Eleições no Brasil

Silêncio de Bolsonaro com derrota indica transição problemática para Lula

Presidente quebra tradição de reconhecimento imediato da derrota. Quase 24 horas após Lula ser declarado vencedor, o chefe de Estado cessante ainda não se pronunciou

No Palácio do Planalto um dia após as eleições, Bolsonaro nada disse sobre a derrota
Mateus Bonomi/Anadolu/Getty Images

Silêncio e recolhimento. O Presidente Jair Bolsonaro, candidato do Partido Liberal (PL, extrema-direita) derrotado nas eleições presidenciais brasileiras, quebrou uma tradição democrática ao demorar a assumir a derrota na disputa encerrada domingo à noite. O Tribunal Superior Eleitoral anunciou às 19h59 a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda).

Em 33 anos de disputas presidenciais democráticas, após o fim da ditadura militar de 1964-85, nunca um candidato derrotado demorou mais do que duas horas a reconhecer o resultado a felicitar o oponente vencedor.

A falta de reação de Bolsonaro anuncia um período de transição difícil até à posse do novo chefe de Estado, a 1 de janeiro de 2023. A lei exige que sejam criadas duas equipas de transição (uma do Governo que sai, outra do Governo que entra), reservando verbas, cargos e obrigação de acesso a dados públicos nos próximos dois meses. Até ontem, nenhuma sinalização de Bolsonaro fora enviada à coordenação da campanha de Lula.

O ainda Presidente acumulava 20 horas de silêncio desde a oficialização da derrota. Nenhuma declaração pública nem divulgação de nota ou sequer publicação em redes sociais. Bolsonaro, o primeiro Presidente a ser derrotado na recandidatura ao segundo mandato, recolheu-se domingo à noite ao Palácio da Alvorada, cujas luzes foram apagadas às 22h04.

Mulher de Bolsonaro reza salmo, filhos em invulgar silêncio

Bolsonaro negou-se a receber ministros e líderes políticos aliados. Só aceitou falar por telefone com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que lhe comunicou oficialmente a derrota. Segundo Moraes, Bolsonaro foi educado, agradeceu o telefonema, mas não fez nenhum comentário ou queixa.

Às 10h desta segunda-feira, o Presidente seguiu em direção ao Palácio do Planalto, onde não tem agenda pública. Bolsonaro mantém o silêncio, assim como os seus três filhos. Flávio (senador), Eduardo (deputado federal) e Carlos (vereador) são muito ativos nas redes sociais, mas não comentaram a derrota.

O único sinal da família veio da da primeira-dama. Michele Bolsonaro citou um versículo bíblico: “Salmos 117. Louvai ao Senhor todas as nações, louvai-o todos os povos. Porque a sua benignidade é grande para conosco, e a verdade do Senhor dura para sempre. Louvai ao Senhor”.

Um grupo de ministros de Bolsonaro passou o dia pressionando o Presidente a reconhecer em público a derrota. Querem que o derrotado se manifeste ainda nesta segunda-feira, o que ainda não havia ocorrido até ao começo da tarde.

Protesto de camionistas pró-Bolsonaro

Grupos de camionistas radicais iniciaram protestos na madrugada. Fecharam estradas em pelo menos 11 Estados, provocando centenas de quilómetros de congestionamentos nas rodovias.

Apesar desses protestos pontuais, o Brasil amanheceu sem conflitos ou tensões políticas entre as principais lideranças. As chefias do Congresso Nacional já reconheceram o resultado e anunciaram que trabalharão com aliados de Lula na transição governamental.

Aos 77 anos, Lula obteve nas urnas um inédito terceiro mandato presidencial. O candidato do PT bateu Bolsonaro na disputa mais acirrada desde a redemocratização.

Lula recebe Presidente da Argentina

A diferença entre os dois foi de 2.139.645 votos. O ex-Presidente obteve 60,3 milhões de votos (50,9%) contra 58,2 milhões (49,1%) do candidato do PL. A diferença mais próxima entre aspirantes à presidência fora em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita, vencendo Aécio Neves (PSDB) por uma diferença de 3,4 milhões de votos.

No discurso que fez após a vitória, Lula adiantou o temor de uma transição atribulada. “Eu gostaria de estar só alegre, mas eu estou metade alegre e metade preocupado. Tenho que começar a me preocupar como é que a gente vai governar este país. Preciso saber se o Presidente que nós derrotámos vai permitir que haja uma transição para que a gente tome conhecimento das coisas”, declarou.

Lula tinha agenda livre nesta segunda, mas recebeu a visita do Presidente da Argentina, Alberto Fernandez, seu principal aliado na América Latina.

O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), um dos aliados mais próximos de Lula, resumiu o espírito da equipe do presidente eleito: “Não vai haver transição pelo jeito. Vão nos sonegar dados e nos deixar no escuro até janeiro”.