Internacional

O combate diplomático de Zelensky: a defesa dos valores europeus, o caminho para a integração e os pedidos de armamento

Em Bruxelas, o Presidente ucraniano insistiu na adesão à União Europeia e focou-se nos valores que se defrontam na linha da frente. Dos tanques, a conversa saltou para caças de combate: disse também que há líderes europeus a mostrarem-se prontos a disponibilizar aeronaves. Especialistas ouvidos pelo Expresso sublinham como no discurso ao Parlamento Europeu, Zelensky lembrou que a “adesão da Ucrânia não tem volta”, e como falou diretamente ao povo europeu, para frisar que “cada um de nós conta”

EPA / Radek Pietruszka

Os discursos e as conferências de imprensa acumulam-se na passagem do Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pelo coração da União Europeia (UE), mas as mensagens principais mantêm-se idênticas: a Ucrânia continua focada na adesão à UE e precisa de mais armamento.

O arranque da jornada diplomática desta quinta-feira ouviu Zelensky a descrever a adesão à União Europeia como “o caminho para a casa”. O líder ucraniano falou para os cidadãos europeus. “O destino da Europa nunca dependeu de políticos e não deve haver essa ilusão agora. Cada um de nós conta, cada um de vocês é forte e capaz de influenciar o nosso resultado comum, a nossa vitória comum”, sublinhou.

Álvaro Vasconcelos, ex-diretor do Instituto de Estudos de Segurança da EU, observa que os pedidos de armamento foram remetidos para os encontros em Londres e em Paris, enquanto no Parlamento Europeu o discurso se voltou para os europeus – tanto eurodeputados como opinião pública.

“Ele sabe que a guerra da Ucrânia tem um impacto grave na vida social europeia e fez um discurso para dizer ‘sim, vocês estão a ter sacrifícios, mas são para proteger o nosso estilo de vida’”, nota.

Além da mensagem aos europeus, Zelensky focou-se no processo de adesão à União Europeia. A Ucrânia apresentou o pedido de adesão à UE poucos dias depois de ser invadida, tendo obtido o estatuto de país candidato desde junho de 2022. Seis meses depois, o Conselho Europeu reconhecia os “esforços consideráveis” do país para cumprir os objetivos e o progresso no processo de reforma. Mas o processo é longo.

“É importante para Zelensky e para os ucranianos em geral do ponto de vista político, mas também é muito importante para os soldados ucranianos, que lhes dá um sentido. O combate não é só defender a Ucrânia, que já é uma coisa absolutamente essencial, mas é projetar a Ucrânia num futuro que seja de paz e integração económica”, disse Vasconcelos ao Expresso.

Os valores que moldam a corrida até à meta

Apesar de a presidente da Comissão Europeia ter dito não existir “um cronograma rígido” para o processo de integração, o progresso da Ucrânia foi descrito como sendo “impressionante”. Vasconcelos entende que Zelensky quer que a próxima etapa – as negociações de adesão em que cada domínio é debatido separadamente – se torne realidade este ano. “Combater a corrupção como Zelensky fez nos últimos meses é um passo de aproximação a esta meta, à meta de abertura de ‘dossiês’”, disse.

Por sua vez, Diana Soller, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, entende que o objetivo do Presidente ucraniano passou por “lembrar à Europa que, através da forma como aceitou ser aliada da Ucrânia" e ao aceitar que o país seja candidato da União Europeia, “abriu um caminho” para uma adesão que “não tem volta”. Um caminho “que teria de abrir de qualquer forma porque a Ucrânia passa a ser no fundo o local das fronteiras de segurança da Europa”,

REUTERS

Para a investigadora, o discurso de Zelensky denota a consciência de que na Europa as pessoas estão a sentir o efeito económico da guerra e pretendeu “pedir às pessoas comuns que desempenhem o seu papel na guerra da Ucrânia, que não deixem de apoiar os seus líderes, para que esses líderes não deixem de apoiar a Ucrânia”. Além disso, esteve em cima da mesa uma “dimensão moral” da guerra, na perspetiva de que o país “involuntariamente se tornou guardião de um conjunto de valores”.

