Os 27 estão alinhados no discurso: a rebelião do grupo Wagner é um problema interno para Vladimir Putin, agora mais enfraquecido, resolver. Mas a análise repetida por vários líderes europeus, esta quinta-feira, em Bruxelas, é também motivo de apreensão, a começar nos países mais a leste.
O primeiro-ministro da Letónia assumiu a "preocupação" com a instabilidade política na Rússia e a homóloga da Estónia, Kaja Kallas, acrescenta que o país era e continua ser "instável, imprevisível e perigoso". Na Polónia e no Báltico, a preocupação é também com a presença do Grupo Wagner na vizinha Bielorrússia.
"Um Putin mais fraco é um perigo maior", conclui o chefe da diplomacia europeia. Josep Borrell avisa que "é preciso estar atento às consequências", porque as notícias sobre a detenção de generais russos pode indicar que "Putin entrou no modo de limpeza interna e mais assertivo".
Berlim também não se mostra otimista. Para o chanceler alemão, a rebelião falhada de Prigozhin não vai fazer com que Putin recue na Ucrânia. Pelo contrário, defende que a UE deve estar mais do que nunca preparada para continuar a apoiar Kiev por um longo período: financeiramente, mas também na vertente militar. Ao mesmo tempo, Olaf Sholz deixa claro que o ocidente "não tem nada ver com o que se está a passar", nem está à procura de "mudança de regime na Rússia".
O problema é a falta de clareza sobre o que podem ser os impactos, quer na guerra da Ucrânia, quer nos interesses e na segurança da UE. “Acho que há ainda pouca informação sobre o que aconteceu", diz António Costa, que falou pela primeira-vez sobre os acontecimentos do fim-de-semana. "É manifestamente um sinal de menor coesão interna da Rússia", diz o primeiro-ministro", para concluir de seguida que o importante é o apoio à Ucrânia de forma a garantir "que quem viola o direito internacional não vence” a guerra.
É a conclusão que fica - e novamente repetida - a UE continua ao lado de Volodomyr Zelensky que voltou a participar na Cimeira por videoconferência. Os 27 estão também de acordo com a criação de um tribunal internacional para julgar os crimes de agressão - desde logo o da Rússia contra a Ucrânia - mas falta resolver detalhes jurídicos que permitam pôr de pé esta iniciativa. Por concretizar continua também o objetivo de utilizar os bens congelados aos oligarcas russos - ou os lucros decorrentes dos mesmos - para pagar a reconstrução da Ucrânia. Também aqui faltam certezas legais sobre como passar da intenção à prática.
Os líderes almoçaram com o secretário-geral da Aliança Atlântica, que veio falar dos objetivos da Cimeira da NATO, dentro de duas semanas, em Vilnius. A meio da reunião chegavam notícias - de outras capitais - de que Jens Stoltenberg iria continuar à frente da NATO por mais um ano e que isso seria também confirmado na Lituânia.
As duas organizações defendem a cooperação e a complementaridade no apoio à Ucrânia, que tem feito uma enorme campanha para ser membro, quer da NATO, quer da União Europeia. No entanto são decisões que não se confundem. São dois caminhos de adesão com condições distintas e que Kiev ainda está longe de conseguir cumprir.
A Ucrânia espera mais do que promessas de adesão, mas, como lembra Stoltenberg, sem que a paz esteja garantida "não há adesão a discutir". Primeiro é preciso "assegurar que [o país] prevalece como uma nação soberana e independente". Depois, há toda uma gestão das expectativas de um povo que acredita na promessa de "portas abertas", quer da NATO, quer da UE. No caso da Aliança Atlântica, as ambições ucranianas deverão ser alimentadas na cimeira de 11 e 12 de julho, em Vilnius.
Volta o braço de ferro polaco-húngaro
O outro tema quente do dia foram as migrações. Polónia e Hungria bloquearam durante toda a noite as conclusões da Cimeira, insistindo que no texto final deveria ficar claro que as decisões sobre migrações devem ser tomadas por consenso, ou seja, garantindo-lhes poder de veto na negociação.
O problema é que isso é contra os Tratados, que determinam que nesta área, as decisões acontecem por maioria qualificada e foi isso que aconteceu a 10 de junho, quando finalmente - e depois de anos de impasse - os países chegaram a um primeiro entendimento sobre dois regulamentos-chave da reforma a Política de Asilo. Budapeste e Varsóvia ficaram isolados e tentam agora reverter a solução que tem ainda de ser negociada com o Parlamento Europeu.
Em causa está uma nova forma (mais acelerada) de processar os pedidos de asilo, abrindo caminho para uma "solidariedade flexível e obrigatória" entre Estados Membros, que facilite a distribuição de requerentes de asilo, aliviando o fardo de países como a Itália ou a Grécia. Nenhum país é obrigado a acolher estas pessoas, mas quem não o fizer terá de entrar com uma contribuição financeira. A solução que inicialmente tinha sido desenhada para a Hungria e Polónia, nunca convenceu os dois países.
O primeiro-ministro polaco trouxe para a Cimeira uma proposta polémica sobre "a Europa das fronteiras seguras". Diz que se trata de um “não" à imigração ilegal e um "“sim" à soberania, à segurança das fronteiras polacas, das ruas polacas, das cidades e vilas polacas".
Uma visão da Europa em linha com os ideais conservadores, nacionalistas e eurocéticos de Mateusz Morawiecki, contrariados por outros líderes. António Costa foi um dos mais vocais a contestá-lo. "Ao contrário do que os populistas dizem, os emigrantes não são um custo. Têm sido fator de crescimento económico e têm sido contribuintes líquidos. Isto significa que a resposta não é fechar fronteira, mas criar canais legais (de migração)", afirmou o primeiro-ministro, à entrada para o encontro.
António Costa vê nas migrações uma "oportunidade" para a UE e no acolhimento de refugiados um "dever moral, ético e político". "Quanto à dimensão asilo não há hesitação", conclui, dando como exemplo o acolhimento de Ucranianos que fogem à guerra e defendendo que deve ser estendido a todos os que precisam de proteção internacional, independentemente de onde vêm.
O primeiro dia de cimeira terminou sem acordo nas migrações. Esta sexta-feira os líderes voltam a tenter um entendimento, mas, para já, sem garantias de sucesso.