Guerra na Ucrânia

“Não estamos a atacar ninguém, estamos a defender o nosso país”. Como a invasão russa é vista nas escolas ucranianas em Portugal

Responsáveis de um centro educativo na zona de Lisboa que mantém alunos ucranianos em contacto com a sua cultura explicam os cuidados que estão a ter nesta altura

FOTO | Nuno Botelho

Na zona de Lisboa existem quatro escolas ucranianas. Na verdade, não se chamam escolas a si mesmas, para se distinguirem das escolas que os seus alunos frequentam durante a maior parte da semana, que são as portuguesas. Os autodenominados centros educativos e culturais ucranianos, que funcionam do pré-escolar até ao fim do liceu, ensinam língua e tradições ucranianas, e também algumas portuguesas. O objetivo é o de que as crianças de famílias oriundas do país agora sob ataque se integrem melhor no país onde vivem, sem esquecerem a língua do seu país de origem. De segunda a sexta-feira as crianças vão à escola portuguesa, sábado é o dia das aulas em ucraniano.

Uma dessas escolas, pertencente ao Centro Ucraniano de Educação e Cultural Rodyna, fica na Portela de Sacavém. Tem quinze professoras e mais de cinquenta alunos. No sábado, quando o Expresso o visitou, havia menos crianças do que habitualmente. Nos corredores vimos o tumulto próprio de qualquer grupo de crianças a brincar, mas não intenso como se poderia esperar Algumas familias estão preocupadas e não mandaram as crianças, explicaram-nos.

Nataliya Fylypyuk encontra-se na escola há cinco anos, os últimos quatro como diretora. A entrevista foi feita com uma tradutora, Irina, que por vezes ampliava as resposta de Fylypyuk, sem haver motivos para crer que as desvirtuava. Como está o ambiente na escola? “Todas as professoras e os alunos têm ligações com a Ucrânia”, respondeu Fylypyuk. “Temos lá familiares, uns mais próximos e outros mais distantes, mas estamos sempre a par das notícias. Falamos com as crianças, tentamos explicar a história do país e o que se passa. Eles já sabem, pois em casa falam com familiares, com avós, com tios”.

“Todos os professores aqui tem formação pedagógica”, acrescentou. “Conhecemos a psicologia das crianças, sabemos que não podemos abusar da informação, para eles não ficarem muito stressados. Falamos, mas também tentamos explicar que isto está sob controle”.

Ninguém mostra cenas de violência ou casas destruídas, o que é uma questão de prudência elementar. “Há muitas crianças que têm familiares lá a esconder-se nos bunkers. Estão preocupadas, e tentamos acalmá-las. Há pessoas que não conseguem falar com os familiares de lá. Nem por Skype nem de outra forma. O wi-fi está desligado. Há sítios onde os russos desligaram a Vodafone, por exemplo Kherson. A Vodafone depois conseguiu refazer a ligação, mas não sabemos como está agora”.

Prioridade é a de proteger as crianças

Tanto os pais como os professores tentam proteger as crianças. Há país na Ucrânia que estão sob bombardeamento mas nada contam aos filhos quando falam com eles. Por enquanto, nenhuma criança teve uma reação preocupante, pelo menos na escola. Pede-se-lhes que façam desenhos, corações. É a maneira de lhes permitir ajudar, explicam as professoras. Para as crianças mais velhas, é diferente. Muitas têm participado em manifestações, trabalham no centro de acolhimento da Ajuda.

“Graças a Deus, todos os familiares delas estão vivos. Não temos conhecimento de ninguém que tenha perdido família”, dizem. Apesar da situação particular, as aulas continuam como dantes. A prioridade é manter as crianças calmas. “Se os adultos entrarem em pânico, como é que ficam as crianças?”, diz Irina. “Eu tenho família na Ucrânia, e estou mais em pânico do que eles. Telefono para a minha mãe e é ela que procura acalmar-me. As pessoas têm um espírito… Cada um tem medo. Penso que não há ninguém que não tenha. Mas nós aqui não podemos ficar pior do que eles lá. Eles são um exemplo de força e de coragem”.

Em suma, este “é um dia mais ou menos normal. Não é normal porque há menos gente, mas tentamos manter o ritmo. Até na II Guerra Mundial havia escolas e as crianças iam à escola. As professoras acolhiam as crianças e acalmavam-nas. É isso que também se tenta aqui fazer. Ninguém quer estragar a vida da criança. Ninguém quer enervá-las mais do que é preciso”.

Mas talvez um pouco mais de indulgência, com o telemóvel, por exemplo…? “Não, não”, diz Irina. “Os senhores entraram durante o intervalo, mas se espreitarem agora há aulas normais a correr. Se começarmos a permitir o caos, eles ficam à vontade para isso. Não vale a pena. Não queremos caos, nem aqui nem lá. Toda a gente quer calma e queremos manter as nossas vidas”.

