As posições divergem. O cessar-fogo humanitário pedido pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, não reúne consenso na União Europeia. Já foi defendido abertamente pelo primeiro-ministro António Costa e pelos governos da Irlanda, Eslovénia, Bélgica e Países Baixos. Mas, para Berlim, Praga, Viena e Riga, este apelo choca de frente com o direito de Israel a defender-se e a responder ao Hamas.
Para contornar a controvérsia, o alto representante da UE para a Política Externa colocou em cima da mesa a opção de um apelo a uma "pausa humanitária". A escolha de palavras é prudente. No final da reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros, no Luxemburgo, Josep Borrell reconhece que representa "um objetivo menos ambicioso do que um cessar-fogo", mas, ainda assim, permitiria que a ajuda humanitária entrasse em Gaza, "sem correr os riscos de uma ação bélica". Isto, se Israel e o Hamas aceitassem.
A alternativa satisfaz uma maioria de Estados-membros. A ministra holandesa dos Negócios Estrangeiros, Hanke Slto, considera que "as pausas" são precisas porque "é absolutamente necessário que haja mais ajuda humanitária e que as pessoas recebam ajuda, medicamentos, alimentos e água". Seria também a oportunidade para a libertação de reféns.
Portugal está confortável com esta hipótese de compromisso. João Cravinho reconhece que Portugal "preferia um cessar-fogo humanitário", mas lembra que chegar a um acordo exige "sempre concessões". O ministro português dos Negócios Estrangeiros acredita que em relação à pausa humanitária "há um consenso em cima da mesa". Também o Alto Representante para a política externa viu um "consenso básico" na sala.
Só que a noção de consenso não é para já consensual. Ao que o Expresso apurou, Alemanha, República Checa e Áustria têm reservas. Consideram que este ainda não é o momento de se apelar a um cessar-fogo ou uma pausa e pode ser contraproducente e ineficaz fazer esse apelo publicamente.
As reservas terão ficado ainda mais claras depois da reunião de embaixadores, em Bruxelas, quando os 27 analisaram o rascunho de conclusões da reunião de líderes de quinta-feira. O documento a que o Expresso teve acesso refere que "o Conselho Europeu apoia o apelo do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a uma pausa humanitária a fim de permitir um acesso humanitário seguro e que a ajuda chegue às pessoas necessitadas".
Esta será também a proposta defendida pelo Presidente do Conselho Europeu. O facto de a "pausa" estar em cima da mesa dos líderes e de ter sido já discutida pela diplomacia europeia coloca pressão nos países com mais reservas, mas isso não é garantia que a frase e o apelo fiquem nas conclusões da Cimeira desta semana. É preciso um consenso que para já não existe, adiantam várias fontes diplomática.
A ministra alemã dos negócios estrangeiros fala numa "impossibilidade". Segundo Annalena Baerbock "não é possível conter a catástrofe humana se o terrorismo de Gaza continuar", nem "haverá segurança nem paz para Israel e para os palestinianos, se o terrorismo persistir". Já o colega checo levantava dúvidas sobre a capacidade de o Hamas respeitar um cessar-fogo.
Explica Borrell, que uma pausa humanitária pressupõe uma paragem temporária numa guerra que depois é retomada, ao passo que um cessar-fogo pressupõe um acordo entre as partes. No entanto, o chefe da diplomacia europeia considera que a "pausa pode ser também acordada mais rapidamente", com vantagens, numa altura em se insiste na necessidade de reforçar a ajuda humanitária, principalmente o fornecimento de combustível para a produção de eletricidade e o processo de dessalinização da água do mar para garantir mais água potável.
Há uma preocupação crescente com as condições de vida dos civis em Gaza e também com as consequências para o escalar do conflito na região. Borrell admite que basta uma "faísca" para o conflito se alastrar. É consensual para os 27 que é necessário reforçar a ajuda aos palestinianos em Gaza e continuar a insistir para que Israel respeite do Direito Internacional. Até quinta têm também de se entender sobre a questão do apelo à pausa humanitária. É um novo teste à unidade europeia.