Pelas 23:30 locais (22:30 em Lisboa) começaram a surgir na rede social Twitter os primeiros vídeos: multidões nos Campos Elísios, apetrechadas com capacetes de motociclos e golas antifumo pretas, para aguentarem a carga policial e o lançamento de gás pimenta e lacrimogéneo, fruto da "experiência" dos dias anteriores.
Pouco depois, teve início mais uma noite de confrontos entre a polícia e estes parisienses, a quinta consecutiva desde o homicídio, na última terça-feira, de Nahel Merzouk, um rapaz de 17 anos que foi baleado por um polícia em Nanterre, nos arredores de Paris.
Nos arredores de Paris, o presidente da câmara de L’Haÿ-les-Roses, uma localidade a sul da capital, viu a sua casa ser alvo de uma tentativa de invasão durante a noite. “Por volta da 1h30, enquanto eu estava na câmara municipal como estive nas últimas três noites, uns indivíduos conduziram um carro na direção da minha casa, antes de lhe deitaram fogo de forma a incendiar a minha residência. Lá dentro, a minha mulher e os meus dois filhos estavam a dormir”, disse Vincent Jeanbrun aos jornalistas, confirmando ferimentos da sua mulher e de um dos filhos. A procuradoria da região de Créteil confirmou à agência France Press que foi aberta uma investigação por tentativa de homicídio.
No centro de Paris, porém, esta noite foi diferente das anteriores, com a presença de mais polícias do corpo de intervenção espalhados pelas principais artérias da cidade, incluindo os Campos Elísios.
A polícia rapidamente repeliu os confrontos para as ruas adjacentes, o que permitiu que automóveis voltassem a circular, enquanto a batalha campal prosseguia em outros locais.
O corpo de intervenção foi avançando, enquanto ia lançando gás lacrimogéneo nas ruelas mais pequenas para encurralar os envolvidos nos confrontos.
Do outro lado chegava resposta: garrafas de vidro, pedaços de bicicletas vandalizadas, caixotes do lixo incendiados e esplanadas derrubadas, para impedir a carga policial.
A Lusa constatou que um grupo de cerca de cinco pessoas incendiou um automóvel quando o proprietário se estava a preparar para entrar. Um grupo de pessoas de um restaurante mesmo ao lado apressou-se a ajudá-lo a apagar as chamas.
"Isto é anarquia. Porque é que estão a fazer isto? Olhem para esta merda que estão a fazer", gritou o proprietário de um estabelecimento. "Entrem, entrem, não fiquem aí fora, isto está para durar", respondeu um funcionário de um restaurante mais adiante para clientes que ainda lá estavam.
Mais à frente, na mesma rua, um outro veículo estava completamente vandalizado: portas abertas, vidros partidos, o chassis amolgado, enquanto algumas pessoas entravam no automóvel para se filmarem a fingir que o conduziam.
O cenário era assim em todas as ruas contíguas aos Campos Elísios. Motociclos derrubados e em chamas, lojas vandalizadas e pilhadas, vidros no chão e as barreiras de segurança colocadas durante a tarde agora estavam derrubadas por cima de lixo que foi incendiado.
Os parisienses envolvidos nos confrontos aproveitavam garagens abertas, lojas vandalizadas e becos para fugir ao gás lacrimogéneo lançado, enquanto encharcavam os olhos com água na esperança de acalmar a dor.
"Venham para aqui, força", gritou o funcionário de uma garagem, que a abriu para abrigar dois rapazes enquanto a polícia investia mais uma vez contra as pessoas que participavam nestes protestos.
Pelas 01:50 locais (00:50 em Lisboa) o ambiente estava mais calmo. Em algumas ruas, pessoas estavam sentadas no chão algemadas, a polícia identificava-as, e "varria" as ruas todas.
Dez minutos depois, centenas de polícias concentraram-se na avenida principal. Ouviu-se o som de um petardo. Depois outros dois.
Uma enchente de pessoas começou a correr na direção da polícia, arremessando garrafas de vidro e outros objetos. A polícia fez o mesmo e recomeçou a batalha campal, enquanto os carros atravessavam os Campos Elísios.
Em poucos segundos havia pessoas no chão, detidas, e cassetetes eram utilizados para obrigar os presentes a abandonarem o local e gás lacrimogéneo para impedir outros de se juntarem.
Um rapaz fugiu pelo meio da estrada, mas acabou apanhado por um polícia, que lhe deu um encontrão e o fez ir contra um carro que estava parado no semáforo. O rapaz caiu e foi levado por quatro polícias, que o carregaram enquanto gritava.
Entretanto, outras pessoas tentavam escapar à polícia por entre os carros que estavam parados nos semáforos e que não arrancaram quando o semáforo mostrou a cor verde, perplexos com aquilo a que estavam a assistir.
A polícia bateu indiscriminadamente em todas as pessoas que passavam, na tentativa de as expulsar dos Campos Elísios e conter a anarquia, inclusive pessoas que diziam que apenas estavam a passar por ali ou a tentar sair.
Em segundos, o caos tomou conta daquela congestionada artéria de Paris, mesmo a um sábado à noite.
Nas zonas adjacentes, o céu estava pintado com uma névoa cinzenta de gás lacrimogéneo, que acabou por afastar as pessoas que recusaram sair das discotecas, mas que, entretanto, foram apoderadas pela curiosidade.
A noite assim foi prosseguindo até às 02:30 locais (01:30 em Lisboa), com a polícia a carregar sobre os parisienses descontentes que, por sua vez, desafiavam os agentes de rua em rua.
Ainda assim, "foi a noite mais calma desde que isto começou", comentou um polícia, que não quis ser identificado.
"Isto hoje não está a ser como nas outras noites, está fraquinho", referiu um homem que caminhava por entre a destruição, observando à distância os passos de uns e outros.
Entre a polícia reforçada, os que prosseguem os confrontos, os que apenas são atraídos pela curiosidade e os turistas atarantados, voltou a reinar a anarquia no coração de Paris.
Para algumas pessoas com quem a Lusa foi conversando ao longo da noite, estes são protestos para contestar o homicídio de Nahel, mas também por outras causas. Para outras, a violência foi desencadeada por pessoas que apenas querem aproveitar a morte de um jovem para justificar o desgoverno.
A polícia permaneceu nos Campos Elísios, com várias carrinhas e centenas de elementos até não haver sinal dos confrontos.
Em outras cidades francesas a noite revelou-se igualmente controlada, apesar de Marselha inda ter visto alguns confrontos sérios, como conta o “Le Monde”. Uma série de medidas para controlar as multidões, impostas pelo Governo, parecem estar a imprimir o desejado efeito: há milhares de policias na rua, os detidos estão a ser julgados com grande rapidez, e há mais apelos, por parte de figuras conhecidas da sociedade, para que os jovens não se envolvam em atos violentos.