Internacional

New Start: acordo de limitação de armas nucleares posto em causa

Putin anunciou suspensão da participação no acordo que Rússia e EUA tinham assinado em 2010 e renovado por mais cinco anos em Janeiro de 2021. Era o último acordo bilateral de controlo de armas nucleares ainda em vigor

Mikhail Svetlov / Getty Images

Era o último acordo bilateral de controlo de armas nucleares ainda em vigor, ligando EUA e Rússia. Assinado em 2010 e renovado em Janeiro de 2021, limitava os arsenais atómicos das duas potências a 1550 ogivas, o que representava uma redução de 30% relativamente aos armamentos existentes em 2002. O número de bombardeiros com capacidade nuclear e rampas de lançamento de mísseis tinha ficado limitado a 800 por país. Tudo isto somado continua a ser suficiente para destruir o planeta várias vezes…

O tratado New Start previa um sistema de inspecções mútuas (20 por ano no total para cada uma das partes), abrangendo locais de lançamento de mísseis, bem como bases aéreas e navais onde exista armamento atómico. Estas visitas de peritos tinham como objetivo alimentar um clima de confiança e baseavam-se nos princípios “da reciprocidade, previsibilidade e estabilidade mútua”.

Se a renovação do acordo em 2021 tinha sido atribulada, com Rússia e EUA a ratificarem quase em cima do prazo limite (3 de Fevereiro), desde o início da invasão russa da Ucrânia começaram a acumular-se sinais de tensão do lado russo. Como consequência das sanções ocidentais, passou a ser mais difícil a emissão de vistos para cidadãos russos, donde resultou a não realização de algumas inspeções a bases americanas. Já aos americanos – disse na altura Moscovo – não eram postas quaisquer dificuldades.

Primeira retaliação russa

Na sequência deste processo, a 8 de Agosto do ano passado a Rússia anunciou a suspensão das visitas de inspetores norte-americanos acordadas entre as duas partes a locais em território russo, nomeadamente bases aéreas, navais e instalaões de lançamento. Uma declaração oficial anunciava que os sítios em causa “ficavam temporariamente isentos de quaisquer inspeções.”

Esta terça-feira, o Presidente Vladimir Putin, ao discursar sobre o estado da nação formalizou a rutura que já vigorava na prática, “suspendendo formalmente” a participação russa no New Start. Uma subtileza semântica que significa que a qualquer momento a parte russa pode regressar ao acordo com todas as suas consequências, nomeadamente a realização de inspeções mútuas. Existe ainda uma parte da declaração de interpretação dúbia. Putin disse que, antes de voltar à mesa das negociações, precisava de perceber o que alguns países “da aliança do Norte”, caso da França e do Reino Unido, pretendiam fazer.

As limitações ao número de ogivas e lançadores russos e americanos não foram revogadas, sendo, no entanto, a partir de agora, mais difícil verificar na prática e de forma inquestionável se os patamares estão, ou não, a ser cumpridos.

Direito a realizar testes nucleares

Entretanto Putin acrescentou um último elemento: a Rússia reserva-se o direito de realizar testes de armas nucleares se porventura os americanos também o fizerem. O único país que tem feitos explosões nucleares experimentais subterrâneas (na atmosfera estão proibidas desde 1963 por acordo internacional) é a Coreia do Norte, um estado pária que não subscreve o tratado de não proliferação de armas nucleares assinado em 1970 (subscrito por 189 países, incluindo cinco que reconhecem ter bombas atómicas: EUA, Rússia, França, Reino Unido e China, sendo estes também membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU).

A retórica de Putin é coerente com os seus sucessivos anúncios relativos à posse de “armas invencíveis” (mísseis hipersónicos com capacidade convencional ou nuclear), as quais nunca apareceram até hoje no teatro de operações ucraniano. Os especialistas duvidam que, não obstante, a Rússia utilize armas nucleares, mesmo de menor capacidade, ou seja tácticas, no campo de batalha por duas razões: usá-las contra um Estado que as não possua viola o entendimento internacional sobre o uso de tais armas e alienar-lhe-ia apoios políticos importantes como o da China ou da Índia; e numa linha da frente com quase 1000 km de extensão, o efeito prático de uma arma nuclear táctica seria mínimo, sem prejuízo de acarretar uma retaliação por parte da NATO que, nos termos da doutrina estabelecida, começaria sempre por ser convencional.