Payton Gendron, o jovem de 18 anos que foi identificado como suspeito de matar dez pessoas e ferir três num supermercado em Buffalo, era descrito como o adolescente problemático que usava um fato de proteção completo quando ia para as aulas, mal o regime presencial foi retomado. Vários alunos da escola secundária Susquehanna Valley, nos arredores de Binghamton, em Nova Iorque, estranharam o comportamento e a indumentária, e não conseguiam parar de olhar para Payton Gendron, que não abdicava de usar "roupa completa, botas e luvas" nas poucas vezes em que ia realmente à escola.
Cassaundra Williams, uma das estudantes entrevistadas pelo jornal norte-americano "The New York Times", conta que Payton Gendron raramente comparecia às aulas presenciais. Pouco tempo depois de regressar à escola, voltou a recolher-se, confinado, e a optar pelas aulas online. Cassaundra Williams, de 19 anos, que conhece Payton Gendron desde o ensino primário, também o descreveu como "muito calado", mas estudioso e dedicado aos livros. Ao longo dos anos, entregou-se ao isolamento de forma progressiva. "Ficámos tão chocados. Ainda não conseguimos pensar nisto."
Solitário, "marginalizado", com interesse em armas
Lucy Ramirez-Patterson, de 18 anos, garante que Payton Gendron era um "solitário" na escola. Os dois interagiram uma vez, mas a conversa correu mal. "Quando falei com ele, percebi que não me olhava nos olhos; o olhar dele vagueava por outros lugares." Lucy Ramirez-Patterson, que se diz afroamericana, admite que a atitude a fez sentir-se "desconfortável".
Outro aluno, Kolton Gardner, descreveu o adolescente como "um pouco marginalizado". Payton Gendron "tinha interesse em armas, mas isso não é incomum na zona mais rural de Nova Iorque; as pessoas gostam de armas".
Jada Vanwert, pelo contrário, travou uma amizade com Payton Gendron. A estudante diz ter-se sentido compelida a conversar quando o viu a almoçar sozinho na escola. Descreve-o como um rapaz "muito bom, doce e gentil, uma pessoa divertida com quem conviver, dentro e fora da escola". Costumavam ir à piscina juntos e conversar sobre o futuro. Nessas conversas, segundo a estudante, Payton Gendron nunca falou em suicídio ou no desejo de matar alguém. Sonhava, em vez disso, com "uma boa carreira". Os dois amigos perderam o contacto quando Payton Gendron acabou o ensino secundário.
Os primeiros indícios violentos de um rapaz “doce”
O ano letivo passado caminhava a passos largos para o final quando os alunos da escola secundária Susquehanna Valley foram instruídos a apresentar um projeto sobre os planos que tinham para depois do ensino secundário. Payton Gendron, um dos alunos mais velhos, disse querer cometer um assassinato-suicídio, conforme detalharam depois as autoridades que receberam a denúncia.
O adolescente garantiu que se tratava de uma brincadeira, mas a polícia iniciou uma investigação e manteve Payton Gendron, então com 17 anos, sob custódia, ao abrigo de uma lei estatal de saúde mental. O estudante passou por uma avaliação psiquiátrica, mas foi libertado dias depois, de acordo com as autoridades. Duas semanas mais tarde, Payton Gendron, após terminar o ensino secundário, deixou de estar sob o radar dos investigadores.
O ataque
No sábado, Payton Gendron voltou a captar as atenções das autoridades, ao aparecer, a 320 quilómetros de distância, em Buffalo, onde foi autor de um ataque a um supermercado. As autoridades salientaram que o ataque foi realizado numa área predominantemente negra. Dez pessoas morreram e três ficaram feridas, naquele que foi um dos atentados racistas mais mortais da história recente dos Estados Unidos da América.
Em seguida, Payton Gendron colocou a arma contra o pescoço, mas dois agentes da polícia conseguiram persuadi-lo a largar a arma e a render-se.
O jovem foi acusado no sábado de homicídio em primeiro grau, e, enquanto aguardava para saber o seu destino, na prisão, os agentes da polícia investigaram o seu passado para entender como o norte-americano evoluiu, de um estudante "quieto" para autor de um massacre.
O estado de Nova Iorque adotou aquela que é designada como uma lei de 'bandeiras vermelhas' (red flags), segundo a qual pessoas consideradas perigosas podem ser forçadas a entregar as suas armas, mas ninguém tentou invocá-la contra Payton Gendron. O suspeito não foi nomeado como um alvo específico ou como uma potencial ameaça.
Agentes do FBI reuniram-se na manhã de domingo na parte de fora da casa da família do suposto autor dos disparos, em Conklin, uma cidade de cerca de cinco mil pessoas. Foi detetado pouco movimento na casa azul-clara de dois andares e arbustos bem aparados. Três vizinhos encontravam-se reunidos no quarteirão, de braços cruzados. Alguns revelaram lembrarem-se de terem visto Payton Gendron e os irmãos a jogarem basket na garagem com os dois irmãos.
Revelado um “fascínio por armas” além do “normal”
As autoridades consideraram que o fascínio de Payton Gendron por armas ia "além do normal". O alegado homicida terá planeado o ataque ao longo de vários meses e chegou a publicar um manifesto de 180 páginas online, em que explicava os seus motivos para o ataque, descrevendo a preparação de forma meticulosa. Payton Gendron também escreveu extensivamente acerca dos prós e contras de várias armas de fogo.
O documento inclui uma secção de perguntas e respostas, gráficos de dados "pseudocientíficos" e páginas de 'memes racistas' e antissemitas, bem como alguns dos seus pensamentos sobre criptomoedas.
Payton Gendron também se referia, neste manifesto, à sua admiração por assassinos em massa do passado, e revelou a sua principal inspiração: o homem responsável pelo massacre numa mesquita, em 2019, em Christchurch, na Nova Zelândia.
Por que é que Payton Gendron não foi sinalizado como perigoso?
As autoridades que foram informadas acerca do projeto da escola do então aluno do ensino secundário disseram que, em Nova Iorque, há centenas de ameaças escolares todos os anos, e que, em cada caso, as autoridades entrevistam os alunos e os pais para determinar se os estudantes têm acesso real a armas.
O suspeito não constava de nenhuma lista de 'bandeiras vermelhas' quando entrou na Vintage Firearms, uma loja em Endicott, Nova Iorque, e comprou a arma semiautomática Bushmaster que terá usado no ataque. Robert Donald, o dono da loja, confirmou que os seus registos mostravam que tinha, de facto, vendido a arma ao jovem, mas disse que não se recordava de Payton Gendron. No entanto, as vendas deste tipo de armas são raras, acontecendo apenas meia dúzia de vezes por ano.
Robert Donald disse que fez uma verificação dos antecedentes do suspeito, antes de lhe ter vendido a arma. O relatório não revelava qualquer sinal de potencial perigo.
O FBI está a investigar se os disparos podem ser interpretados como um crime de ódio e de extremismo violento com motivação racial. Payton Gendron declarou-se inocente de homicídio em primeiro grau.
O suposto autor dos crimes utilizou equipamento estratégico, incluindo um colete à prova de balas, e uma espingarda que continha um símbolo racial rabiscado e o número 14, um símbolo numérico da supremacia branca.