“Você deve ter uns dois anos e pouco de mandato ainda. Podemos estabelecer uma meta: o que nós queremos que aconteça entre Brasil e Portugal? A gente pode conseguir isso. Na política você tem de estabelecer a meta, ter um projeto, não pode ficar governando conforme o vento. Você determina estrategicamente aquilo que você quer que aconteça.”
Ao quarto dia de estadia em Portugal, o Presidente do Brasil deslocou-se ao norte do país para assinalar a abertura do Fórum Empresarial Portugal-Brasil, em Matosinhos, e desafiar o primeiro-ministro português, António Costa, ao estabelecimento de metas bilaterais.
“O Brasil está preparado para voltar a ser um país grande, importante e atraente. E o Brasil quer construir políticas de parcerias”, disse Luís Inácio Lula da Silva. “Não queremos relações hegemónicas com ninguém. Não é porque nós somos grandes que nós temos de ter hegemonia”, sossegou o chefe de Estado brasileiro. “Queremos construir parcerias com as empresas portuguesas e queremos que os empresários portugueses construam parcerias com as nossas empresas.”
A escutá-lo, no Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (Ceiia), estavam mais de 120 empresários portugueses e brasileiros – das áreas da energia, mobilidade, tecnologia, inovação e saúde –, os protagonistas do Fórum Empresarial Portugal-Brasil.
Costa enumera os trunfos portugueses
António Costa aceitou o desafio, admitiu que o crescimento na relação comercial bilateral tem estado “muito aquém do seu enorme potencial” e acenou com trunfos que a podem potenciar.
Ao nível da transição digital, “Portugal e o Brasil são os pontos de amarração do novo cabo de fibra ótica que liga todo a América Latina ao continente europeu, parte de Fortaleza e chega a Sines”, disse o primeiro-ministro. “É a nova ponte física que existe de ligação entre os dois continentes através dos nossos países.”
Relativamente à transição energética, “Portugal tem estado, desde há 15 anos, na vanguarda”, disse Costa. “58% da eletricidade que hoje consumimos tem origem nas energias renováveis e temos a meta que, daqui a quatro anos, 80% da eletricidade que consumimos tem origem nas energias renováveis.”
Costa não poupou nos argumentos e destacou mais quatro fatores potenciadores da relação:
- o dinamismo bilateral ao nível do empreendedorismo, recordando que este ano, pela primeira vez, a Web Summit vai realizar-se também no Rio de Janeiro;
- “um regime bom para acolher investimento e inovação”, nomeadamente a nível fiscal e de autorização de residência;
- a qualificação dos recursos humanos portugueses, referindo que Portugal tem a terceira taxa de recém-graduados em engenharia da UE, atrás da Áustria e Alemanha.
- o papel de Portugal como “verdadeiro ponta de lança”, disse Costa, na defesa da conclusão do acordo de comércio entre a União Europeia e o Mercosul, uma organização intergovernamental regional fundada em 1991 com cinco países membros (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) e outros sete associados.
Após o apagão que significou a presidência de Jair Bolsonaro relativamente à relação entre Portugal e o Brasil, a estratégia de Lula da Silva de relançamento do diálogo passa pelo impulso da economia e do comércio.
“Sempre se tratou Portugal como um país pequeno”, admitiu Lula da Silva. “Portugal era a entrada do Brasil para a Europa, para a Alemanha ou França. Nada melhor do que estabelecer uma relação com Portugal e, a partir daqui, produzirmos juntos e expor os produtos para outros países europeus. É muito mais fácil.”
Relação é hoje como há 12 anos
A deslocação de Lula da Silva a Portugal, ao fim de três meses de governo, é a quarta ao estrangeiro após a reeleição - após Argentina, Estados Unidos e China – e a primeira à Europa. “Agora que o Brasil voltou, não vamos nunca mais deixar o Brasil sair”, afirmou António Costa.
Com raízes familiares na zona de Aveiro, como fez questão de partilhar, Jorge Viana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), realçou que, hoje, “o fluxo comercial entre Portugal e Brasil é muito parecido com o que tínhamos há 12 anos”, à época da primeira vez de Lula no Palácio do Planalto. “Ou seja, deixamos de crescer, estagnamos”.
Para se perceber o quanto falta fazer entre os dois países, os números falam por si. Apesar do Brasil ser incomparavelmente maior e mais populoso do que Portugal, tem sido maior o investimento dos portugueses no Brasil do que de empresários brasileiros em Portugal. Jorge Viana afirmou que “em 2022, o fluxo comercial atingiu os 5300 milhões de dólares. Houve um crescimento, muito vinculado à exportação de petróleo, não de produtos manufaturados que geram emprego de parte a parte”.
O fluxo de investimentos de Portugal no Brasil é ainda maior: em 2021, "somaram 11.900 milhões de dólares acumulados, mas já alcançaram a marca de 13 mil milhões na época do Governo do Presidente Lula”, disse Jorge Viana. “Há a expectativa de que voltemos a ter um crescimento exponencial do fluxo de investimentos.”
Em Matosinhos, as partes deram um primeiro passo através da assinatura da renovação do protocolo de entendimento entre a APEX e a congénere portuguesa, Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
KC-390, uma face visível da cooperação
O Brasil é um dos 10 maiores investidores em Portugal, o segundo maior fora da União Europeia, “muito aquém do enorme potencial de investimento que tem”, registou Costa. Para Portugal, “o Brasil figura no terceiro lugar do investimento direto no exterior, mas somos somente o 18º investidor no Brasil. Ninguém tem dúvidas do potencial do Brasil e da dimensão de Portugal, mas, francamente, 18º não é a nossa posição. Temos de subir”, desafiou o governante português.
O regresso de Lula da Silva a Lisboa decorreu também sob o signo da cooperação Portugal-Brasil. O chefe de Estado brasileiro viajou a bordo de uma aeronave KC-390, o maior projeto de engenharia desenvolvido entre os dois países.
Esta aeronave resulta de 12 anos de trabalho conjunto entre o Ceiia – nasceu no período em que Lula era Presidente –, as OGMA - Indústria Aeronáutica de Portugal, a Força Aérea Portuguesa e a Embraer. Produzido por esta empresa brasileira, o Ceiia contribuiu com o desenvolvimento de dois terços da estrutura da aeronave.
A despedida de Matosinhos não se fez sem que antes Lula da Silva aflorasse, ainda que indiretamente, o tema que o tem perseguido na sua visita a Portugal. “O Brasil está de volta, e está de volta para ser protagonista internacional. É por isso que eu me estou dedicando em tentar parar de falar em guerra e constituir a paz.”