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Abu Dhabi Secrets: lista com mais de mil cidadãos europeus, incluindo dois portugueses, foi entregue aos serviços secretos dos EAU

Uma investigação da rede EIC (European Investigative Collaborations) com base em documentos obtidos pelo jornal francês Mediapart revela como uma agência de detetives suíça vendeu aos Emirados Árabes Unidos mais de mil nomes de cidadãos europeus por supostas ligações à Irmandade Muçulmana e para poderem ser difamados como extremistas. Dois deles são portugueses

Diana Itawi / Daraj Media / EIC

Uma empresa privada suíça especializada em espionagem e campanhas de desinformação, a Alp Services, foi contratada pelos Emirados Árabes Unidos (EAU) para identificar e difamar cidadãos como parte de uma guerra política contra o Catar e a Irmandade Muçulmana, um movimento internacional fundado em 1928 no Egito e presente em muitos países do Médio Oriente.

Segundo uma investigação desenvolvida nos últimos meses pela rede EIC (European Investigative Collaborations), a partir de documentos confidenciais obtidos pelo jornal online francês Mediapart, a Alp Services forneceu, entre 2017 e 2020, os nomes de mais de mil cidadãos e 400 organizações de 18 países europeus aos serviços secretos dos EAU, por alegadamente terem ligações à Irmandade Muçulmana, classificada como organização terrorista desde 2014 pelo Governo de Abu Dhabi.

A investigação do EIC foi batizada de Abu Dhabi Secrets (Segredos de Abu Dhabi) e, além dos órgãos de comunicação social que fazem parte desta rede de jornalismo, como “Der Spiegel” na Alemanha, “Le Soir” e “De Standaard” na Bélgica, o “NRC” na Holanda e o “InfoLibre” em Espanha, participaram no projeto outros media que não são membros do consórcio: a “Heidi News” e a cadeia de televisão RSI na Suíça, o jornal italiano “Domani” e a plataforma árabe Daraj Media.

Catar apoia Irmandade Muçulmana há anos

O Catar tem apoiado a Irmandade Muçulmana ao longo dos anos, acolhendo muitos membros que têm sido obrigados a exilar-se, intensificando assim os atritos com os EAU. Aquele movimento, que visa a criação de estados que funcionem segundo princípios islâmicos, chegou a ganhar eleições na Tunísia e no Egito na sequência da Primavera Árabe de 2011 e tornou-se oposição forte nos próprios Emirados, surgindo como ameaça ao poder instalado. O atual Presidente dos EAU e emir de Abu Dhabi, Mohamed bin Zayed (MBZ), tem liderado a ofensiva contra o movimento.

O objetivo da Alp Services era convencer os serviços secretos dos EAU sobre uma alegada influência forte da Irmandade Muçulmana na Europa e poder, com isso, faturar com campanhas de difamação contra os nomes listados, através de esquemas subversivos de desinformação online, incluindo adulteração do conteúdo de páginas da Wikipedia e recurso a supostos especialistas para disseminarem informação falsa em jornais e revistas.

Para pôr em marcha a divulgação de informações comprometedoras contra indivíduos específicos escolhidos da lista de nomes entregue pela Alp, Abu Dhabi teria de pagar 20 a 50 mil euros por cada alvo.