Não é apenas a Ucrânia que está a ser avaliada. Ao discursar no parlamento, Zelensky elogiou as mudanças que viu nas instituições europeias ao longo do ano passado.

“A Europa está, finalmente, a livrar-se da dependência ruinosa dos combustíveis fósseis russos, a Europa está a limpar-se da influência corrupta de oligarcas russos, a Europa está a defender-se da infiltração de agentes dos serviços secretos russos, que olhavam para a Europa como o campo de caça de oponentes ao regime russo”, descreveu.

Sobre a Rússia, o líder ucraniano destacou a diferença dos valores defendidos, acusando-a de “tentar aniquilar” a forma de viver ucraniana e europeia.

“A ameaça é que existe um ditador com enormes reservas de armas soviéticas e de regimes ditatoriais, em particular do Irão. Para poder lutar assim, o Kremlin, de forma cínica e deliberada, ano após ano, passo a passo, tentou eliminar aquilo que são os nossos valores na Europa. O valor das vidas humanas foi destruído na Rússia. Para as autoridades russas ninguém tem valor, exceto aqueles que estão no Kremlin e têm as suas carteiras no coração”, declarou perante o Parlamento Europeu.

A Europa dará asas?

“Penso que Zelensky optou neste primeiro momento por reclamar o seu papel na família europeia, mais do que propriamente falar das questões do armamento que provavelmente ficarão para outros momentos de reunião, digamos assim, com os lideres do Conselho Europeu”, disse Diana Soller. A investigadora considera que a liderança ucraniana aprendeu que uma abordagem “mais cândida, menos agressiva relativamente aos pedidos que tem vindo a fazer ao ocidente desde o inicio da guerra, é muito mais eficaz”.

Foi precisamente no contexto do Conselho Europeu que o tema voltou a emergir, com Zelensky a incluir no seu discurso o pedido de armas de artilharia, munições, tanques modernos, mísseis de longo alcance e caças modernos.

Os apelos parecem ter sido ouvidos, já que Zelensky revelou depois haver líderes europeus prontos a disponibilizar as “asas” que tem vindo a pedir. “A Europa estará connosco até à nossa vitória. Ouvi isso de vários líderes europeus... Sobre a prontidão em darem-nos as armas e o apoio necessários, incluindo as aeronaves”, observou.

Algumas figuras políticas europeias de topo já se tinham mostrado dispostas a subir de nível no apoio à Ucrânia, com a presidente do Parlamento Europeu a dizer que deve ser analisada a entrega de sistemas de longo alcance e caças de combate. Roberta Metsola também defendeu que o sacrifício do povo ucraniano deve ser honrado “não apenas com palavras mas com ação” e a vontade política para facilitar trocas comerciais, tornar o processo de adesão “o mais rápido possível”, apoiar a reconstrução do país e garantir equipamento militar. “A nossa resposta deve ser proporcional à ameaça, e a ameaça é existencial”, frisou Metsola.

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, também sublinhou a necessidade de manter o apoio à Ucrânia. “Entendemos que as próximos semanas e meses serão de importância decisiva. Devemos permanecer de olhos abertos, devemos continuar a fornecer apoio de nível máximo… Artilharia, munições, sistemas de defesa.”

Álvaro Vasconcelos observa que “está a acontecer uma mudança” face ao início do conflito, quando era visível uma preocupação em dar apenas equipamento defensivo à Ucrânia. Com uma parte do território ucraniano já ocupado pelas forças russas, observa que para obrigar a Rússia a sair dessas zonas “é preciso material que tem já uma dimensão mais ofensiva”.

A mudança pode ir ao ponto de serem fornecidos aviões? Primeiro, é preciso que os pilotos ucranianos saibam como os utilizar, sendo que na terça-feira o Reino Unido anunciou que lhes ia dar treino. Vasconcelos considera que o tempo de treino é uma forma de exercer pressão sob a Rússia. “Se a Rússia achar que pode fazer uma escalada maior do conflito do que fez até hoje, irá precipitar a entrega destes aviões. Ainda não foi decidido que serão entregues, mas quando se treinam os pilotos, a possibilidade de os aviões virem a ser utilizados e entregues é real”, observa.