As vítimas de uma guerra nunca são só as pessoas que morrem. Essas são as tragédias. As vítimas são todas as famílias que perderam alguém, todos os que, não tendo perdido ninguém, são obrigados a fugir, deixando as suas casas e os seus empregos para trás. Quando os homens são obrigados a ficar, como impõe a atual lei marcial em vigor na Ucrânia, as vítimas são também os seus filhos, que estão a crescer sem os pais, há dois anos sem os pais. Depois há as vítimas de traumas psicológicos, mesmo entre as pessoas que fugiram logo nos primeiros dias, que não perderam ninguém até agora, o peso de assistir à devastação de um país, do seu país, em tempo real, nas redes sociais e nas notícias que circulam 24 horas por dia nas televisões de todo o mundo dificulta o regresso à vida normal. Em pouco tempo, a culpa acaba por se abater sobre os que puderam sair, escolheram sair em vez de ficar.
Quando o Expresso visitou locais de acolhimento na Polónia, poucos dias depois do início da guerra, muitos refugiados ainda tinham instaladas nos telemóveis as aplicações que fazem o telefone soar igualzinho a uma sirene de aviso de ataque aéreo, sempre que esse perigo é decretado na zona pré-programada na aplicação.
Até aqui em Portugal, e mesmo para quem faz vida há vários anos fora da Ucrânia, a guerra está sempre presente. “É mesmo muito doloroso ver o nível de sacrifício ucraniano, é insuportável pensar nisso. Homens, mulheres, crianças, ninguém regressa da guerra, entendes o que quero dizer? Eles vão voltar, os militares, os voluntários, etc., mas não vão estar ‘bem’ porque nenhum de nós está ‘bem’. A definição de ‘bem’, ‘ok’ e ‘normal’ já não são as mesmas para os ucranianos. O estado em que os ucranianos vivem assemelha-se ao de um alcoólico funcional, é a melhor comparação que posso fazer”, disse ao Expresso Olya Yeremenko, uma ucraniana residente em Portugal que organiza, todos os sábados, no centro de Lisboa, manifestações para lembrar quem passa que a invasão da Ucrânia não é um assunto que ela e os seus compatriotas se possam dar ao luxo de esquecer.