Integrar as crianças que vão chegar

Ninguém passará incólume, sugere a diretora. “Os que sofreram a guerra ficarão marcados a vida toda. Aqui as crianças, desde que não vão à Ucrânia e não tenham ninguém morto, poderão ficar iguais, mas se virem como o país está e como estava antes da guerra, ficarão marcadas. Mais ou menos, depende dos sentimentos de cada um”.

E quanto a saber se a guerra aumenta o sentimento de serem ucranianos? “Sempre fomos ucranianos. Somos nacionalistas no bom sentido. Gostamos do nosso país porque é a nossa pátria, mas não pode ser como o fascismo diz. Somos nós, mas integrados”.

Com o afluxo de refugiados, espera-se a chegada de muitas mulheres e crianças (os homens entre os 18 e os 60 anos, em princípio, estão proibidos de sair na Ucrânia). Quanto às crianças, as prioridades são as de sempre. “Vamos procurar que elas se integrem na nossa escola e na sociedade portuguesa, e que fiquem bem. Vamos tentar que esqueçam a guerra, embora seja complicado”.

“Não temos conhecimento de crianças russas na escola”, diz Irina. “Embora ontem uma colega de trabalho minha tenha dito que o filho lhe contou que um colega dele na escola primária lhe disse que estava triste porque era russo mas tinha familiares na Ucrânia, e não sabia que quem devia gostar – ele também gosta a avó. Aqui na escola não temos nenhuma família assim”.

Alexander, 17 anos: “Eles queriam fazer um Blitzkrieg”

Um aluno do centro Rodyna, Alexander, de 17 anos, vive em Portugal há cinco e está preocupado com os seus avós e tios “Toda a família vive lá, em Ternopilne, Odessa e Kyiv. Só os meus pais estão aqui. Antes da guerra, falávamos com a família – por Skype, por mensagem, etc – e estava tudo bem. Agora quando há alarmes eles têm de se esconder num bunker. Mas a guerra ainda não chegou realmente lá”.

“Precisamos de ter força. Temos um pouco de medo pelos nossos familiares, embora saibamos que eles estão protegidos. Mas há familiares de amigos que estão no meio da guerra, sempre escondidos”.

Quando Alexander veio para Portugal, a anexação da Crimeia já tinha acontecido, e a guerra na parte leste da Ucrânia estava em curso. Mas ele era uma criança de doze anos, e o problema não tinha realidade para si. O que primeiro o chocou agora foi o bombardeamento de Kiev. “Eles queriam fazer um Blitzkrieg, ocupar toda a área da Ucrânia num pequeno intervalo”. Tem amigos que dizem que se os chamarem para guerra, irão. Não gostam de russos, e alguns já antes não gostavam. Pessoalmente, diz não ter amigos russos.

As reações da sua família, como as de tantas outras, variam entre o choque e o encorajamento. “Os meus pais choram”, conta. As suas duas irmãs mais velhas, igualmente a viver em Portugal, dizem que a Ucrânia vai vencer. E ele próprio reconhece que a guerra o fez sentir-se mais ucraniano.

Viktor: “Não estamos a atacar ninguém. Estamos a defender o nosso país”

Outro aluno do centro é Viktor. Tem 11 anos e um sotaque português perfeito, o que não surpreende, pois nasceu em Portugal. A guerra na Ucrânia apanhou a sua família num momento que já era traumático. “A mãe do pai tinha cancro de nível 4, por isso ele foi para lá. Nós fomos em outubro. Mas depois conseguimos voltar e ele não voltou”. Enquanto o pai ficou a tratar da avó de Viktor, este regressou com a mãe e as suas duas irmãs, de sete e nove anos. Vivem em Cascais.

A família tem conseguido falar regularmente. “Ele pergunta que guerra é que há lá. Não está atualizado, mas nós estamos”. Cento e cinquenta quilómetros a sul de Kiev, onde o pai se encontra, isso será possível? “Temos falado com ele e acho que já está a começar a entender. Ele não vê televisão”.

A mãe de Viktor é professora no centro Rodyna. Receia, segundo o filho, que caso a Ucrânia perca a guerra o próximo pais na lista seja a Roménia ou a Polónia. “Acho que vamos ganhar esta guerra. Porque não estamos a atacar ninguém. Estamos a defender o nosso país”.

Viktor diz que na escola os seus colegas portugueses o têm apoiado e comovido. “Acho que os pais deles vão reunir-se e dar comida, coisas de farmácia, roupas. Porque lá agora está neve e frio”.

Não tem colegas russos, mas há um colega português do sétimo ano que lhe disse estar com Putin. “Não disse mais nada”. Ele não respondeu, nem havia propriamente nada a dizer. Para já, Viktor não sabe quando o pai volta. “Ele gostava de trazer a mãe, o pai, outros familiares que estão na Ucrânia”.