Internacional

Notre-Dame de Paris. Dois anos e uma pandemia depois do incêndio, ninguém sabe se foi crime ou azar

Os milhões de turistas que todos os anos queriam tocar, sentir e cheirar a grande catedral de Paris, independentemente da (sua) religião ou fé, quase desapareceram. A covid-19 provocou uma quebra no turismo mundial e sucessivos atrasos no inquérito judicial sobre o incêndio que causou danos imensos nesta jóia da arquitetura gótica, que começou a ser construída quando Portugal (um dos mais velhos países da Europa) tinha apenas 20 anos

O Presidente Emmanuel Macron e o general Jean-Louis Georgelin, responsável pela reconstrução da catedral de Notre-Dame, com o arquiteto-chefe Philippe Villeneuve e o arcebispo de Paris, Michel Aupetit, no segundo aniversário do incêndio que destruiu parte do edifício
BENOÎT TESSIER/REUTERS

Faz esta quinta-feira dois anos, o mundo assistia em direto ao incêndio da catedral que demorou 100 anos a construir e que escapou, quase incólume, aos bombardeamentos da II Guerra Mundial, ao fogo da Grande Guerra, e que também teve a fortuna de ser salva da fogueira na época da Comuna de Paris (1871) por artistas e enfermeiros das imediações. O Presidente Emmanuel Macron visitou o edifício e comparou o que aconteceu a 15 de abril de 2019 com a "pandemia", escreve o site da “bfmtv”.

Estamos todos impressionados com o que vemos“­, disse o chefe de Estado, citado pelo jornal “Le Parisien”. Macron fez-se acompanhar pela presidente da Câmara de Paris, Anne Hidalgo, potencial adversária socialista nas presidenciais de 2022.

O Presidente falou ao coração dos franceses,ao afirmar: A Catedral do Povo de Paris, que é um pouco a catedral de todas as mulheres e homens franceses, parecia inatacável. Era impensável que pudesse desaparecer. Esse momento tocou-nos a todos”­. Reafirmou “o compromisso de [reconstruir o edifício até] 2024”­.

Crime, desleixo ou acidente?

As restrições impostas pela pandemia atrasaram o andamento do inquérito judicial mas tudo indica que estará concluído até 2024. Já foram feitas cerca de uma centena de audiências aos trabalhadores da empresa de andaimes [da obra que estava em curso], aos agentes que descobriram o foco de incêndio, aos seguranças, etc.”­, lembra o site da “bfmtv”.

"O passeio [em redor do templo] continua a ser um momento mágico e memorável"­­, lê-se no site da catedral de Notre-Dame, dois anos depois do incêndio que danificou parte desta igreja que, por ser símbolo ecuménico, é muito mais do que uma catedral.

A vida dos parisienses e de todos os turistas [cerca de 13 milhões por ano] que diariamente entravam no templo alterou-se muito nos meses que se seguiram ao violento incêndio da tarde de segunda-feira, 15 de abril de 2019.

A reabertura de setembro

No final do verão de 2020 (15 de setembro), numa fase em que se queria crer que o desconfinamento fosse definitivo, o site da catedral anunciava a reabertura da loja. Uma mensagem assinada pelo arcebispo Patrick Chauvet explicava tratar-se de uma aposta numa Paris privada de turistas”­­.

Era também, prosseguia Chauvet, um forte sinal” para os cristãos. Devemos combater esta pandemia garantindo que a vida é mais forte do que esta tragédia. A vida continua”­, escreveu o responsável eclesiástico pela catedral.

A primeira pedra da Notre-Dame de Paris tem menos 20 anos do que Portugal. A imponente e rendilhada catedral foi construída por ordem e vontade do rei Luís VII e de Maurice de Sully, eleito bispo de Paris em 1160.

Estes dois homens permitiram que a basílica de Saint-Étienne (Santo Estêvão) fosse demolida, porque queriam deixar a sua marca no destino da cidade. Aproveitaram o fervilhante bulício da margem direita do rio Sena, lugar de passagem de viajantes e peregrinos, que davam azo a importantes trocas de mercadorias e saber cultural.

Na segunda metade do século XII, em 1163, foi colocada a primeira pedra da nova catedral, devidamente abençoada pela presença do Papa Alexandre III.

O plano do novo templo, cuja construção durou um século, era minucioso e incluía a construção de uma escola associada à catedral, arruamentos largos que fizessem brilhar as procissões e cerimónias religiosas e a reconstrução do Palácio Episcopal. Depois de concluída, a catedral foi objeto de intervenções, renovações e alguns atos de vandalismo nos séculos seguintes.

No conturbado período da Revolução Francesa a que a Europa deve muitos dos princípios da Igualdade e Liberdade que tanto prezamos ­—, o templo foi dedicado ao culto da Razão e usado como armazém. Os excessos do período revolucionário conduziram ao saque e destruição das 28 estátuas de reis bíblicos, confundidas com estátuas de reis franceses. Só escapou a da Virgem Maria, no portal do claustro.

Napoleão na Notre-Dame

Em 1801, Napoleão Bonaparte assinou um tratado que garantia que o espaço da Notre-Dame seria devolvido à Igreja católica. Bonaparte escolheu a catedral para cenário da sua coroação como imperador e foi ali que se casou Maria Luísa da Áustria, em 1810.

Três décadas depois, a publicação do romance de Victor Hugo “Notre-Dame de Paris”, que celebrizou a lendária figura do corcunda Quasimodo (livro que poderia ser lido como manual contra a discriminação) deu novo fôlego à Catedral, colocando-a no centro das atenções de muitos leitores. Resta esperar pelo fim da pandemia e pela conclusão das obras para voltarmos a visitar a Notre-Dame de Paris.