O Hezbollah afirma estar em contacto com o Hamas e a acompanhar os ataques em Israel. A organização militante xiita libanesa, que travou uma guerra com Israel em 2006, revelou, neste sábado, que está em contacto com o Hamas, de acordo com o jornal “The New York Times”. Apesar disso, em resposta a um apelo do Hamas, o Hezbollah não terá chegado a prometer juntar-se ao ataque do grupo de Gaza.
O Hamas pediu que grupos armados no Líbano se juntassem nos seus ataques contra Israel. Em comunicado, o Hezbollah diz estar “a acompanhar de perto com grande interesse os importantes desenvolvimentos na situação palestiniana”, e em “contacto direto com a liderança da resistência palestiniana no país e no estrangeiro”. A organização militar refere ainda que está a "realizar uma avaliação contínua dos acontecimentos e da condução das operações”.
Desde que travaram uma guerra em grande escala em 2006, tanto Israel como o Hezbollah evitaram outro grande confronto ao longo da fronteira entre Israel e o Líbano, mantendo apenas mínimos de poder de fogo e investidas transfronteiriças. No entanto, os ataques a Israel foram celebrados em alguns locais da capital do Líbano, Beirute, com crianças a distribuírem doces aos motoristas que passavam. Houve até fogos-de-artifício artesanais, e vários moradores locais agitaram bandeiras palestinianas.
A possibilidade de os dois grupos se aproximarem já tinha sido levantada por Steven A. Cook, investigador de Estudos do Médio Oriente e África e especialista em política árabe e turca no ‘think tank’ norte-americano Council on Foreign Relations. “Existe uma possibilidade real de ocorrer uma guerra em duas frentes”, advogou o analista, em declarações ao Expresso. “Os iranianos têm encorajado o Hamas, o Hezbollah e a jihad islâmica a coordenarem-se. O Hamas calculou que Israel está fragilizado, devido às suas lutas internas, e agora foi um bom momento para atacar”, concluiu. Carmiel Arbit, analista do Atlantic Council para assuntos do Médio Oriente, concorda: “É impossível subestimar a magnitude da tragédia que hoje se desenrola em Israel. Ainda não está claro de que forma isto irá aumentar, nem se os inimigos de Israel no norte, como o Hezbollah, irão aderir.” Mas uma coisa é certa, assevera a investigadora. “A resposta de Israel em Gaza será ampla e devastadora. Será diferente de qualquer guerra que vimos em quase uma geração.”
Muhammad Deif, líder do grupo armado islâmico que controla Gaza, declarou, numa mensagem gravada, que o grupo decidiu lançar uma “operação” contra Israel para que “o inimigo compreenda que o tempo da sua violência sem responsabilização chegou ao fim". Rex Brynen, investigador de Ciência Política, na Universidade de McGill, no Quebec, Canadá, defende que Deif está “apenas a ser retórico, para efeitos políticos”, já que a violência gerada neste sábado não acabará com a ocupação israelita. “É, sem dúvida, uma grande escalada por parte do Hamas, que deve sentir que o ‘status quo’ é insustentável. Mas é difícil saber exactamente quais foram os cálculos políticos do Hamas. Suspeito que pretendia ser uma resposta à constante violência israelita contra os palestinianos na Cisjordânia, aos incidentes em Jerusalém, à necessidade de mostrar que o Hamas ainda resiste e ao sentimento geral de que é necessário algum tipo de choque para mudar a situação atual. O descarrilamento de uma possível normalização israelo-saudita também pode ser um fator a considerar, embora eu pense que a operação foi provavelmente planeada muito antes de isso se tornar uma questão importante.” O professor está ainda convencido de que, para já, o Hamas tem agido sozinho. “O Irão é um grande apoiante do Hamas, mas duvido que isto tenha sido feito a pedido do Irão; foi uma decisão do Hamas, por razões que dizem respeito ao Hamas.”
Leila Farsakh, analista palestiniana de Ciência Política, admite ao Expresso que a revolta não acabará com a “ocupação”, mas “é certamente uma viragem no jogo”. Trata-se de uma operação militar do Hamas que é “única no seu âmbito e táticas, utilizando múltiplas ferramentas para lançar ataques surpresa a Israel em mais do que uma frente - em vez de depender apenas de foguetes -, e foi capaz de infligir quase cem mortes entre os israelitas”. É algo sem precedentes, uma vez que “as grandes perdas israelitas ocorreram nos primeiros 30 minutos após o ataque, o que lembra a guerra de 1973, quando as tropas egípcias cruzaram o canal de Suez, surpreendendo Israel”. O objetivo, segundo a investigadora, é dizer que os palestinianos continuam a resistir às “contínuas e implacáveis violações israelitas das suas vidas e dos seus direitos”.
Há, por isso, muitos motivos na origem da iniciativa militar, garante Leila Farsakh. “Há o fracasso da autoridade palestiniana na Cisjordânia e a perda da sua legitimidade, os ataques israelitas a Hawara e cidades palestinianas como Jenin e Nablus, a morte dos prisioneiros devido às greves de fome e a recusa de Israel em negociar a libertação dos reféns ou o levantamento do cerco a Gaza, a limpeza das cidades palestinianas devido aos ataques dos colonos e as eleições do Governo mais à direita em Israel, que tem sido implacável nos seus ataques aos palestinianos. A mudança do poder regional, com a mais recente reaproximação saudita-israelita, sem quaisquer benefícios para os palestinianos, é também um fator a ter em conta.”