

"Pensemos também no desejo de colocar no centro de tudo, não a pessoa e as suas relações, mas o indivíduo, centrado nas suas próprias necessidades, ávido de acumular e voraz em agarrar a realidade", disse o Papa, sublinhando que os "laços comunitários" podem sair degradados: "Quantos indivíduos isolados, muito ligados em rede socialmente e pouco sociais, recorrem, como num círculo vicioso, às consolações da tecnologia para preencher o vazio?".

Embora tenha frisado não querer ser pessimista, considerando que isso seria contrário à sua fé, o Papa Francisco alertou para a "arrogância do ser e do ter", recorrendo a citações do livro "O Senhor do Mundo", de Robert Benson, que "descreve um futuro dominado pela tecnologia e no qual tudo, em nome do progresso, é estandardizado", num humanismo que suprime diferenças e ajuda a abolir as religiões.

"Com a ajuda da ciência não queremos apenas compreender, queremos também fazer a coisa certa, ou seja, construir uma civilização humana e solidária, uma cultura sustentável e um ambiente sustentável", acrescentou.

Salientando o facto de que "a Hungria assistiu a uma sucessão de 'ismos' que se impuseram como verdade, mas não deram liberdade", o Papa falou da transição do comunismo para o consumismo.

"Em ambos os 'ismos' há uma falsa ideia de liberdade: a do comunismo era uma liberdade forçada, limitada de fora, decidida por alguém; a do consumismo é uma liberdade libertária, hedonista, achatada, que nos torna escravos do consumo e das coisas", observou, sem deixar de concluir com a defesa de um conhecimento interligado com o amor, a humildade e um espírito comunitário e construtivo.