Internacional

Nicarágua libertou 222 presos políticos. Para o regime do casal Ortega, foram “deportados traidores”

Um grupo de 222 políticos, jornalistas, religiosos e personalidades da sociedade civil da Nicarágua, críticos do regime liderado pelo ex-guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, foi libertado de forma inesperada. Abertas as portas da prisão, entraram num avião e seguiram para os Estados Unidos. São “traidores à pátria”, defendem os apoiantes do Presidente. “Vão para o exílio, mas vão para a liberdade”, regozijou-se um escritor nicaraguense, também ele crítico do regime

Nicaraguenses a viver nos Estados Unidos aguardam pela chegada dos opositores libertados, no aeroporto de Dulles, em Washington DC
ANDREW CABALLERO-REYNOLDS / AFP / GETTY IMAGES

O governo ditatorial da Nicarágua, liderado pelo casal Ortega, abriu as portas da cadeia, esta quinta-feira, a 222 presos políticos. Ainda de mandrugada, estes partiram de Manágua, num voo charter organizado pelo governo dos Estados Unidos, e foram transportados para o Aeroporto Internacional de Dulles, nas imediações de Washington DC.

A decisão afetou antigos candidatos presidenciais e governantes, como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Francisco Aguirre-Sacasa, personalidades da sociedade civil, jornalistas e membros da Igreja Católica, todos eles críticos do regime liderado, desde 2007, pelo ex-guerrilheiro Daniel Ortega que tem como vice-presidente, desde 2017, a sua mulher, Rosario Murillo.

Alguns dos presos políticos estavam dispersos por vários estabelecimentos prisionais do país, outros viviam em regime de prisão domiciliária. Foram detidos na sequência dos violentos protestos antigovernamentais de 2018.

“Um grande dia para a luta pela liberdade”

Para além de assistência médica e legal, escreve a agência Reuters que terão ajuda do Departamento de Estado norte-americano para se reunirem com familiares que já vivem em solo americano, muitos deles fugidos a vagas repressivas anteriores.

“Hoje é um grande dia para a luta pela liberdade na Nicarágua, ao saírem das prisões tantos prisioneiros condenados ou processados injustamente, prisões onde nunca deveriam ter estado. Vão para o exílio, mas vão para a liberdade”, regozijou-se, no Twitter, o escritor nicaraguense Sérgio Ramirez, Prémio Cervantes 2017 e, ele próprio, um crítico do regime.

A publicação “El 19 Digital”, afeta ao movimento sandinista, de que emana o partido do Presidente Ortega, escreve que as pessoas que saíram em liberdade são “traidores à pátria”, que foram condenadas “pela prática de atos atentatórios à independência, soberania e autodeterminação do povo, por incitação à violência, ao terrorismo e à desestabilização económica”.

Alvo ao ouro

O diário britânico “The Guardian” escreve que esta libertação massiva é “uma forma de sinalizar o desejo de relançar relações com os Estados Unidos”.

Na sequência da demonstração de nepotismo do regime Ortega-Murillo e da repressão à dissidência, a Administração Biden impôs sanções económicas que visaram diretamente o sector do ouro — o principal produto de exportação da Nicarágua. Estatísticas do Banco Central do país revelam que, em 2021, 79% das vendas de ouro tiveram como destino os Estados Unidos.

Para além da governação autocrática, nos últimos anos a Nicarágua tem sido notícia por ser um dos países de origem das caravanas de migrantes que partem a pé rumo ao “el dorado” norte-americano. E, no contexto da invasão russa da Ucrânia, Daniel Ortega foi dos primeiros países a sair em defesa de Vladimir Putin.